Depoente sai de CPI como investigado e confirma amizade com Renan Bolsonaro
Identificado pela CPI da Covid como um lobista com atuação em Brasília, o empresário Marconny Albernaz de Faria negou hoje, em depoimento ao colegiado, que tenha feito lobby para a Precisa Medicamentos em negociações com o Ministério da Saúde para compra da vacina indiana Covaxin. "Eu fiz uma viabilidade técnico-política e uma análise para a Precisa", disse ele, sem detalhar o serviço prestado. Ele também confirmou que mantém relação de amizade com um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Jair Renan Bolsonaro, e reconheceu que detém negócios com a advogada Karina Kufa, que representa o presidente.
Em seu discurso inicial, antes dos questionamentos, Marconny se disse "constrangido" por ter sua "vida exposta" em razão das investigações e, em tom indignado, declarou que "jamais foi capaz de transformar suas relações sociais em resultados econômicos milionários". As palavras do depoente geraram irritação da cúpula da comissão. O presidente, Omar Aziz (PSD-AM), criticou o que chamou de "marra".
Depois da abertura, Marconny disse não se lembrar da maioria dos assuntos que fundamentaram as indagações por parte dos senadores. Ele também se calou em pontos específicos, como negociações envolvendo empresas com as quais teria algum tipo de negócio e o seu relacionamento com Karina Kufa. O direito ao silêncio foi garantido ao depoente por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), a partir do princípio da não autoincriminação —gerar provas contra si mesmo.
No entanto, diante de algumas respostas evasivas e tidas como confusas, parte dos senadores chegou a pedir a prisão do depoente. O senador Otto Alencar (PSD-BA) falou que Marconny Faria merecia "uma pulseira".
Vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que não poderia pedir a prisão do depoente por não haver clareza sobre os "limites da decisão" da ministra Cármen Lúcia, do STF, que aceitou um habeas corpus da defesa. Para Randolfe, houve falso testemunho.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que Marconny passa da condição de testemunha para investigado pela comissão.
Amizade com Renan Bolsonaro
Durante a oitiva, Marconny foi também questionado a respeito de seu relacionamento com Jair Renan Bolsonaro, chamado pelo pai de "04". O suposto lobista reconheceu vínculo de amizade, disse que foi apresentado a ele por amigos em comum quando Jair Renan se mudou para Brasília, há dois anos, e chegou a realizar sua festa de aniversário em "um camarote de propriedade ou aluguel do filho do presidente", no Estádio Nacional Mané Garrincha, durante a pandemia.
Marconny também afirmou que ajudou Jair Renan a "criar uma empresa de influencer" e o apresentou a um colega tributarista que poderia auxiliá-lo.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que Marconny também já "operou" com o presidente Bolsonaro. Ao ler mensagens atribuídas a ações do suposto lobista de julho de 2020, o parlamentar disse que ele teria trabalhado em projeto previsto para ser apresentado ao chefe do Executivo federal.
Dois meses antes, segundo Carvalho, Marconny teria dito para Karina Kufa que entregou a Bolsonaro uma carta na porta do Palácio da Alvorada. Questionado sobre ambos os temas, Marconny preferiu ficar em silêncio.
O depoente negou diversas vezes que mantinha negócios com a advogada. Já no final da oitiva, foi confrontado com mensagens de WhatsApp que indicavam o contrário. Randolfe o ameaçou de prisão por falso testemunho e deu oportunidade para que ele consultasse o advogado e se retratasse. Marconny então assumiu que mantém os negócios, mas logo na sequência invocou seu direito ao silêncio.
Ex-mulher de Bolsonaro convocada
Durante o depoimento, a CPI aprovou a convocação de Ana Cristina Valle para que preste depoimento sobre indícios de relação dela com Marconny. O depoente disse que conheceu Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan e ex-mulher de Jair Bolsonaro, por meio do rapaz, mas negou ter negócios com ela. No entanto, os parlamentares afirmaram possuir cópias de troca de mensagens que apontam suposta atuação dela a pedido de Marconny.
"Mensagens eletrônicas extraídas de aparelho celular, em posse desta Comissão Parlamentar de Inquérito, indicam que, a pedido do lobista Marconny Faria, a senhora Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do atual presidente da República, entrou em contato com o Palácio do Planalto para exercer influência no processo de escolha do Defensor Público-Geral Federal junto ao então ministro da Secretaria Geral da Presidência e atual ministro do TCU, Jorge Oliveira", diz trecho do requerimento apresentado pelo senador Alessandro Vieira.
Questionado se Ana Cristina interveio em favor dele para mudanças ou indicações de cargos no governo federal, Marconny optou por ficar em silêncio.
Atualmente, Ana Cristina Siqueira Valle trabalha no gabinete da deputada federal Celina Leão (PP-DF), com salário bruto de R$ 8.116,08 mais auxílio de quase R$ 1 mil.
