Topo

Catori nega lobby por vacina e diz que agenda com Barros tratou de remédio

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

24/08/2021 04h00Atualizada em 24/08/2021 16h43

O executivo Emanuel Catori, um dos sócios da farmacêutica Belcher, afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que não estabeleceu qualquer tipo de vínculo comercial e/ou privado com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), em relação às negociações com o Ministério da Saúde para a oferta de vacinas contra o novo coronavírus.

O depoente confirmou, por outro lado, que participou de uma agenda no ministério por intermédio de Barros, organizador da Frente Parlamentar de Medicamentos na Câmara.

Na versão do empresário, essa reunião ocorreu em 15 de abril deste ano, quatro dias antes de a Belcher receber a carta de credenciamento para representar o laboratório chinês CanSino no Brasil, produtor da vacina Convidecia.

De acordo com Catori, esse encontro teve como pauta a importação de um remédio antiviral, e não houve qualquer menção a eventuais tratativas sobre comercialização de imunizantes. A versão foi contestada pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), e por outros senadores de oposição.

"Reitero que a Belcher não representava a CanSino nessa data [15 de abril]. A Belcher obteve a carta de autorização da Anvisa apenas em... a carta de alteração da CanSino apenas dia 19 de abril. A primeira interface da Belcher com o Ministério da Saúde sobre a vacina Convidecia se deu a partir do email enviado pela Belcher em 12 de maio, viabilizando a reunião presencial em 19 de maio", disse o depoente.

O executivo da Belcher destacou, no entanto, que à época da agenda com Barros no Ministério da Saúde, a empresa já tinha assinado um "termo de confidencialidade" com a CanSino —o documento é a primeira etapa, sem vinculação formal, com o intuito de estabelecer uma relação comercial futura. Tal ato ocorreu em 6 de abril, uma semana antes da reunião.

"Conforme apresentei o cronograma para todos os senhores senadores e senadoras, no dia 6 de abril, a CanSino e a Belcher estabelecem um termo de confidencialidade; em 19 de abril, a CanSino estabelece a carta de autorização à Belcher Farmacêutica para representação legal no Brasil", disse, ao buscar destacar que não havia contrato estabelecido com o Ministério da Saúde, mas uma carta de intenções.

Calheiros questionou o depoente se o termo de confidencialidade, por si só, já não indicaria um eventual conflito de interesses em relação ao encontro organizado por Barros no Ministério da Saúde. O executivo repetiu que, em 15 de abril , a Belcher ainda não representava formalmente o laboratório chinês.

"Não era um contrato. Era um termo", rebateu.

"Com todo o respeito, excelência, não tem nenhuma contradição. Quando a gente assina uma carta de... estabelecemos um termo de confidencialidade, em nenhum momento a gente pode falar em nome da vacina, enquanto nós não recebemos a autorização. E nesta reunião sequer a gente falou uma palavra sobre a vacina. Foi uma reunião coletiva, onde tinha diversas outras empresas, não somente eu. E em nenhum momento... Eu reitero: nós não falamos nenhuma palavra sobre a vacina."

A farmacêutica Belcher tem sede em Maringá (PR), terra natal e reduto eleitoral de Barros. O deputado foi inserido formalmente na lista de investigados pelo colegiado devido a suspeitas de atuação indevida em negociações de vacinas.

Catori nega que Barros ou qualquer outra pessoa tenha agido como facilitador para a tentativa de venda da Convidecia ao governo federal.

Oferta de 60 milhões de doses

A Belcher surgiu durante a apuração da Comissão Parlamentar de Inquérito por ter sido intermediária das conversas entre a CanSino e o Ministério da Saúde para a aquisição de 60 milhões de doses da vacina Convidecia, ao custo de aproximadamente R$ 5 bilhões. O acordo acabou não sendo fechado.

Cada dose sairia a US$ 17, um dos preços mais altos oferecidos ao governo federal. Catori preferiu se manter em silêncio quando questionado quanto a Belcher lucraria com o eventual negócio.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) arquivou o pedido de uso emergencial da Convidecia no final de junho. A decisão ocorreu depois que a Belcher —junto a outro parceiro, o Instituto Vital Brazil— foi descredenciada para representar o laboratório CanSino no Brasil.

O rompimento se deu após a farmacêutica de Maringá entrar na mira da CPI sob a suspeita de estar envolvida em um esquema de superfaturamento na venda de testes rápidos de detecção de coronavírus para o governo do Distrito Federal. O Ministério Público do Distrito Federal ainda diz haver evidências de que os testes eram imprestáveis ou de baixa qualidade. A CanSino teria alegado problemas de compliance, segundo Catori.

Em relação à Convidecia, parlamentares do colegiado suspeitam que as negociações com o governo brasileiro podem ter aberto uma brecha para corrupção e tráfico de influência.

