Falta de aumento e Bolsonaro aumentam desconforto da PM paulista com Doria
Para vencer as eleições de 2018, o governador João Doria (PSDB) apostou em conquistar o apoio de uma classe que se mostra cada vez mais relevante no cenário político nacional: a dos policiais militares e civis. Grudado ao slogan "BolsoDoria", o tucano prometeu que, em sua gestão, os agentes paulistas seriam os mais bem remunerados do país.
Por ora, com o impacto econômico causado pela pandemia, a promessa parece cada vez mais difícil de ser cumprida. Para coronéis e soldados da reserva da Polícia Militar de São Paulo e especialistas em Segurança Pública ouvidos pelo UOL, a irritação da categoria com mais um compromisso que pode ser desfeito acompanha a gestão do governador e, atualmente, chegou ao nível mais alto do mandato.
O desconforto dos PMs é histórico. Profissionais da Segurança Pública relatam um sentimento negativo em relação ao PSDB que remonta ao governo Mário Covas, atravessa as gestões de Geraldo Alckmin, José Serra e, agora, Doria.
A avaliação dos policiais é que a tropa se sentiu usada politicamente pelo governador durante sua campanha. Além da questão salarial, ele também chegou a prometer "os melhores advogados" aos PMs que matassem suspeitos durante ações.
Procurada pelo UOL, a gestão afirmou que "desde janeiro de 2019, João Doria mantém total sintonia e amplo diálogo com as forças de segurança do Estado, sendo o único governador da história de São Paulo a se reunir semanalmente com as cúpulas das Polícias Civil e Militar para ouvir demandas e providenciar soluções". (Leia a íntegra da nota abaixo.)
A relação direta entre o governador e os PMs também foi se desgastando ao longo do tempo por acontecimentos em que os agentes se sentiram desprestigiados. O primeiro caso mencionado pelos policiais ouvidos pela reportagem é de 2019, quando o tucano estava fazendo um discurso — transmitido pelas redes sociais — a oficiais da PM e pediu a um coronel que desligasse o celular "enquanto o governador estiver falando".
No mesmo ano, em Taubaté, no interior paulista, o governador chamou de "vagabundos" manifestantes — entre eles policiais militares — que protestavam contra ele. Outros episódios, como o afastamento das ruas de todos os PMs envolvidos na tragédia de Paraisópolis, também foram lembrados como fatos que incomodaram a classe.
Esses episódios geraram desgastes sucessivos e permanentes na relação entre Doria e a Polícia Militar. Vivemos o pior momento de relação entre o PSDB e a Polícia Militar de São Paulo."
Glauco Carvalho, coronel da reserva da PM e cientista político
Deputado federal, líder da bancada da bala na Câmara dos Deputados e capitão reformado da PM paulista, Capitão Augusto (PL) complementa. "Além de ele estar no PSDB, ele acaba não sendo uma pessoa simpática à PM. É uma rejeição de proporções que eu nunca vi na minha vida", avalia.
A postura dele e a forma de falar com os policiais fizeram com que a rejeição a ele fosse elevada ao quadrado."
Capitão Augusto, deputado federal (PL-SP)
Diretor-legislativo da Feneme (Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais) e presidente do conselho deliberativo da Defenda-PM (associação de oficiais militares de São Paulo), o coronel reformado da PM Elias Miler diz que os policiais não confiam no governador.
"Na campanha, ele prometeu que o salário [dos PMs] de São Paulo seria um dos melhores do país. Até agora, deu 5% de aumento e nós temos o 25º salário do país. Portanto, todo mundo olha para o João Doria como uma pessoa que não honra a palavra. E não só para os policiais militares, mas para toda a segurança e os servidores públicos de São Paulo", afirma o oficial aposentado.
'BolsoDoria"
Para completar a equação do desagrado, a relação entre Doria e Jair Bolsonaro (sem partido) também é relevante. A pecha de "interesseiro", dizem especialistas, aumentou quando o tucano desembarcou do apoio ao presidente e passou a antagonizar publicamente contra o mandatário. Some-se a isso a popularidade que ele tem junto aos agentes.
