Topo

Pressão de cacique leva CPI a culpar AM, mas maioria dos estados é poupada

Os caciques do MDB Eduardo Braga (AM) e Renan Calheiros (AL) em conversa na CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado
Os caciques do MDB Eduardo Braga (AM) e Renan Calheiros (AL) em conversa na CPI da Covid Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

29/10/2021 04h00Atualizada em 29/10/2021 11h06

Após pressão de um dos principais caciques do Senado, a CPI da Covid acabou pedindo o indiciamento de políticos do Amazonas. A decisão, tomada de última hora, ajudou na aprovação do relatório final, por 7 votos a 4. Mas, ao término dos seis meses de trabalho, a maior parte dos governos estaduais acabou poupada de investigação pela comissão.

Líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM) condicionou seu voto à inclusão do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e do ex-secretário de Saúde do estado Marcellus José Barroso Campêlo entre os alvos da CPI.

Criada em abril por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal), a CPI tinha duas prioridades: a gestão do governo Jair Bolsonaro no combate da pandemia e o uso de verbas federais repassadas a estados e municípios. Decisão da própria Corte dois meses depois, porém, proibiu o colegiado de investigar a aplicação do dinheiro pelos governantes locais.

No relatório final aprovado na última terça-feira (26), a CPI não detalha suspeitas de corrupção em estados, cita que deve "respeitar as competências de outros entes federativos" e que "não pode interferir em competências dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios".

Convocados, governadores acabaram não depondo

Em maio, a CPI aprovou a convocação de nove governadores, um ex-governador e uma vice-governadora para prestarem depoimento. Somente Wilson Witzel, ex-governador cassado do Rio de Janeiro, acabou indo ao Senado, mas deixou o local após ser questionado sobre possível superfaturamento na compra de respiradores.

O governador do Amazonas, Wilson Lima, chegou a ter o depoimento marcado. Porém, conseguiu um habeas corpus no STF para não ter que comparecer. Um dos argumentos da ministra Rosa Weber para a concessão do recurso foi que governadores já investigados pela Justiça têm o direito de não se autoincriminar e, por isso, poderiam faltar, se quisessem.

Havia discussões também se a convocação de um governador pelo Congresso não interferiria na separação dos Poderes. O entendimento do Supremo para o caso de Wilson Lima acabou servindo para os demais governadores, que não foram à CPI.

Senadores governistas, minoria na comissão, queriam chamá-los na tentativa de desviar o foco das investigações do governo federal e acusaram os colegas de oposição a Bolsonaro de tentar blindar governadores por interesses pessoais. Renan e o Jader Barbalho (MDB-PA), também membro da CPI, são pais dos governadores de Alagoas e do Pará, respectivamente.

Amazonas só entrou no relatório no dia de votação

A CPI chegou a ouvir Campêlo, ex-secretário da Saúde, e o deputado estadual do Amazonas Fausto Vieira dos Santos Junior (MDB), relator da CPI realizada pela Assembleia do estado, para tratar da falta de oxigênio em hospitais ocorrida em janeiro deste ano e da suspeita do estímulo ao uso de cloroquina e outros medicamentos ineficazes contra a covid-19.

No entanto, para parte dos senadores, a crise no estado só ganhou a atenção da CPI em razão da suspeita de negligência e erros cometidos por integrantes do governo federal, como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina".

Há parlamentares que relacionam ainda o foco apenas no Amazonas a interesses políticos de Eduardo Braga e pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD), também eleito pelo estado, visando as eleições de 2022.

O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo foi ouvido pelos senadores da CPI - Marcos Oliveira/Agência Senado - Marcos Oliveira/Agência Senado
O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo foi ouvido pelos senadores da CPI
Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

Braga chegou a apresentar um relatório próprio focado no Amazonas como espécie de alternativa ao de Renan, afirmando que a então versão do texto do relator era "inaceitável", e reclamou que a crise no estado havia sido tratada de "forma superficial e sem punições a responsáveis". Após acordo horas antes da votação, parte do texto de Braga foi utilizada para complementar o relatório final do colega emedebista.

Os pedidos de Braga foram aceitos para não dividir votos e não colocar em risco a aprovação do relatório. Até a véspera da votação do texto, o impasse permanecia.

Citação ao DF

O governo do Distrito Federal acabou sendo citado no relatório final da CPI em razão da suspeita de sobrepreço na venda de testes rápidos de covid-19 pela Precisa Medicamentos —empresa que intermediou as negociações para a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde, cancelada após o surgimento de denúncias de irregularidades.

O relatório final da CPI diz ser "no mínimo curioso que o ministério tenha fechado um contrato bilionário com a Precisa", uma vez que a empresa "já havia cometido irregularidades na contratação de testes IgG e IgM com o governo do Distrito Federal".

O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), elaborou um parecer de 347 páginas em que aponta um esquema de corrupção na capital federal. O tucano é adversário político do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Hospitais federais no Rio de Janeiro

Outro capítulo da CPI, as denúncias de supostas irregularidades em hospitais federais do Rio —levadas ao colegiado por Witzel— deram origem a uma linha específica de investigação. Witzel disse ao colegiado que as unidades de saúde tinham "dono".

"Os hospitais federais são intocáveis, ninguém mexe ali. Tem um dono, e esta CPI pode descobrir quem é o dono daqueles hospitais federais", disse, em audiência em junho marcada por discussões e troca de acusações entre o depoente e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Segundo Witzel, havia um esquema de corrupção nos hospitais federais baseado em relações indiretas entre organizações sociais (OSs), fornecedores, prestadores de serviços, gestores da superintendência do Ministério da Saúde no Rio e a administração dos hospitais federais, além de agentes políticos que praticavam atos ilícitos.

Durante o interrogatório, Witzel se recusou a falar quem seria o "dono" dos hospitais federais fluminenses. Nos bastidores, porém, o ex-governador teria mencionado Flávio Bolsonaro. Posteriormente, ele foi processado pelo congressista e, na Justiça, alegou que não havia feito menção ao filho do presidente.

O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel em depoimento à CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel ao depor à CPI da Covid
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Witzel disse que se sentia ameaçado em razão da gravidade das informações que pretendia revelar à CPI e pediu uma audiência secreta com os parlamentares. A oitiva acabou não sendo realizada.

Coube ao senador Humberto Costa (PT-PE) conduzir o trabalho pontual de investigação, com o intuito de checar a veracidade das informações repassadas pelo ex-governador e outros elementos obtidos pela comissão.

Na última audiência da CPI, Costa afirmou que a apuração sobre o caso ainda não encontrou "evidências", mas que há muitos "indícios" de irregularidades, "inclusive da presença de milícias atuando e prestando serviços" nas unidades de saúde.

Senadora analisou documentos por conta própria

A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) decidiu analisar os documentos ligados ao seu estado, Mato Grosso do Sul, que chegaram à CPI por conta própria. Depois, escreveu um parecer voltado a ações e possíveis erros na condução da pandemia no estado.

Ela afirmou que todos os indícios de irregularidades encontrados serão encaminhados aos órgãos de controle competentes.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.