Desinformação leva TSE a avaliar acesso inédito a dados sobre eleições
A cerca de um ano das eleições de 2022 e sob pressão da circulação de mentiras sobre as urnas eletrônicas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) avalia a adoção de medidas inéditas com a intenção de ampliar a transparência do processo eleitoral. O tribunal pretende divulgar em seu site dados que, no momento, são fornecidos apenas sob demanda, como os arquivos que permitem a recontagem de votos e os que registram as atividades nos equipamentos de votação.
O TSE já havia antecipado a data da consulta aos códigos-fonte dos softwares usados nas eleições; ampliado o escopo e a duração dos testes públicos de segurança das urnas eletrônicas; e anunciado a criação de dois órgãos dedicados à transparência das eleições, que contam com integrantes da sociedade civil e de outros órgãos públicos. O tribunal também quer ampliar o número de urnas testadas no dia da eleição.
As mudanças vêm a público num momento em que as urnas eletrônicas, usadas desde 1996 sem qualquer registro de fraudes, são assunto frequente de desinformação. Alegações falsas sobre as eleições continuam sendo disseminadas não só nas redes sociais e aplicativos de mensagem, mas em declarações públicas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O arquivo que viabiliza a recontagem dos votos um a um é o RDV (Registro Digital do Voto), uma espécie de tabela no qual são registrados todos os votos dados em uma urna eletrônica. Nesta tabela, os votos são separados por cargo e ordenados de forma aleatória, para que o sigilo do eleitor seja mantido. As informações do RDV permitem um confronto com os números do boletim de urna — o documento impresso gerado pela urna eletrônica ao fim da votação e que mostra a soma dos votos registrados naquele equipamento.
Até o momento, o RDV só pode ser consultado mediante pedido do que o TSE chama de "entidades fiscalizadoras": partidos políticos, coligações, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ministério Público, Congresso Nacional, STF, CGU (Controladoria-Geral da União), Polícia Federal, Forças Armadas, Sociedade Brasileira de Computação e faculdades de tecnologia da informação credenciadas junto ao TSE, entre outras. Várias delas passaram a integrar a fiscalização depois que o tribunal ampliou, em 2019, o rol de entidades habilitadas para a função.
Agora, o plano do TSE é deixar os RDVs disponíveis para consulta no site do tribunal, como já é feito com o boletim de urna. O tribunal também pretende fazer o mesmo com os arquivos de log das urnas eletrônicas, que funcionam como um registro de tudo o que acontece no equipamento. Assim como o RDV, os arquivos de log hoje em dia só são divulgados a pedido das entidades fiscalizadoras.
A divulgação do RDV e dos arquivos de log como padrão, e não a pedido, é uma decisão que cabe ao próprio TSE, mas ainda não foi formalizada. A intenção é de que estes dados fiquem disponíveis para consulta no site do tribunal pouco depois do primeiro turno.
Ainda há detalhes a serem definidos, como o tempo necessário para que os arquivos estejam públicos no site do tribunal.
No caso do RDV, o secretário de tecnologia da informação do TSE, Júlio Valente, estimou que os arquivos podem ficar públicos em algumas horas após o encerramento da votação.
Desinformação motivou medidas
O juiz federal Sandro Nunes Vieira, juiz auxiliar da Presidência do TSE, disse ao UOL que "a desinformação nas eleições de 2018 sem dúvida é o fato que desencadeia toda essa preocupação não só em ampliar [a transparência], mas em divulgar o que já existe".
Segundo Vieira, em 2018, o TSE estava voltado para o combate à desinformação na propaganda eleitoral, e não sobre a própria eleição.
Quando começa o período eleitoral [em 2018], há um certo espanto da Justiça Eleitoral, porque a desinformação tinha como alvo o processo eleitoral em si, e não a disputa entre os candidatos"
Sandro Nunes Vieira, juiz auxiliar da Presidência do TSE
Vieira preferiu não comentar se as medidas de transparência adotadas após 2018 têm relação com os ataques reiterados de Bolsonaro às eleições.
Na semana passada, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que Bolsonaro faz uma campanha contra as urnas eletrônicas, fazendo com que "uma minoria de eleitores" passasse a ter dúvidas sobre a segurança do processo eleitoral. "Dúvida criada artificialmente por uma máquina governamental de propaganda", disse.
