Topo

Além de apontar culpados, CPI deve levar a desdobramento do caso Prevent

28.set.2021 - Fachada de prédio da Prevent Senior na região do Paraíso, na zona sul de São Paulo - Bruno Rocha/Enquadrar/Estadão Conteúdo
28.set.2021 - Fachada de prédio da Prevent Senior na região do Paraíso, na zona sul de São Paulo Imagem: Bruno Rocha/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Luciana Amaral, Hanrrikson de Andrade e Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

06/10/2021 04h00Atualizada em 06/10/2021 13h16

O texto final da CPI da Covid, cada vez mais perto de ser apresentado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), deve impulsionar desdobramentos em relação ao caso da operadora de saúde Prevent Senior.

A empresa é suspeita de cometer uma série de crimes durante a pandemia, entre os quais forçar médicos a prescreverem remédios do chamado "kit covid" para pacientes sem o consentimento destes. Isso teria ocorrido em suposto alinhamento ideológico com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), entusiasta da cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

O objetivo do relator da CPI é formalizar a leitura do texto final até 20 de outubro. É provável que senadores peçam vista —mais tempo para leitura e análise—, o que deve atrasar a votação em ao menos uma semana, de acordo com o rito usual de comissões do Senado.

Dessa forma, uma possibilidade é que a votação do relatório ocorra na última semana de outubro. O documento deve propor ao MPF (Ministério Público Federal) o indiciamento de dezenas de investigados e o aprofundamento de apurações (veja a lista mais abaixo).

MP e Alesp

O avanço da investigação no caso da Prevent Senior já tem mobilizado outros órgãos, como o Ministério Público de São Paulo e a Assembleia Legislativa do Estado.

A tendência é que o relatório final da CPI do Senado seja um fio condutor para o aprofundamento de eventuais investigações no âmbito local. Órgãos de atenção ao consumidor e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) também avaliam a conduta da Prevent.

O MP de SP criou uma força-tarefa para verificar e aprofundar o teor das denúncias que pesam contra a operadora de saúde, tanto de médicos e/ou ex-médicos ligados à empresa quanto de clientes que se sentiram prejudicados. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, determinou "atenção total" à investigação do caso. Em 27 de setembro, a força-tarefa foi ampliada por decisão do comando do MP paulista.

Já na Alesp (Assembleia Legislativa de SP), uma CPI foi instalada para apurar os possíveis crimes da Prevent e deve seguir dinâmica semelhante à da comissão no Senado, com depoimentos semanais e produção de provas e evidências a partir da coleta de documentos e materiais obtidos após aprovação de requerimentos.

Em conversa com a coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o autor do pedido de CPI na Alesp, Paulo Fiorilo (PT), afirmou que o colegiado local ocupará justamente o "espaço deixado" pela comissão do Senado.

"Essa CPI vai acabar ocupando o espaço que o Senado deixa em função do prazo exíguo para entregar o relatório", disse. "Temos que esgotar, de forma rápida e eficiente, todos os caminhos que estão postos para apurar as irregularidades."

Investigação e relatório

A CPI da Covid, no Senado Federal, não tem prerrogativa constitucional para punir ninguém. Segundo a Constituição Federal, a comissão tem "poderes de investigações próprios das autoridades judiciais" para "apuração de fato determinado e por prazo certo".

Ou seja, na prática, o colegiado tem 90 dias (prorrogáveis por mais 90) para conduzir um inquérito, com interrogatórios, análise de documentos e outras diligências.

Ao fim das oitivas, é produzido um relatório contendo a conclusão do relator, que será lido no plenário da comissão. Para ser aprovado, deverá receber o apoio da maioria dos membros, ou seis votos.

A CPI da Covid é composta por 11 membros titulares —com direito a voto—, sendo sete de oposição ao governo de Jair Bolsonaro ou independentes. Quatro fazem parte da base governista.

Papel do Ministério Público

Cabe ao Ministério Público promover a "responsabilidade civil ou criminal dos infratores". Posteriormente, se houver oferecimento de uma denúncia, os fatos serão analisados pela instância da Justiça de acordo com as pessoas que supostamente praticaram crimes.

