CPMI das Fake News projeta 'carona' em CPI da Covid e deve mirar eleições
Parada desde o início da pandemia, a CPMI das Fake News deve voltar a funcionar após o recesso parlamentar, em fevereiro de 2022, impulsionada por informações compartilhadas pela CPI da Covid. Um dos focos do colegiado deve ser o enfrentamento à produção e disseminação de notícias falsas ao longo das eleições do ano que vem, segundo informou o presidente da comissão, senador Angelo Coronel (PSD-BA).
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, que conta com a participação de senadores e deputados federais, foi instalada em 4 de setembro de 2019, mas está suspensa desde 20 de março de 2020. Na época, a maioria das atividades no Congresso foi congelada para não promover aglomerações devido à crise sanitária provocada pela covid-19.
As comissões têm voltado a funcionar com a adoção de medidas de prevenção, mas, até o momento, a CPMI das Fake News segue parada, embora ainda tenha 207 dias de funcionamento a serem utilizados, de acordo com Angelo Coronel.
O senador disse já ter conversado com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a retomada da CPMI e, em princípio, está acertado retomá-la em fevereiro.
A CPMI poderá se utilizar de informações relacionadas às fake news já colhidas pela CPI da Covid, se for vontade da maioria do colegiado. Inclusive, profissionais da CPMI chegaram a trabalhar com a comissão que terminou em outubro.
"Temos que nos ater ao que é fake news. [...] O que tiver esse entrelaçamento com a CPI da Covid evidente que vamos aproveitar."
Relatório da CPI da Covid
Aprovado em 26 de outubro, o texto do relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), sugere ao Ministério Público o indiciamento por fake news (incitação ao crime) de 26 pessoas, entre as quais o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus filhos, Flávio (senador pelo Patriota-RJ), Eduardo (deputado federal pelo PSL-SP) e Carlos (vereador no Rio de Janeiro).
No geral, o documento que contém as conclusões do colegiado pleiteia o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas, em um total de mais de 20 crimes. O delito de incitação ao crime é o mais comum entre todas as tipificações. Um em cada três citados no relatório é descrito como responsável por esse tipo de conduta.
A lista de indiciados por fake news começa pelo presidente Bolsonaro e segue com parlamentares, membros do governo, empresários e influenciadores bolsonaristas. Segundo o relatório, a produção de fake news era comandada pelo chefe do Executivo federal e pelos filhos, que teriam operado por meio de cinco núcleos.
De acordo com a CPI da Covid, Bolsonaro e os demais citados cometeram incitação ao crime porque "encorajaram os brasileiros a infringir medidas sanitárias preventivas", como o distanciamento social e o uso de máscaras, incentivaram a tese da imunidade de rebanho e espalharam informações falsas sobre as vacinas.
"De forma mal-intencionada e visando interesses próprios e escusos", segundo a comissão, os citados no relatório "provocaram grande confusão na população, levando as pessoas a adotar comportamentos inadequados para o combate à pandemia de covid-19".
Acusado pela CPI de ter cometido 10 crimes, Bolsonaro tem minimizado as conclusões do relatório e afirmado que "não tem culpa de nada". O senador Flávio Bolsonaro também criticou o documento e afirmou que ele será arquivado "por qualquer estagiário em direito" por falta de elementos concretos.
Os demais citados no relatório também negam os crimes, de forma geral, e veem motivações políticas por trás dos indiciamentos.
Foco nas fake news sobre eleições
Segundo Angelo Coronel, a ideia agora é que a CPMI se foque nas fake news relacionadas às campanhas políticas das eleições gerais de outubro do ano que vem. Se utilizar realmente todo o período disponível para funcionamento, a previsão é que a CPMI quase adentre a votação do primeiro turno do pleito.
"A CPMI vai servir para a gente evitar fake news e disparos em massa nas eleições de 2022. Seria como contenção, fórum para as pessoas e o Ministério Público denunciarem na comissão", afirmou.
"Ou a gente sai com uma legislação dura para combater e criminalizar os praticantes [de fake news] ou essa pandemia digital vai perdurar. Temos que buscar a vacina certa para combater esses crimes digitais", completou.
Ele próprio reconhece que o trabalho da CPMI com foco nas fake news nas eleições de 2018 perdeu a razão e a força desde a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de não cassar a chapa presidencial vencedora, de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão (PRTB). Para o senador, esse tópico é "página virada".
A Corte eleitoral negou o pedido de cassação da chapa em 28 de outubro, por unanimidade. O plenário rejeitou duas ações movidas pela coligação do PT (do candidato derrotado no segundo turno, Fernando Haddad), que pediam a cassação de Bolsonaro por disparos de mensagens em massa contra os petistas durante a disputa presidencial de 2018.
O deputado federal governista Filipe Barros (PSL-PR), titular da comissão, afirma que será positiva a eventual retomada dos trabalhos porque "tudo o que foi comprovado na CPMI das Fake News é que a própria CPMI é uma fake news". Ele alega que as "teses" apresentadas pela oposição até o momento foram "desmontadas".
Nos bastidores, esse novo foco no ano que vem é tido como uma forma de se tentar diminuir a resistência dos governistas à CPMI. O vice-presidente da comissão é o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por exemplo.
Barros afirmou ao UOL considerar que a "CPI da Covid teve o seu papel oposicionista no Senado, aprovou um relatório baseado em narrativas falsas, com ilações e sem provas". Para ele, "não faz sentido" incorporar a apuração da comissão do Senado ao trabalho da CPMI, pois se trata de uma "investigação falha". "São apenas ilações para desgastar o governo e a imagem do presidente da República."
O líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), reforça que todas as atividades legislativas iniciadas precisam ter um desfecho. Portanto, é preciso retomar a CPMI, diz. Para ele, as "evidências" de que o presidente da República, ministros e diversos deputados são "propagadores de fake news estão em todos os lugares".
Ele defende que a CPMI incorpore as investigações da CPI da Covid relacionadas a fake news ao avaliar que o relatório produzido por Renan é "o mais contundente documento já produzido pelo Parlamento brasileiro sobre o uso desenfreado de fake news que afetaram a saúde de milhões de famílias e pessoas". É preciso dar "continuidade e desdobramentos", afirma.
Dança das cadeiras
Há uma expectativa de que ocorra uma dança das cadeiras na formação da CPMI. Ou seja, uma troca significativa de parlamentares que a compõem atualmente.
As mudanças são esperadas pelo fato de que a oposição deve reforçar vagas em aberto, enquanto o governo deve buscar reforçar sua presença por meio de partidos do centrão, agora mais ligados ao Planalto do que no início dos trabalhos da comissão. A Mesa Diretora não pode ser mudada.
Hoje, ninguém se arrisca a dizer quem tem mais força dentro da CPMI diante do cenário diferente no Congresso.
Angelo Coronel também citou outros pontos a serem aprofundados pela CPMI, como a prática de cyberbullying e o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.
Cuidado com espaço na pandemia
Coronel ressalta ser necessária a adaptação de mais salas para que se cumpra o distanciamento social nas futuras reuniões da CPMI ainda em meio à pandemia. Isso porque a comissão é formada por 32 titulares e 32 suplentes. A CPI da Covid, por exemplo, contava com 18 parlamentares, ao todo. Assessores e funcionários do Congresso também costumam ficar no espaço.
Segundo Coronel, hoje não há espaço adequado no Senado —responsável pela gerência e estrutura da CPMI-- que comporte tanta gente respeitando-se as recomendações para se evitar a propagação do novo coronavírus.
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