Rejeição e tucanos bolsonaristas: os desafios de Doria nas prévias do PSDB
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), ainda precisa convencer o próprio partido antes de disputar a vaga ao Planalto em 2022. Apesar de franco favorito às prévias de novembro, o embate com o governador gaúcho Eduardo Leite traz alguns obstáculos internos.
Se, para as eleições de 2022, o discurso como "pai da vacina" já está pronto, Doria precisa trazer outros argumentos entre os tucanos. Com o partido fragmentado, o governador paulista enfrenta resistência de diferentes grupos: dos tucanos mais ligados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aos que veem Leite como renovação.
Em entrevista no último final de semana, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que também é apontado com um dos nomes para 2022, indicou que o partido deverá ter apenas um nome contra Doria nas prévias.
Já era esperado que ele e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio deixassem a disputa em prol de algum dos dois, o que agora se mostra a favor de Leite.
A avaliação entre os tucanos é que o debate interno deve melhorar a imagem do partido nacionalmente, mas sem enfraquecer o vencedor —o que poderia acabar acontecendo com uma disputa entre vários nomes de peso.
Um partido fragmentado
A indicação de Jereissati, nome mais tradicional do PSDB fora de São Paulo, aponta para a resistência que o governador paulista tem sofrido entre lideranças de fora do estado e para o desafio que ele enfrentará internamente, mesmo sendo favorito e ter a máquina do estado a seu favor.
Doria tem focado no carimbo de "pai da vacina". Antes discreta, a alcunha tem sido usada abertamente por apoiadores em eventos tanto do PSDB como do governo. No Palácio dos Bandeirantes, fala-se que a CoronaVac pode ser o Plano Real de Doria, em referência ao carro-chefe da eleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994.
Internamente, no entanto, não é bem assim. Com o discurso articulado sobre o positivo desempenho econômico de São Paulo na pandemia, frente ao desastre nacional, a proposta de Doria para os tucanos está voltada ao "candidato viável" ou "o único que pode derrotar Bolsonaro".
A questão é que as críticas ao presidente muitas vezes não pegam bem dentro do próprio PSDB, com lideranças que não estão tão distantes de Bolsonaro quanto o paulista gostaria.
Tanto é que, em viagens ao Centro-Oeste em julho, ele subiu mais o tom contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que contra Bolsonaro, algo que não tem feito em seu estado.
Há uma ala bolsonarista dentro do PSDB, isso está claro. O que o Doria precisa fazer é convencê-los. Um caçador não caça duas presas ao mesmo tempo, ele foca em uma. Ao usar essa estratégia [criticar Bolsonaro e Lula], ele pode acabar só aumentando a sua rejeição, que já é expressiva.
Antônio Lavareda, cientista político e sociólogo
Dois momentos acenderam o alerta no Palácio dos Bandeirantes: a eleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara em fevereiro e a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Voto Impresso em agosto.
Lira, candidato bolsonarista, derrotou Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo então presidente Rodrigo Maia (sem partido-RJ) e por Doria, com votos tucanos, secretamente, apesar de o partido ter indicado apoio ao emedebista.
Na PEC, foi mais escancarado. Apesar de o PSDB também ter indicado voto contra, a maioria dos deputados tucanos votou a favor (14 x 12). Alarmado, Doria voou para Brasília no dia seguinte. Se o voto em si poderia não ter diretamente nada a ver com ele, o não-comparecimento de parte da bancada ao encontro passou uma mensagem mais clara.
Um dos dissidentes foi o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que Doria tentou expulsar do partido. A briga virou pública e dura até hoje. Aécio não esconde que, entre Bolsonaro e o paulista, estaria mais propenso ao presidente.
O cientista político Cristiano Rodrigues, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), aponta, no entanto, que o ex-governador mineiro já não tem a força que teve —dentro e fora do PSDB— e não deve conseguir mobilizar tanta oposição a Doria. Mas não se pode ignorá-lo
"O Aécio me parece um abraço de afogado. Não vejo como ele conseguiria se reerguer num futuro próximo, mas ainda é uma figura grande por causa de coisas que, avalio, nós não temos acesso. A questão é a qual discurso ele vai se transferir - ao que parece, ao Sul do país", avalia Rodrigues.
