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Políticos veem briga de honra de Bolsonaro com ex-aliado ao atacar Anvisa

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, quando ainda eram considerados aliados  - Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, quando ainda eram considerados aliados Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

11/01/2022 04h00Atualizada em 11/01/2022 09h09

Parlamentares veem mais uma briga de honra do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ex-aliado, Antonio Barra Torres, ao pôr em dúvida a lisura da agência e de seus membros, que aprovaram a vacinação infantil contra a covid-19.

Na quinta (6), em entrevista à TV Nova, Bolsonaro sugeriu que a Anvisa e "pessoas taradas por vacina" poderiam ter "interesses" no aval à vacinação infantil, que já acontece em países como Chile e Estados Unidos. Mais tarde, durante a live semanal, ainda chamou a agência de "dona da verdade".

No sábado (8), Barra Torres rejeitou os ataques feitos por Bolsonaro em carta com tom pessoal, e cobrou uma retratação por parte de Bolsonaro, o que não aconteceu. Ontem, o presidente disse que não acusou o chefe da Anvisa de corrupção e disse que a nota do militar e ex-aliado foi "agressiva".

Na avaliação de senadores e deputados federais de oposição e de centro, nas redes sociais, os questionamentos de Bolsonaro às ações da Anvisa passaram dos limites da atividade administrativa. O presidente da República, que não apresentou provas das alegações, foi chamado de "leviano" e "mentiroso" por parte dos políticos.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), cotada como pré-candidata à Presidência, afirmou que as "insinuações" de Bolsonaro à Anvisa foram "um monumento à mentira, ao desrespeito e à leviandade". "O presidente da Anvisa respondeu com um culto à verdade, ao respeito e à decência. Não poderia ser diferente: cada um oferece o que tem."

Sergio Moro, que também pretende concorrer à Presidência, disse que "não há nada mais admirável do que as pessoas que se opõem ao poder de governantes arbitrários". "Há uma longa tradição de coragem que construiu nossas liberdades. Parabéns ao Almirante Barra Torres por defender a sua honra e o direito dos brasileiros de vacinarem seus filhos."

Vice-presidente da CPI da Covid e líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) escreveu que Barra Torres fez "uma defesa justa à ciência, à verdade, e aos profissionais que estão trabalhando para tirar nosso país da pandemia". Ele acrescentou que Bolsonaro "não está à altura do cargo que ocupa" e "continuará agarrado em suas mentiras", e então apoiou a saída do presidente do cargo.

O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), avaliou que Barra Torres foi "sóbrio e polido" na carta pública endereçada a Bolsonaro, "presidente porra-louca". "Mas todo brasileiro tem a perfeita tradução do que ele disse:- Tome vergonha na cara e peça desculpas ao Brasil, vagabundo".

O senador Weverton Rocha (PDT-MA) se solidarizou com o presidente da Anvisa e os funcionários da agência. "O presidente Jair Bolsonaro deveria se retratar por levantar suspeita de uma agência séria e reconhecer a importância da vacinação."

O líder da minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), deu os parabéns a Barra Torres pela "defesa firme de uma instituição tão importante para a proteção da vida dos brasileiros" e disse se lamentar que o país tenha um "presidente irresponsável que precise ser enquadrado por tentar sabotar a vacinação das nossas crianças".

Para o deputado Ivan Valente (Psol-SP), a nota de Barra Torres foi "dura e certeira" e, "se Bolsonaro tivesse um mínimo de vergonha na cara, se retratava".

Nesta segunda (10), a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) destacou que Bolsonaro permanece em silêncio sobre a nota de Barra Torres. "Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, que é leviano e mau-caráter. O Brasil aguarda sua retratação, covarde."

Relação com ex-aliados

O presidente da Anvisa é mais um ex-apoiador de Bolsonaro cuja relação com o presidente se rompeu de forma dramática aos olhos do público.

Brigas envolvendo acusações aconteceram com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, morto em março de 2020 após infarto, por exemplo.

Histórico de embates com a Anvisa

Bolsonaro começou a atacar a Anvisa de forma mais contundente após o aval da instituição ao uso da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos.

A decisão ocorreu em reunião realizada em 16 de dezembro. No mesmo dia, o presidente da República, que é contra a imunização de crianças e adolescentes, fez declarações intimidatórias e ameaçou divulgar os nomes de integrantes da agência que participaram do processo de aprovação.

A atitude de Bolsonaro, ainda que não tenha se concretizado, gerou intenso mal-estar entre o Palácio do Planalto e a Anvisa. Barra Torres cobrou proteção policial para funcionários e diretores. Nos dias seguintes às declarações do chefe do Executivo federal, servidores da entidade receberam emails com ofensas, xingamentos e ameaças explícitas de atos de violência.

Duas semanas depois, Bolsonaro fez novas declarações em referência ao diretor-presidente da Anvisa e afirmou ser "impossível" falar com o ex-aliado. Pouco antes do anúncio de rompimento em definitivo, o presidente havia comentado que não pretendia vacinar a filha de 11 anos, Laura, e iniciado uma espécie de campanha pública contra a vacinação pediátrica.

Em transmissão ao vivo nas redes sociais, o governante chegou a levantar suspeitas de que o imunizante da Pfizer ofereceria riscos ao grupo etário de 5 a 11 anos —insinuações feitas sem comprovação científica e sem dados que possam corroborar teses a respeito.

"Não vou falar mais da Anvisa aqui, fechou o diálogo, é impossível falar com o presidente da Anvisa. Minha esposa se vacinou. Ela quis se vacinar, foi vacinar. Nossa filha, nós entendemos que ela não tem quase nada a ganhar com a vacina", declarou Bolsonaro, em 30 de dezembro.

O capítulo mais recente do embate público entre Bolsonaro e Anvisa ocorreu em 6 de janeiro, um dia depois de o Ministério da Saúde anunciar a inclusão de crianças de 5 a 11 anos no PNI (Programa Nacional de Imunizações). Sem provas e/ou evidências, o chefe do Executivo federal insinuou que a Anvisa e "pessoas taradas por vacina" poderiam ter "interesses" ocultos no aval ao imunizante da Pfizer.

A resposta veio no último sábado (8), com a divulgação de uma nota pública assinada por Barra Torres. No texto, ele busca rebater as insinuações feitas por Bolsonaro de que os integrantes da Anvisa poderiam ter supostamente "interesses" no aval à vacinação pediátrica.

"Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, senhor presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa. Aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar", escreveu Barra Torres.

"Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate", completou o chefe da Anvisa, que tem mandato até 2024 e não pode ser demitido por Bolsonaro.