Conforme mostrado pelo UOL, Ana Cristina e Jair Renan moram em uma mansão de R$ 3,2 milhões no Lago Sul, área nobre de Brasília. De acordo com um ex-funcionário dela, o imóvel foi comprado por Ana Cristina por meio de laranjas para ocultar a aquisição. Alessandro Vieira declarou que, em princípio, ambos não têm renda compatível para morarem em um local assim.
Instituto Evandro Chagas e ministro 'prevaricador'
Marconny afirmou que, "fosse um lobista, seria um péssimo lobista". Disse que as conversas interceptadas em seu celular —enviada à CPI pelo Ministério Público no Pará, com material resultante de uma investigação local— mostrariam apenas que ele tem "ótimos amigos" em Brasília.
Na versão do suposto lobista, os indícios de irregularidades surgiram no Pará depois que ele, de acordo com o seu relato, denunciou um esquema de corrupção no Instituto Evandro Chagas, em Belém. Marconny não disse claramente se achava que havia sido vítima de algum tipo de retaliação. "No papel de denunciante, eu me tornei investigado", disse.
Randolfe Rodrigues questionou se Faria teria enviado currículos para Karina Kufa, no qual ela teria encaminhado ao presidente da República e feito a nomeação do indicado para o processo de substituição da direção do Instituto Evandro Chagas. O depoente escolheu não responder.
A partir da revelação de que a CGU teria participado das investigações relacionadas ao instituto, Omar Aziz chamou o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, de "prevaricador" por suposta omissão.
De acordo com Aziz, Rosário teria conhecimento de supostas ilegalidades praticadas pelo ex-diretor de logística da Saúde Roberto Dias desde outubro de 2020 por meio de mensagens no celular de Marconny. No entanto, não teria tomado as providências necessárias para afastá-lo do cargo ou interromper eventual esquema de corrupção.
A convocação de Wagner Rosário chegou a ser aprovada em 10 de junho e vinha sendo discutida há semanas por membros da CPI, mas ainda não tinha ganhado fôlego.
No Twitter, Wagner Rosário disse a Aziz que "calúnia é crime" e que "a autoridade antecipar atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação, também é crime". Disse ainda aguardar "ansiosamente sua convocação".
Senador não revelado
Em uma das mensagens que constam no celular do depoente há a menção de um senador da República. O parlamentar teria participado, junto a Marconny, Karina Kufa e outras pessoas, de um jantar na casa da advogada. Os senadores pressionaram para que o nome fosse revelado, porém a testemunha disse sistematicamente não se recordar.
"Isso elucida o por que contratar Marconny. Ele não conhece senador, não entende de contrato, não entende de administração pública. O Marconny é um cara que vai para o churrasco com a advogada do presidente e faz a festa num camarote do filho do presidente", ironizou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), membro da oposição.
Os senadores da CPI aprovaram requerimento que pede à Polícia Legislativa informações sobre as visitas de Marconny Faria ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados.
Diálgos com ex-Anvisa
Mensagens reveladas pela CPI no fim de agosto que chegaram à comissão por meio do Ministério Público no Pará a partir das investigações locais mostram que Marconny manteve diálogos com o ex-secretário da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) José Ricardo Santana a fim de supostamente favorecer a Precisa Medicamentos em uma compra do Ministério da Saúde para a aquisição de testes rápidos de detecção da covid-19.
O material obtido pela CPI indica que Marconny teria atuado em suposto esquema para que empresas mais bem colocadas do que a Precisa no processo fossem desclassificadas com a eventual ajuda do então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias. O contrato seria de mais de R$ 1 bilhão, segundo senadores do colegiado.
Na avaliação de Randolfe, a fraude só não foi posta em prática por causa da operação Falso Negativo, que apurou série de irregularidades na venda de testes rápidos de covid-19 de baixa qualidade ao governo do Distrito Federal.
A Precisa também é a empresa que intermediou a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde junto ao laboratório indiano Bharat Biotech. O caso é investigado pela CPI devido a indícios de irregularidades, tais como corrupção e tráfico de influência. Envolto em suspeitas, o contrato entre as partes foi cancelado durante os trabalhos da comissão.
Na oitiva de hoje, Randolfe ainda leu mensagens do celular de Marconny em que ele pede a um policial chamado Mark para verificar se o telefone de José Ricardo Santana estava grampeado. Ao ser questionado para confirmar a informação, Marconny disse que não comentaria.
Condução coercitiva
No Senado, membros da comissão cogitaram, na semana passada, pedir a prisão da testemunha em razão de sua ausência no depoimento agendado para 2 de setembro. Na ocasião, o suposto lobista apresentou um atestado médico de 20 dias, que posteriormente foi invalidado pelo próprio médico que assinou o documento.
Pressionado, Marconny colocou-se à disposição para depor hoje depois de a Justiça expedir uma ordem de condução coercitiva —ou seja, se oferecesse resistência, ele poderia ser levado à força. A estratégia da defesa foi definida a partir de uma decisão do STF, que garantiu ao empresário o direito de ficar em silêncio na CPI, porém não desobrigou o comparecimento.
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