Caso um investigado tenha foro privilegiado em âmbito federal, situação que inclui o presidente da República, por exemplo, o foro proporcional é o STF (Supremo Tribunal Federal).

Agora, caso o Ministério Público chegue à conclusão de que, apesar do trabalho da CPI, não há elementos mínimos que justifiquem o processo criminal, não há o oferecimento de denúncia.

Oficialmente, a CPI da Covid tem como prazo final 5 de novembro. - Pedro França/Agência Senado - Pedro França/Agência Senado
Oficialmente, a CPI da Covid tem como prazo final 5 de novembro.
Imagem: Pedro França/Agência Senado

O advogado João Paulo Martinelli, especialista em Direito Penal e professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais), explica que uma CPI tem a função de levantar informações, e não de fazer juízo de valor sobre culpa ou condenar. Como exemplo, diz que o relatório é semelhante ao que um delegado de polícia faz na conclusão de um inquérito.

Senadores governistas reclamam ao longo dos trabalhos da CPI que a ala oposicionista na comissão já faz pré-julgamentos e está determinada a culpar o governo federal por eventuais irregularidades que não seriam nem erros nem crimes, na avaliação deles.

Os investigados

Até agora, a lista de investigados pela CPI da Covid chega a 36 pessoas, incluindo três atuais ministros do governo Jair Bolsonaro: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União).

Também constam na relação o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), o deputado federal bolsonarista Osmar Terra (MDB-RS), e uma série de integrantes e ex-integrantes do governo (veja lista mais abaixo).

Bolsonaro pode ser punido?

Se Bolsonaro for incluído no relatório da CPI da Covid como responsável, por ação ou omissão, pelos erros cometidos durante a pandemia, há dois cenários possíveis:

  • PGR (Procuradoria-geral da República) - Caso o colegiado conclua que o presidente da República cometeu crimes comuns, caberá à PGR abrir uma eventual investigação a respeito dos fatos apontados no relatório;
  • Congresso - Caso o colegiado entenda que houve crime de responsabilidade por parte de Bolsonaro, o relator deverá encaminhar ao Congresso Nacional uma sugestão de dar aval à abertura de processo de impeachment. O pleito, no entanto, é analisado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A decisão é monocrática e cabe somente ao deputado.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que a comissão deve entregar o relatório a Lira.

O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já afirmou publicamente que o relatório deve propor o indiciamento de pessoas envolvidas nas investigações pelos crimes de charlatanismo, curandeirismo, exercício ilegal de medicina e divulgação de propaganda enganosa, por exemplo. Renan, porém, ainda não cravou quais crimes seu parecer apontará.

Em reunião com a cúpula da CPI da Covid, em agosto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que fará uma análise independente do relatório a ser apresentado. Caso Aras não analise o documento dentro de 30 dias —prazo legal para o trabalho segundo Randolfe—, a cúpula estuda entrar com uma ação contra ele no STF.

Presidente Jair Bolsonaro conversa com procurador-geral da República, Augusto Aras, no Palácio do Planalto - Reprodução - Reprodução
Presidente Jair Bolsonaro conversa com procurador-geral da República, Augusto Aras, no Palácio do Planalto
Imagem: Reprodução

Bolsonaro nega irregularidades e omissões durante a gestão da crise sanitária. Em diversas ocasiões ele declarou que considera que a CPI tem motivações políticas.

Menções e projeto de lei

Além das sugestões de indiciamento, o relator tem a possibilidade de fazer menções em seu texto conclusivo, que não geram efeito prático, mas simbólico.

No caso da CPI da Covid, por exemplo, é natural que o texto final seja visto posteriormente como um documento histórico, dadas as circunstâncias do objeto de investigação: uma pandemia.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) recomendou, por exemplo, que Calheiros inclua o próprio colega Luis Carlos Heinze (PP-RS) no relatório, citando-o como um dos grandes "propagadores" de fake news ao longo dos trabalhos do colegiado.

O parlamentar gaúcho, defensor de medicamentos como hidroxicloroquina e outros sem eficácia comprovada no tratamento da doença, tem defendido o seu ponto de vista em todos os interrogatórios, e rejeita as acusações dos colegas.

