Topo

Bolsonaro diz desconhecer morte de criança pela covid; mais de 300 morreram

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

06/01/2022 13h03Atualizada em 06/01/2022 18h16

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou hoje a criticar a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pelo aval à vacinação infantil contra o coronavírus e, em tom alarmista e sem fundamentação científica, colocou em dúvida a eficácia do imunizante da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos. O governante também disse desconhecer que alguém nessa faixa etária tenha morrido em decorrência da covid-19 no país.

Dados do Sivep-Gripe, base de dados do SUS (Sistema Único de Saúde), porém, mostram que ao menos 301 crianças e adolescentes de 5 a 11 anos morreram no país em razão da doença desde março de 2020. No total, foram 6.163 casos registrados de infecção.

Em 2020, ano que teve início a crise sanitária, foram 156 mortes. Já no ano passado, o sistema nacional de saúde contabilizou 145 óbitos no público de 5 a 11 anos. Esses números representam uma incidência de 29,96 casos e 1,46 óbitos a cada cem mil habitantes do grupo etário de referência.

Em entrevista à emissora pernambucana TV Nova, Bolsonaro se dirigiu hoje a pais e mães para pedir que eles "conversem" entre si e com vizinhos a fim de debater a possibilidade de vacinar ou não os respectivos filhos.

O governante buscou desencorajar a imunização da faixa etária de 5 a 11 anos com a argumentação de que esse público não estaria sujeito a complicações decorrentes da contaminação por covid-19.

"Eu pergunto: você tem conhecimento de alguma criança de 5 a 11 anos que tenha morrido de covid? Eu não tenho. Na minha frente tem umas 10 pessoas aqui. Se alguém tem, levanta o braço. Ninguém levantou o braço na minha frente."

De acordo com a Anvisa, o produto da Pfizer é "seguro e eficaz na prevenção da covid-19 sintomática, na prevenção das doenças graves, potencialmente fatais, ou condições que podem ser causadas pelo [vírus] Sars-CoV-2". A informação consta em comunicado oficial da entidade regulatória publicado em 22 de dezembro, seis dias após a reunião que resultou na aprovação do uso do imunizante.

Sem provas e/ou evidências, Bolsonaro insinuou ainda que a Anvisa e "pessoas taradas por vacina" poderiam ter "interesses" ocultos no aval à aplicação das doses da Pfizer desenvolvidas especificamente para crianças e adolescentes.

"A própria Pfizer diz: outros possíveis efeitos colaterais podem acontecer a partir de 22, 23 e 24. E você vai vacinar teu filho? Contra algo que o jovem por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade de ele morrer é quase zero? O que está por trás disso? Qual é o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual é o interesse daquelas pessoas taradas por vacina? É pela sua vida, pela sua saúde? Se fosse, estariam preocupadas com outras doenças no Brasil", afirmou o chefe do Executivo federal.

A Anvisa lamentavelmente aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade. A minha opinião eu quero dar para você aqui... A minha filha de 11 anos não será vacinada. E você tem que ler o que foi feito ontem no Ministério da Saúde, né, o encaminhamento disso aí, para você decidir se vai vacinar o seu filho de 5 a 11 anos ou não
Jair Bolsonaro

O presidente fez referência ao anúncio de ontem (5) do Ministério da Saúde quanto à inclusão das crianças de 5 a 11 anos no PNI (Programa Nacional de Imunizações).

A decisão foi tomada depois de críticas à pasta pela lentidão com a qual tratou o assunto. O governo, alinhado ao posicionamento pessoal de Bolsonaro (contrário à vacinação infantil), queria que a imunização dessa faixa etária ocorresse somente com prescrição médica e consentimento dos pais —iniciativa que foi duramente contestada por especialistas e representantes de estados e municípios. Diante da pressão pública, o Ministério da Saúde acabou desistindo da ideia.

Na entrevista de hoje, o presidente também tentou levar ao público que acompanhava a entrevista mensagem em tom de alerta para o risco de "efeitos colaterais" da vacina da Pfizer —informação esta que vai na contramão do posicionamento da própria Anvisa, entidade regulatória e técnica responsável por avaliar a segurança de imunizantes.

"Vê se é o caso de você vacinar teu filho ou não. É um direito seu [de] vacinar. Está autorizada a vacinação, e ela é voluntária. Agora, você pai e você mãe... Vejam os possíveis efeitos colaterais."

"Então, eu peço. Como se trata de crianças, não se deixe levar pela propaganda. Converse com teus vizinhos. Quanto garoto contraiu covid e não aconteceu absolutamente nada com ele. Quando morre um garoto que contraiu covid, geralmente... Isso é quase... Eu desconheço, mas existe, com toda certeza, algum moleque que morreu em função do covid... Mas era uma pessoa que tinha problema de saúde grave. Ou era muito obeso, né, ou tinha alguma outra comorbidade qualquer."

Facada

Bolsonaro voltou hoje ao batente depois de curtir as festas de fim de ano em férias no Guarujá (SP) e em São Francisco do Sul (SC). Durante a passagem pelo litoral catarinense, o presidente se sentiu mal e foi hospitalizado devido a uma obstrução intestinal.

Em entrevista à "TV Nova", Bolsonaro afirmou que "problemas não faltam" nesse retorno e comentou o episódio da facada que sofreu em 2018. Sem provas, o político voltou a falar que o atentado foi um crime encomendado e que Adélio Bispo [autor preso em flagrante] apenas cumpriu uma "missão".

O presidente também disse esperar que a Polícia Federal chegue à conclusão de quem foram os supostos mandantes do crime. A declaração vai na contramão das investigações da própria Polícia Federal, que concluiu por duas vezes (em dois inquéritos distintos, o último concluído em 2020) que Adélio Bispo agiu sozinho. Atualmente, novas informações deram origem a uma terceira frente de apuração.