Barroso também classificou os ataques de Bolsonaro às eleições como "retórica vazia", lembrando que o presidente nunca apresentou provas das fraudes que alega, e declarou que "todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história".
Barroso comparece a eleição suplementar
As mudanças na forma de consulta dos RDVs e dos arquivos de log foram anunciadas pelo secretário de tecnologia da informação do TSE, Júlio Valente, em evento no Rio, no domingo (12), voltado para veículos de imprensa que mantêm iniciativas de checagem de fatos e combate à desinformação, como o UOL Confere. Também participaram representantes do AFP Checamos, Aos Fatos e Lupa.
Além do encontro com os checadores, o mesmo domingo no Rio teve outro exemplo da preocupação do TSE com a divulgação de detalhes do processo eleitoral: a presença de Barroso e do corregedor-geral da corte, ministro Luis Felipe Salomão, na auditoria das eleições suplementares de duas cidades do interior do estado do Rio, Silva Jardim e Santa Maria Madalena — cujos eleitorados estão na casa de 20 mil e 9 mil eleitores, respectivamente, segundo dados da Justiça Eleitoral.
Pela primeira vez no estado do Rio, o teste de integridade das eleições foi transmitido ao vivo pelo YouTube. Com duração de mais de seis horas, o procedimento é uma das etapas de auditoria do processo eleitoral e tem como objetivo atestar, por meio de uma votação simulada, que os votos digitados na urna eletrônica são fielmente computados.
O resultado do teste foi anunciado pelo próprio Barroso em entrevista coletiva na sede do TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro). O TSE também pretende triplicar, para as eleições do ano que vem, o número de urnas eletrônicas que passam pelo teste de integridade, informou a colunista do UOL Carolina Brígido em agosto.
"As instituições públicas devem ser responsivas e aumentamos a interlocução para demonstrar a transparência, segurança e auditabilidade do sistema", disse Barroso no Rio.
Inspeção de códigos foi antecipada
O TSE já havia antecipado a data de inspeção dos códigos-fonte dos softwares que serão usados nas eleições de 2022 para um ano antes do pleito, no próximo dia 4. Em geral, o procedimento ocorre com antecedência de seis meses. A inspeção pode ser acompanhada pelas entidades fiscalizadoras das eleições.
Em maio, a colunista do UOL Carolina Brígido noticiou que, nas últimas três eleições, nenhum partido político enviou representantes para a fiscalização dos sistemas usados nas votações.
"Alguém poderia achar que é desinteresse, mas é porque têm total confiança no sistema. A Justiça Eleitoral está insistindo, sobretudo nas eleições do ano que vem, que os partidos não deixem de comparecer para atestar de corpo presente e, enfim, acompanhando todo o processo, que ele é absolutamente íntegro", declarou Barroso no domingo.
O tribunal também anunciou em agosto que o teste público de segurança do voto eletrônico, feito sempre no ano anterior a eleições, será aberto a mais investigadores (sai do máximo de 50 para até 75), terá mais sistemas disponíveis para auditagem e poderá ser estendido de cinco para seis dias. Nos testes, especialistas em tecnologia tentam violar a segurança da urna eletrônica. O objetivo é detectar e sanar vulnerabilidades a tempo das eleições.
Na semana passada, o TSE instituiu a CTE (Comissão de Transparência das Eleições), que tem entre seus objetivos "ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições" e "aumentar a participação de especialistas, entidades da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral", segundo a portaria que cria o órgão.
A CTE é formada por representantes do Congresso Nacional, TCU (Tribunal de Contas da União), Forças Armadas, OAB, Polícia Federal e Ministério Público, além de especialistas em tecnologia da informação e representantes da sociedade civil. A primeira reunião da comissão foi feita anteontem (13).
Os trabalhos da comissão serão acompanhados pelo OTE (Observatório de Transparência das Eleições), cuja composição ainda não foi anunciada. O TSE informou ter enviado convites para partidos políticos e "diversas associações e entidades da sociedade civil que já são parceiras do Tribunal Superior Eleitoral", e que "organizações e instituições públicas e privadas com notória atuação nas áreas de tecnologia, direitos humanos, democracia e ciência política poderão ser admitidas a participar do Observatório".
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