STF começa a julgar ações que pedem suspensão do orçamento secreto
O STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar hoje, à meia-noite, três processos que pedem a suspensão do pagamento de emendas do chamado "orçamento secreto" do Congresso. Até as 23h59 de amanhã, os ministros deverão definir se mantêm ou derrubam a decisão da relatora do caso, ministra Rosa Weber, de interromper os repasses na última sexta-feira (5).
O tema é de interesse direto de parlamentares e do Planalto, já que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode perder apoio no Congresso em votações cruciais para o futuro do governo em caso de derrota no STF. A mais imediata destas votações é a da PEC dos Precatórios, que deve ser analisada em segundo turno na Câmara nesta semana.
O julgamento ocorre em uma sessão extraordinária do plenário virtual do STF, convocada ainda na sexta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. Entre hoje e amanhã, os ministros deverão depositar seus votos no sistema eletrônico do tribunal. Apresentadas ao STF em maio desse ano, as ações questionam a validade das emendas de relator, uma das ferramentas usadas por deputados e senadores para reverter parte do orçamento a suas bases políticas.
O instrumento, que leva o nome técnico de RP9, foi suspenso por Weber devido à falta de transparência, já que esse tipo de emenda não permite a identificação individual dos autores dos pedidos de aplicação de verba e o respectivo destino do dinheiro. Foi pela dificuldade em rastrear os gastos que o dispositivo ficou conhecido como orçamento secreto.
Articulação
A suspensão determinada pela ministra provocou críticas de Bolsonaro e reação imediata do Congresso, que trabalha desde o último final de semana para reverter a medida. Tanto a Câmara quanto o Senado pediram ontem, no processo, que a decisão de Weber seja revogada.
Além de se manifestar oficialmente, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ontem ao STF e se reuniu com Fux. No encontro também estavam o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e o relator-geral do orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Histórico
Em janeiro deste ano, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o governo havia destinado R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras nos seus redutos eleitorais. A liberação do dinheiro ocorreu em meio às negociações para a eleição na Câmara, que levou Lira à presidência da Casa.
Foi em maio, porém, que o jornal revelou a existência de um esquema, controlado de maneira não oficial por planilhas, ofícios e até mensagens de texto, por meio do qual o governo distribuía recursos das emendas de relator a parlamentares da base aliada.
O principal uso do dinheiro, segundo a reportagem, era a compra de máquinas agrícolas, parte delas com indícios de superfaturamento. Por essa razão, o mecanismo foi rotulado como "tratoraço" pela oposição.
A revelação do caso levou três partidos a pedirem ao STF a suspensão dos pagamentos, argumentando que Congresso e o Planalto vinham fazendo um uso inconstitucional das emendas. Dias depois, o PSB e o Cidadania desistiram das ações, mas Weber negou os pedidos e levou os processos adiante.
Segundo a decisão da ministra na última sexta, o Congresso deve não apenas manter suspensa a execução das emendas até o fim do julgamento, mas também publicar, no prazo de 30 dias, os registros de todos os pagamentos em uma plataforma centralizada.
O processo
Nas ações que questionam o orçamento no STF, os partidos lembraram que as emendas RP9 foram criadas apenas como um instrumento técnico, usado pelo relator do orçamento para adequar o texto à legislação. Segundo alegaram as siglas, o apoio ao governo nas votações no Congresso passou a ser determinante para definir quais parlamentares receberiam maior fatia do orçamento.
A ministra considerou que o Congresso criou "uma duplicidade de regimes de execução" orçamentária: um transparente, referente às emendas individuais e de bancada, e um "sistema anônimo de execução" para as emendas do relator.
"Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais",
Ministra do STF Rosa Weber, em seu despacho na última sexta (5)
Ouvida no processo, a AGU (Advocacia-Geral da União) foi contrária à suspensão da emendas. O órgão afirma que os pagamentos têm previsão na Constituição e a lei possui instrumentos para evitar "o risco de fraudes ou abusos no direcionamento de recursos orçamentários".
Além da Câmara e do Senado, a PGR (Procuradoria-geral da República) também seguiu a AGU e se manifestou pela validade das emendas de relator. No documento enviado ao STF, o PGR Augusto Aras reconheceu que os mecanismos de transparência "devam ser aperfeiçoados", mas afirmou que não se pode falar em orçamento secreto porque não existe nenhum ato legal prevendo a ocultação das despesas.
Para Weber, porém, a forma de distribuição dos recursos é "incompatível com a forma republicana e o regime democrático de governo" e que existe um "segredo injustificado" sobre os gastos.
PEC dos Precatórios
Ao mesmo tempo em que discute o orçamento secreto, o STF também tem nas mãos uma decisão sobre a PEC dos Precatórios, outro tema que impacta diretamente as contas públicas e a fidelidade do Congresso ao governo Bolsonaro.
Na última sexta, a ministra Rosa Weber deu à Câmara um prazo de 24 horas para explicar a votação da PEC, aprovada em primeiro turno na última quarta. A proposta passou com 312 votos favoráveis, quatro a mais que o necessário.
Somente nos dias 28 e 29 de outubro, semana anterior à votação, o governo liberou mais de R$ 900 milhões em emendas do orçamento secreto, segundo levantamento da ONG Contas Abertas com base em dados oficiais. Como a decisão de Weber tornou incerta a liberação das emendas, deputados poderiam mudar de lado na votação da PEC em segundo turno, agendada para hoje.
A própria PEC dos Precatórios também é questionada no STF. Desde a aprovação do texto, três ações chegaram ao tribunal pedindo a anulação da votação. Uma delas foi apresentado pelo PDT, outra pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), e uma terceira por um grupo de seis parlamentares.
Alvo de críticas pela maneira como foi aprovada, a PEC muda regras de pagamento dos precatórios, que são dívidas do governo determinadas por ordem judicial. O texto, que faz alterações no teto de gastos, é uma prioridade de Bolsonaro, já que abriria um espaço fiscal de mais de R$ 80 bilhões a menos de um ano das eleições.
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