"O Bolsonaro conseguiu catalisar todo desconforto e uma insatisfação de PMs e de militares das últimas três décadas. Por um discurso ideológico, por um lado, ele conseguiu agradar os PMs e militares, fortalecendo sua autoestima e enaltecendo seu papel. Por outro lado, criando um inimigo comum: 'o comunismo'", afirma coronel Glauco Carvalho.
"Essa estratégia ideológica conseguiu arrebatar o coração dos PMs de tal maneira que uma parcela ponderável lhe garante um apoio quase incondicional", calcula.
São nas PMs que Bolsonaro, um presidente extremamente fragilizado politicamente, tenta apresentar a força que não tem contra os governadores, buscando demonstrar que, caso queira, conseguiria desestabilizar os estados internamente com a instrumentalização dos policiais militares."
Luiz Alexandre Souza da Costa, cientista político e
Major da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Luiz Alexandre Souza da Costa chama a atenção para o afastamento do coronel da PM, Aleksander Lacerda. "Quando vemos oficiais ativos e inativos, dos mais altos postos, na PM de São Paulo propalando discursos de sedição, é extremamente preocupante, já que essa instituição é — se não a mais — uma das mais profissionalizadas e disciplinadas do Brasil. Ou seja, se está acontecendo em São Paulo, deve-se acender a luz vermelha para todos os outros estados."
Baixo risco de insubordinação
Há possibilidade de insurgência de parte da tropa da PM contra o governador? A maioria dos especialistas entende que não.
"Particularmente, eu não acredito em insubordinação setorizada das polícias militares. A maioria dos governadores são de oposição, há fortes regulamentos militares e, entenda-se, há Código Penal Militar, há um regulamento disciplinar e de ética que rege a vida dos PMs. O desvio de conduta pode lhes custar muito caro", pondera o coronel Glauco.
Entendo ser muito pouco provável que isso vá virar uma insubordinação. A polícia também não gostava do [ex-governador] Franco Montoro, a polícia não gostava do [ex-governador] Mário Covas, a polícia não gostava do Alckmin. A PM de São Paulo tem um histórico de ser bastante disciplinada".
Rafael Alcadipani, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas)
Na mesma linha, o coronel Miler ressalta que a PM seguirá a lei. "[A PM de São Paulo] é extremamente disciplinada, ordeira e cumpre a lei paulista independente do comandante, independente do governador. Isso não quer dizer ter fidelidade ao Doria, é fidelidade à lei, à constituição e à história da própria instituição. Não tem a chance nenhuma."
Já Luiz Alexandre Souza da Costa enxerga o cenário de outra forma. "Acredito que no pior cenário isso [insubordinação da PM] possa acontecer, sim. Tanto em São Paulo quanto em outros estados. Afinal, os altos oficiais ativos e inativos estão fazendo, as baixas patentes se sentem livres para se manifestar da mesma forma", disse.
A PM paulista está aprendendo a atuar no mundo político."
Elias Miler, coronel reformado da PM
Governo diz que está em sintonia com polícias
Procurado pela reportagem para comentar as declarações sobre o relacionamento com as tropas, a gestão Doria reforçou os repasses de viaturas blindadas e novas armas e afirmou contar com um policial militar civil e um militar atuando junto à Secretaria de Segurança Pública.
Leia a íntegra da nota:
"O Governo de SP lamenta que o UOL, reconhecido nacionalmente pela sobriedade jornalística, atue como amplificador de teses bolsonaristas sem lastro na realidade. Mesmo em meio à maior crise de saúde pública dos últimos cem anos e um impacto sem precedentes nas finanças públicas, a atual gestão pagou R$ 664,6 milhões em bônus aos policiais. Desde janeiro de 2019, João Doria mantém total sintonia e amplo diálogo com as forças de segurança do Estado, sendo o único Governador da história de São Paulo a se reunir semanalmente com as cúpulas das Polícias Civil e Militar para ouvir demandas e providenciar soluções. A Segurança Pública recebeu da atual gestão 175 viaturas blindadas nunca antes usadas no estado, 10,5 mil novos policiais contratados e o recorde de 95 mil novas armas de última geração. Também de forma inédita, a pasta conta com um policial militar e um civil em sua cúpula, atuando diretamente com o Secretário de Segurança Pública, que é um General da reserva do Exército."
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