Ministro da CGU nega prevaricação, confronta CPI e passa a ser investigado
Em depoimento repleto de atritos com senadores na CPI da Covid, o ministro-chefe da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, rejeitou hoje a acusação de que teria cometido crime de prevaricação em relação à Precisa Medicamentos —empresa que manteve negociações com o Ministério da Saúde durante a pandemia.
O depoente também voltou a dizer que não foram identificadas irregularidades no processo de tentativa de compra da vacina indiana Covaxin, produzida pelo laboratório Bharat Biotech e intermediada pela Precisa. A mesma versão já havia sido emitida pelo órgão depois de uma investigação interna, em julho, mês em que foi publicada uma nota técnica.
Ao longo do depoimento, o ministro confrontou senadores, que também estavam com os ânimos exaltados. Por volta das 16h20, Rosário disse que a senadora Simone Tebet (MDB-MS) estava "descontrolada". Não houve, porém, "descontrole" da parlamentar. Senadores de oposição e independentes criticaram o ministro por machismo. Houve tumulto e a reunião da CPI acabou sendo, inicialmente, suspensa, para então ser encerrada.
A cúpula da CPI afirmou que Rosário passará da condição de testemunha para investigado.
Ministro nega superfaturamento em caso Covaxin
Segundo o ministro, não houve superfaturamento na compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro.
Rosário havia sido chamado pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), de prevaricador —quando um servidor público deixa de tomar iniciativas e se omite diante de um fato delituoso. A acusação foi feita após relato do lobista Marconny Albernaz de Faria, suspeito de atuar junto a dirigentes do Ministério da Saúde para favorecer a Precisa.
À CPI, Marconny —que está na lista formal de investigados pelo colegiado— afirmou que mensagens interceptadas a partir da apreensão de seu aparelho celular haviam sido repassadas à CGU em outubro do ano passado. Os diálogos contêm informações de suposto conluio entre o lobista e outros dois personagens na mira da comissão: o ex-servidor da Anvisa José Ricardo Santana e o ex-diretor do departamento de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias.
Segundo Rosário, foram realizadas duas etapas da operação que resultou na apreensão do celular de Marconny, sendo a primeira deflagrada em fevereiro de 2020, no Pará. O ministro afirmou que a análise do material e das circunstâncias que envolvem as ações levariam meses para conclusão. Disse ainda que os dados não ficariam em posse da CGU, e sim da autoridade policial.
"Esse trabalho, por óbvio, leva um tempo para ser concluído e, neste caso, durou cerca de cinco meses. Vale ressaltar também que, quando realizamos medidas de busca e apreensão, os materiais não ficam diretamente com a CGU, eles ficam de posse da autoridade policial, e, posteriormente, escalamos servidores, muitas das vezes diferentes daqueles que foram fazer a busca, para a realização efetiva da análise."
"É importante lembrar que todos os fatos relatados até o presente momento foram tratados no âmbito das duas operações ocorridas lá no estado do Pará. É importante ressaltar também, por óbvio, que este ministro não participa e nem participou de mandados de busca e apreensão, nem da análise desses materiais, devido ao cargo que ocupa atualmente, e nem sequer teve acesso a essas informações, o que também é indiferente no caso em questão."
Os diálogos obtidos pela CPI sinalizam suspeitas de que Faria teria articulado com dirigentes do Ministério da Saúde, entre os quais o ex-diretor de logística Roberto Dias, para desclassificar concorrentes da Precisa no processo para a aquisição de testes rápidos contra a covid-19.
O material surgiu durante apuração do Ministério Público do Pará a partir da apreensão do celular de Marconny. Posteriormente, o MP teria então encaminhado o material para a CGU, segundo afirmam parlamentares.
Aziz e o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmaram que, se Wagner Rosário não sabia das possíveis irregularidades, como negou saber, mas a CGU, sim, alguma outra pessoa "prevaricou". O ministro reforçou que apurações estão em andamento e que só teve conhecimento de possíveis irregularidades de Precisa no caso Covaxin no final de junho deste ano pela imprensa.
No depoimento, ao ser questionado pelos senadores sobre o indício de corrupção, Rosário rebateu se a irregularidade chegou a acontecer. Para ele, não houve superfaturamento, porque o contrato não foi executado e não houve pagamento —embora o montante estivesse reservado para esse fim. A postura irritou parte dos senadores da CPI, que avaliaram que o ministro estava desrespeitando a comissão.
Wagner Rosário também disse que a CGU usou o site da Precisa para obter uma referência do preço da vacina Covaxin "visto que não existe uma outra forma de se obter esses preços". O relator Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que teria "sido melhor que a CGU se abstivesse de opinar".
"O parâmetro que ela utilizou foi o site da Precisa. Para uma CGU, é uma coisa absolutamente ridícula, covarde utilizar, como parâmetro de preço exatamente da aquisição da vacina mais cara, superfaturada, cheia de irregularidade, de documentos falsificados, o site da empresa, quanto mais feitora de atos ilegais e corrupção no Ministério da Saúde, com a garantia de um banco que também não é banco, é fictício, o FIB Bank, mas também muito próximo a Ricardo Barros, como é a Precisa, como é a Belcher, como é o Roberto Ferreira Dias", acrescentou.