Esse tem sido o ponto de tucanos que também não são simpáticos ao presidente, mas também não endossam Doria. Eleito aos 33 anos em 2018, Leite tornou-se o governador mais novo da história do Rio Grande do Sul e, três anos depois, segue com ares de novidade.
A aposta é que ele tiraria um pouco a imagem da plumagem elitista do tucanato paulista. Leite não traria só uma nova simbologia como também expandiria as fronteiras tucanas para além de São Paulo. Desde 1989, o único candidato não paulista do PSDB foi Aécio (2014), e só ele e FHC não governaram o estado.
SP não é problema
No final de semana passado, dois ex-presidentes do PSDB de São Paulo, Pedro Tobias e Antonio Carlos Pannunzio, ligados a Geraldo Alckmin, divulgaram uma carta de apoio a Leite.
O ex-governador e Doria estão rachados desde 2018, graças ao BolsoDoria, mas piorou quando o governador trouxe o vice, Rodrigo Garcia, do DEM para o PSDB com o objetivo de lança-lo como seu sucessor.
Alckmin, que se considerava candidato natural, irritou-se e ficou resistente a disputar prévias. Agora, está de saída. Em evento no último final de semana com o ex-prefeito Gilberto Kassab, presidente do PSD, e ex-governador Márcio França (PSB), com diversas críticas a Doria, ele foi tratado como candidato.
O grupo de Doria não vê o ex-governador como ameaça e considera a vitória nacional garantida, em especial graças ao apoio em casa. Em resposta ao manifesto, depois de já ter indicado apoio em encontro com a militância, o Diretório Municipal de São Paulo oficializou o apoio ao governador em reunião na última segunda (30).
Doria também tem em sua tropa-de-choque o presidente do diretório estadual. O jovem Marco Vinholi é secretário de Desenvolvimento Econômico e conversa diariamente com prefeitos de todas as regiões, endossando o governador.
Recentemente, o paulista ganhou ainda o aceno do presidente nacional, Bruno Araújo, que participou do evento do PSDB e da posse de Rodrigo Maia como secretário de Doria, e apoio do FHC.
A política é feita de gestos. O FHC, aos 90 anos, faz o que ele quiser. Como o Doria tratorou o Alckmin, ele fez um cálculo: 'dentro dos quadros disponíveis, esse é o que reúne melhores condições'. Isso faz com que o Doria vença? Não sei, mas é simbólico.
Rodrigo Prando, cientista político do Mackenzie
Pragmatismo joga a favor; rejeição, contra
Ter melhores condições de vencer é exatamente o argumento adotado pela campanha de Doria para tentar convencer os tucanos. No PSDB, já está aceito que o ex-presidente Lula vai ao segundo turno. O foco, então, é que ele é o único a superar Bolsonaro no espaço da direita (ou centro-direta, como tem se definido).
Não à toa, o slogan adotado pela sua campanha para as prévias é "Para voltar a vencer". Esse pragmatismo, avaliam especialistas, está a favor do paulista.
"A política tem uma regra não escrita: só não pode perder. Doria, nacionalmente, tem a narrativa da vacina, da economia e de ser contraposição a Bolsonaro, apesar do passado. Então, se ele convencer que é a pessoa a chegar à Brasília, as mágoas passam", avalia Prando.
O Doria é uma figura marginal dentro do PSDB. Quando ele veio à tona, tiveram muita dificuldade de embarcar na dele -- o próprio joga com isso. Ele é e não é o PSDB, ao mesmo tempo. A seu favor, o cálculo óbvio: governador bem avaliado de um estado enorme.
Cristiano Rodrigues, cientista político da UFMG
A rejeição nacional é seu calcanhar de Aquiles. Na última pesquisa Datafolha, de julho, ele aparece em quarto lugar, com apenas 5% das intenções de voto, mas com rejeição de 37%, empatado com Lula, atrás apenas de Bolsonaro.
"A principal tarefa para o Doria hoje é diminuir essa taxa. Esse deveria ser seu objetivo primordial. Tudo que puder, deveria fazer para diminuir", afirma Lavareda. "O cálculo é simples: rejeição é teto ou ele reverte isso ou vai seguir limitado e sujeito apenas a aumento."
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