O relator também pode, ao final do processo, sugerir a elaboração de um projeto de lei com o intuito de promover mudanças em relação a normas e procedimentos referentes ao que foi apurado pelo colegiado. A recomendação pode ou não ser acatada pelos demais senadores.

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros - Pedro França/Agência Senado - Pedro França/Agência Senado
O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros
Imagem: Pedro França/Agência Senado

Compartilhamento de provas

Informações, evidências, provas, depoimentos e materiais obtidos durante as diligências podem ajudar a embasar uma eventual denúncia oferecida pelo MP —o que daria início ao devido processo legal.

Há ainda jurisprudência no STF que permite que as informações contidas no relatório de uma CPI possam ser utilizadas por outros órgãos de apuração e/ou execução, tanto na esfera criminal quanto na cível. É o caso, por exemplo, de um eventual inquérito da Polícia Federal que proponha o aprofundamento de um ponto específico da investigação conduzida pela CPI.

Conselhos de ética

O relator de uma CPI não tem prerrogativa para, por iniciativa natural do posto, proceder com pedidos de cassação de cargos. Mas o documento também pode incluir uma sugestão a ser encaminhada para conselhos de ética e/ou órgãos competentes.

Para o advogado João Paulo Martinelli, servidores públicos que aparecerem no relatório da CPI por supostamente terem praticado uma ação ou omissão que causou dano podem ser processados administrativamente e perder o cargo.

O especialista ainda cita, por exemplo, que um parente de vítima da covid-19 que chegar à conclusão de que houve responsáveis pela morte pode abrir um processo por danos morais.

Consequências políticas

Além da possibilidade de consequências judiciais, a CPI da Covid provoca para o governo uma série de desgastes políticos, em especial no que diz respeito às pretensões de Bolsonaro concorrer à reeleição em 2022.

Além dos danos causados pela CPI —que investiga suposto esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde, irregularidades em processos para compra de vacinas e outros fatos—, a imagem de Bolsonaro é impactada pela alta na inflação, escalada no preço dos combustíveis e pelos níveis de desemprego no país.

Lista de investigados pela CPI até o momento

  • Marcelo Queiroga, ministro da Saúde;
  • Onyx Lorenzoni, ministro do Trabalho e Previdência;
  • Wagner Rosário, ministro da CGU (Controladoria-Geral da União);
  • Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde;
  • Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores;
  • Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência;
  • Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde;
  • Ricardo Barros, líder do governo na Câmara;
  • Osmar Terra, deputado federal;
  • Arthur Weintraub, ex-assessor especial da Presidência da República;
  • Carlos Wizard, empresário;
  • Luciano Hang, empresário;
  • Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos;
  • Emanuela Medrades, diretora da Precisa Medicamentos;
  • Danilo Trento, diretor da Precisa Medicamentos;
  • Túlio Belchior Mano da Silveira, advogado que atuou para a Precisa Medicamentos;
  • Marcelo Bento Pires, coronel da reserva e ex-diretor de Programa do Ministério da Saúde;
  • Mayra Pinheiro, secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde;
  • Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde;
  • Regina Célia Silva Oliveira, fiscal de contratos no Ministério da Saúde;
  • Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde;
  • José Alves Filho, sócio do laboratório Vitamedic Indústria Farmacêutica;
  • Emanuel Catori, sócio da farmacêutica Belcher;
  • José Ricardo Santana, ex-secretário da Anvisa;
  • Hélcio Bruno de Almeida, tenente-coronel da reserva;
  • Luciano Dias Azevedo, tenente-médico da Marinha;
  • Cristiano Carvalho, representante da Davati Medical Supply;
  • Luiz Paulo Dominghetti; policial militar e lobista da Davati Medical Supply;
  • Marcellus Campelo, ex-secretário de Saúde do Amazonas;
  • Nise Yamaguchi, médica;
  • Paolo Zanotto, virologista;
  • Marconny Albernaz de Faria, empresário e suposto lobista;
  • Pedro Benedito Batista Junior, diretor-executivo da Prevent Senior;
  • Otávio Fakhoury, empresário suspeito de propagar fake news;
  • Allan dos Santos, blogueiro suspeito de propagar fake news;
  • Marcos Tolentino, dono da Rede Brasil de Televisão e apontado como sócio oculto do FIB Bank.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.