Na oitiva, os senadores indagaram o ministro o motivo pelo qual a CGU não recomendou a suspensão de contratos com suspeitas. Rosário então questionava se os parlamentares tinham documentos que mostrassem que ele mandou dar andamento aos processos.
Questionado se a CGU investigou ou tomou ações para coibir possíveis irregularidades perante então agentes públicos, como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o ex-secretário-executivo Élcio Franco ou o próprio Roberto Dias, Rosário respondeu que não, porque o órgão não realiza relatórios em relação a pessoas físicas, mas, a fatos e processos.
Ele disse que a CGU não recomendou a demissão de Roberto Dias nem tinha motivos para tanto, por exemplo.
'Petulante' e acusação de machismo
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quiseram aproveitar a presença de Rosário para divulgar e explicar repasses de verbas federais a estados e municípios durante a pandemia da covid-19.
Essa tem sido uma das principais estratégias da bancada governista com o objetivo de defender os interesses do Planalto: minimizar eventuais erros de gestão ao longo da crise sanitária e dedicar mais atenção às responsabilidades de governadores e prefeitos. No entanto, em diversos questionamentos, nem mesmo Rosário soube responder a todos os questionamentos sobre eventuais irregularidades locais.
Em diversos momentos, senadores de oposição e independentes entraram em conflito com o ministro. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) chegou a dizer "baixe a bola" e a ficar com o dedo em riste ao se direcionar a Wagner Rosário.
"O senhor respeite esta Casa, por favor. Baixe a bola."
Fora do microfone, mas de forma audível, Aziz chamou Rosário de "petulante pra caralho". A fala aconteceu após uma resposta do ministro sobre a data da solicitação da CGU para o compartilhamento das informações apuradas pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal sobre suspeitas de irregularidades em contrato com a Covaxin.
"Não sei se o senhor já participou de alguma investigação, mas você não passa um scanner na hora da busca e apreensão e saem os dados aparecendo, não. Tem que ter análise, tem que levar tempo", disse Wagner Rosário após ser questionado por Aziz sobre a solicitação.
Então, o senador Otto Alencar (PSD-BA) chamou o ministro de "petulante", e foi seguido por Aziz. "Petulante pra caralho", disse.
Ao longo do depoimento, senadores governistas reclamaram que Renan estaria monopolizando as perguntas e pediram que o ministro seja reconvocado para falar à comissão.
O tumulto teve ápice quando Rosário afirmou que a senadora Simone Tebet estava "descontrolada". Ele havia sido duramente questionado pela senadora sobre a atuação da CGU ao longo das negociações da Precisa Medicamentos com o Ministério da Saúde.
Simone apontou que a imprensa apontou eventuais irregularidades antes da CGU e disse parabenizar o "trabalho da CGU, mas não o trabalho do ministro". Isso porque, a seu ver, Rosário não deveria ter defendido em coletiva um "contrato irregular que está em processo de investigação pela própria CGU".
A senadora também disse que o episódio lhe lembrou que "já tivemos um procurador-geral da República engavetador e agora temos um controlador-geral da União que passa pano, deixa as coisas acontecerem."
Ao falar após a senadora, Rosário "recomendou" que Simone "lesse tudo de novo", porque as informações dadas pela senadora estariam incorretas, avaliou. Eles então passaram a bater boca. Fora do foco da câmera da TV Senado, houve senador que chamou Rosário de "moleque".
A tensão no plenário da CPI continuou a subir. Simone disse que Rosário estava "se comportando como um menino mimado". Em resposta, ele disse que a senadora estava "descontrolada".
"Não me chame de menino mimado, eu não lhe agredi. A senhora está totalmente descontrolada."
Após mais bate-boca generalizado, a reunião da CPI acabou suspensa e, minutos depois, encerrada.
Repasses a estados e municípios
O requerimento de convocação do ministro Wagner Rosário foi aprovado pela comissão em junho. O autor do pedido é Eduardo Girão (Podemos-CE), senador que se declara independente, mas é tido nos bastidores como aliado do governo na CPI.
Os planos do parlamentar, no entanto, nada têm a ver com o foco da abordagem defendida por Aziz e outros membros da oposição. A ideia, de acordo com o requerimento original, era que ministro falasse a respeito das operações da Polícia Federal que identificaram suspeitas de corrupção em estados e municípios com verbas destinadas ao combate à pandemia.
Ministro defende autonomia médica
O ministro da CGU defendeu a autonomia médica de prescrever o medicamento que achar mais conveniente aos pacientes com covid-19, como a cloroquina. O tema tem sido um dos focos da CPI da Covid diante da defesa ferrenha do presidente Bolsonaro de remédios contra o novo coronavírus, embora não haja comprovação de que funcionem. Há, inclusive, risco se usados indevidamente.
Renan questionou o ministro sobre o aumento de produção de cloroquina determinada pelo governo federal ao laboratório farmacêutico do Exército.
Na avaliação de Rosário, não havia como a CGU interferir na atuação dos médicos nem ser contra um remédio que a população quisesse usar. Ele negou ter participado do desenvolvimento e da divulgação do aplicativo TrateCov, que estimulou o uso de cloroquina.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.