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Análise: Bolsonaro radicaliza no 7/9 e se isola por estratégia para 2022

Ana Carla Bermúdez

Colaboração para o UOL

08/09/2021 04h00

Ao desafiar explicitamente o STF (Supremo Tribunal Federal) e afirmar que não seguirá mais decisões do ministro Alexandre de Moraes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) "dobrou a aposta" e radicalizou seu discurso, ficando ainda mais isolado em prol de uma estratégia para permanecer no poder em 2022. Essa é a avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo UOL após as declarações do chefe do Executivo em atos no 7 de Setembro.

Nos atos, que aconteceram em São Paulo e Brasília, além de xingar Moraes de "canalha", o presidente fez ameaças ao presidente do Supremo, Luiz Fux. Bolsonaro afirmou que, caso Fux não "enquadre" Moraes — relator das principais investigações que correm na Justiça contra o presidente e seus apoiadores —, o STF "pode sofrer aquilo que nós não queremos".

"A situação mudou de patamar, sem dúvida nenhuma. Chegamos a um ponto irreversível da crise. Com as falas do presidente e os ataques que ele desferiu ao STF, não há como reatar relações", afirma o cientista político e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Cláudio Couto.

Para ele, ao fazer essas declarações, "Bolsonaro sabia que ia ficar isolado". Mas a "aposta" do presidente, na avaliação de Couto, é algo classificado por ele como "quarta via".

Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira: é a quarta via, que é a permanência no poder por meio da violência. Acho que, desse ponto de vista, ele fez o que pretendia fazer
Cláudio Couto, cientista político da FGV

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo também diz ver Bolsonaro isolado e lembra que, ao contrário do que se imaginava, não houve participação ativa da Polícia Militar ou de membros das Forças Armadas nas manifestações convocadas pelo presidente e seu entorno.

"Nesse sentido, me parece que os governadores ganharam uma queda de braço, o que foi muito importante e positivo para o Brasil. Mesmo que em Brasília tenha havido [na noite de segunda] uma certa facilitação para romperem barreiras e entrarem na Esplanada. Mesmo assim, não se viu militares, nada disso", afirma.

Entre os manifestantes que, de fato, foram às ruas no Sete de Setembro, ele pondera que "tinha uma parte de evangélicos, uma parte de caminhoneiros, mas não setores inteiros dizendo 'estamos com Bolsonaro'".

'Teste' da polarização nas ruas

Doutoranda em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Lilian Sendretti diz acreditar que Bolsonaro parte, agora, para uma estratégia de "inversão moral" e de polarização não com o setor da esquerda, mas com as instituições democráticas.

"Essa estratégia de inversão moral coloca as instituições democráticas, sobretudo o STF, como a causa da crise institucional e como inimigo das liberdades. É uma estratégia discursiva que inverte a lógica que havia sido construída nos atos anteriores", diz.

Para ela, Bolsonaro ainda faz uso de uma espécie de "teste" do limite dessa polarização nas ruas. "E isso não é à toa, tem a ver com uma lógica eleitoral", diz ela, citando a possibilidade de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vir a considerar o presidente inelegível para as eleições de 2022.

A hipótese, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, é discutida nos bastidores por ministros do TSE, e acontece na esteira de um inquérito administrativo instaurado em resposta a uma live realizada por Bolsonaro, em julho, em que o presidente fez acusações infundadas de que o tribunal ignorou evidências de manipulação nas urnas eletrônicas. Bolsonaro nunca apresentou provas de suas acusações.

O cerco judicial em relação a Bolsonaro está se fechando. Não só em relação a ele, mas aos bolsonaristas, e por isso essa retórica de que o STF criminaliza a liberdade de expressão. As manifestações [do Sete de Setembro] me parece que foram uma demonstração de força contra o STF enquanto um poder contramajoritário e que regula a interpretação da Constituição, mas sobretudo porque o Judiciário pode barrar a candidatura do Bolsonaro em 2022
Lilian Sendretti, pesquisadora do Cebrap

Impeachment de Bolsonaro

Couto e Melo avaliam ainda que a repercussão das falas de Bolsonaro nos atos do Sete de Setembro podem, de certa forma, trazer mudanças no que diz respeito à abertura de um processo de impeachment contra o presidente.

Mais de cem pedidos de impeachment de Bolsonaro já foram apresentados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que até o momento decidiu por não pautar nenhum deles. Além da resistência por parte de Lira, no entanto, a proximidade cada vez maior com as eleições de 2022 tende a dificultar a abertura de um processo de impeachment do presidente.

"[A abertura de um processo de impeachment] Passa a ter na quarta mais condições do que tinha na segunda. Se vai andar ou não, precisamos aguardar para ver", afirma Couto.