O cenário é semelhante às suspeitas da Covaxin, vacina indiana fornecida pelo laboratório Bharat Biotech, com intermediação da Precisa Medicamentos.

Nesse caso, o contrato chegou a ser assinado, em fevereiro, para a aquisição de 20 milhões de doses. No entanto, indícios de irregularidades nas tratativas para avalizar a importação do produto —que estão sob investigação tanto da CPI quanto do Ministério Público Federal— levaram o Ministério da Saúde a suspender o acordo, que custaria R$ 1,6 bilhão.

12.ago.2021 - O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, em depoimento à CPI da Covid - Pedro França/Agência Senado - Pedro França/Agência Senado
12.ago.2021 - O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, em depoimento à CPI da Covid
Imagem: Pedro França/Agência Senado

Amizade com Ricardo Barros

Barros foi citado no caso Covaxin durante o depoimento à CPI dos irmãos Luis Miranda (deputado pelo DEM-DF) e Luis Ricardo Miranda (servidor do setor de importações do Ministério da Saúde). Barros nega ter cometido irregularidades.

Segundo os irmãos, o nome de Barros foi associado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à negociação da Covaxin em um encontro no Planalto.

Para os Mirandas, o líder do governo estava por trás de um esquema que visava atropelar procedimentos burocráticos e acelerar a importação da Covaxin.

Agora, senadores oposicionistas e independentes também querem apurar se Barros teve algum envolvimento com o caso Convidecia devido à sua proximidade com parentes de integrantes da Belcher.

Um dos sócios da Belcher é Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, filho de Francisco Feio Ribeiro Filho, ex-diretor da Urbamar (Urbanização de Maringá) durante a gestão de Barros. Daniel Moleirinho também atuou na Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) durante o governo da mulher de Barros, Cida Borghetti (PP).

Catori afirmou hoje que Daniel e Francisco são "amigos de longa data" de Barros e acabou também se tornando amigo do parlamentar por meio do sócio.

Questionado sobre sua relação com o empresário e com a Belcher, Barros afirmou que é amigo de Francisco e Daniel, mas negou que tenha participado de reuniões no Ministério da Saúde para facilitar a venda da vacina para a pasta.

"Eu não facilitei, não participei. Eventualmente, se solicitado, posso ter buscado auxiliar não só a Belcher, mas todos os que me procuraram. Todas as pessoas que me procuraram para vender equipamento de proteção, para vender vacina, para vender qualquer coisa ao ministério ou para tentar uma parceria pra trazer a sua tecnologia pro Brasil", disse Ricardo Barros, em seu depoimento em 12 de agosto.

Barros comandou o Ministério da Saúde em parte do governo de Michel Temer (MDB).

Em nota de de 29 de junho, a Belcher informou que "atua regularmente no Brasil há mais de dez anos, com total atenção às diretrizes legais e regulatórias do país". A companhia também nega envolvimento em qualquer esquema ilícito e rejeita os indícios de potenciais irregularidades investigadas no âmbito da CPI.

"A Belcher não se tratava de mera intermediária da CanSino Biologics no Brasil para fins comerciais junto aos órgãos públicos. Mas, sim, uma parceira institucional e técnica legalmente necessária, responsável por assumir eventuais riscos farmacológicos e todas as obrigações legais e sanitárias relativas à vacina Convidecia no país, num intenso e continuado fluxo técnico junto à Anvisa e demais órgãos e instâncias competentes", afirma o texto.

"Por oportuno e de interesse público, não houve e não há interferência ou relação do deputado federal Ricardo Barros, de qualquer outro parlamentar, autoridade ou terceiro, com a interface institucional realizada regularmente pela Belcher junto ao Ministério da Saúde, ou qualquer órgão ou instância pública, para fins de apresentação, discussões e negociações inerentes à vacina Convidecia, produzida pelo laboratório chinês CanSino Biologics", diz outro trecho.

Conversas com Hang e Wizard para "doar vacinas"

Catori também foi questionado pelos senadores sobre sua relação com os empresários bolsonaristas Luciano Hang e Carlos Wizard. Ambos são apontados por senadores da CPI como integrantes do chamado "gabinete paralelo", que teria orientado o presidente Bolsonaro ao longo da pandemia à revelia das recomendações do Ministério da Saúde.

Em março, Catori chegou a participar de uma transmissão ao vivo com eles. Segundo o depoente, a Belcher havia sido convidada a "contribuir tecnicamente" com um grupo de empresários interessados em "doar vacinas, insumos e equipamentos ao SUS e a reforçar o Programa Nacional de Imunizações".

"O objetivo era humanitário, e, pessoalmente, sempre fui muito sensível a essas causas. Nesse período, inclusive, a Belcher estava empenhada em destinar doações ao Amazonas, que enfrentava o período mais grave da crise sanitária no Brasil", disse.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.