Bolsonaro ganha 'moeda de troca' ao blindar orçamento secreto, diz oposição
Ao não vetar as emendas de relator-geral (RP-9) no Orçamento de 2022, que somam R$ 16,48 bilhões, o presidente Jair Bolsonaro (PL) preserva uma moeda de troca para beneficiar parlamentares aliados em troca de apoio político, avaliam deputados federais de oposição ao Palácio do Planalto.
Ouvidos pelo UOL, os congressistas também criticaram o governo federal por outras questões relacionadas ao Orçamento, como os cortes na destinação de verbas para atividades de pesquisa e desenvolvimento científico, de saúde e educação, entre outras áreas.
Líder do PT na Câmara ao longo do ano passado, Bohn Gass (RS) declarou que a vista grossa ao chamado "orçamento secreto" (como são conhecidas as emendas de relator-geral), o aval ao fundo eleitoral de R$ 4,96 bilhões e outras despesas de interesse eleitoral, como o Auxílio Brasil, mostram que o presidente da República estaria "subserviente" ao centrão —grupo informal de partidos sem ideologia firme que hoje compõe a base governista no Parlamento.
"Ele está nas mãos do centrão. Está refém do centrão", declarou o petista. "Ele podia ter vetado o orçamento secreto e permitido que os recursos das áreas fundamentais fossem preservados. Mas ele está na mão, rendido, submisso ao centrão."
Na sanção ao texto do Orçamento de 2022, que tem previsão de R$ 4,7 trilhões em receitas da União, Bolsonaro vetou R$ 3,184 bilhões em gastos —os maiores cortes foram nos ministérios do Trabalho e da Educação. Há também redução de verba para pesquisa e ações voltadas aos povos indígenas.
"Ele [Bolsonaro] mostra, de fato, que não tem preocupação nem com o Brasil, nem com a soberania, nem com a vida do povo. A única preocupação é se manter [no cargo]. E, para se manter, ele precisa do apoio do centrão", completou Bohn Gass.
"Toma lá, dá cá"
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirmou considerar que as emendas de relator-geral são uma "institucionalização do toma lá, dá cá" —referindo-se à expressão popular que passou a simbolizar, nos últimos anos, a troca de favores e cargos entre os poderes Executivo e Legislativo.
"É a institucionalização de um montante bilionário do Orçamento, sem nenhum controle social, para o toma lá, dá cá. Ele usou esse expediente várias vezes no último um ano e meio. Não me surpreende que ele não tenha vetado. É um expediente que ele usa para manter uma maioria, uma base alugada dentro do Congresso."
A parlamentar gaúcha também destacou que, de acordo com a sua avaliação, os cortes nas áreas de ciência e tecnologia, educação e saúde são uma "devastação" a fim de financiar o orçamento secreto e o fundão eleitoral.
"É uma combinação do econômico com o político. Econômico porque ele precisa financiar essas maracutaias, e político porque é um governo de destruição, de destruição da ciência."
Em entrevista ao UOL News, o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que o Orçamento de 2022, como sancionado, trará uma "herança maldita" e deixará as relações entre o Executivo e o Legislativo repleta de "vícios".
Ele avaliou que o orçamento contém "distorções gravíssimas". Ainda, que o Congresso que tem "chancelado um governo fraco", deixando o Executivo "refém" do orçamento secreto.
Sob reserva, um integrante do Novo, partido que não é de oposição ao governo, mas que tem fortes convicções liberais que não coincidem com o que a equipe econômica tem praticado, afirmou que o desenho atual do orçamento é um "mecanismo para ter apoio do centrão".
O deputado federal afirmou que revisões dentro do Orçamento de 2022 deverão ser feitas, mas mudanças radicais são pouco prováveis. Até mesmo porque Bolsonaro aposta no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e em outras lideranças do centrão dentro do Congresso para tocar essas negociações, disse.
Reajustes
Outra preocupação de parte dos deputados é um efeito cascata de eventuais novos reajustes concedidos pelo governo federal. Bolsonaro deixou na lei sancionada a previsão de R$ 1,74 bilhão para reajuste a servidores públicos, destinado a atender projetos de lei relativos à reestruturação de carreiras e/ou aumento do salário de cargos e funções ligados ao Poder Executivo.
Apesar de o presidente ter prometido aumento a policiais federais, a lei não define quais categorias de servidores serão beneficiadas. A promessa do Bolsonaro revoltou as demais categorias do funcionalismo e gerou protestos e ameaças de greve na semana passada.
Na semana passada, em entrevista, o chefe do Executivo federal afirmou que não seria possível conceder reajuste a todos os servidores públicos.
Deputados reconhecem que os pedidos são legítimos se uma categoria realmente conseguir um reajuste, mas isso pode comprometer ainda mais a economia do país, consideram. Oposicionistas também alegam que eventuais reajustes terão cunho eleitoral. Ou seja, seriam medidas para tentar facilitar a reeleição de Jair Bolsonaro ao Planalto nas eleições de outubro deste ano, argumentam.
O atual líder da bancada do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), considera que o orçamento sancionado é um "desastre" e que demonstra "falta de compreensão dos problemas do Brasil".
Ele avalia que Bolsonaro faz "demogagia" ao, "sem ter dinheiro para fazer reajuste, tentar romper a isonomia dos servidores públicos".
"Como ele vai garantir parte do aumento só para uma categoria dos servidores públicos? Ele continua fingindo para uma possível base eleitoral, que são as polícias", disse.
O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) disse que o espaço para reajustes a servidores públicos é "pequeno". "Tem esse espaço aí de R$ 1,7 bilhão, mas ele é pequeno, né? É um espaço pequeno, não dá para todo mundo. Vai dar o quê? R$ 0,10 para cada um de aumento?"
O que são as emendas
As emendas de relator são um dos quatro tipos de emendas existentes —há a individual, a de bancada, a de comissão e a da relatoria. A diferença da de relator para as outras é que ela é definida pelo deputado federal ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano, em negociações geralmente informais com os demais colegas.
As emendas de relator-geral são uma modalidade de emenda que apareceu no Orçamento de 2020. Inicialmente, Bolsonaro ia vetar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) a autorização para as emendas de relator. O presidente, porém, voltou atrás após pressão de partidos do centrão.
A equipe econômica reclama que as emendas de relator remanejam despesas previstas de ministérios e levam o dinheiro a áreas muitas vezes não prioritárias de acordo com as negociações políticas —em geral, de caciques partidários alinhados ao Planalto—, correndo o risco de paralisação da máquina pública.
Em tese, cabe aos ministérios definirem a alocação dos recursos das emendas de relator. Na prática, porém, ofícios não públicos obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo apontam o contrário, com parlamentares ditando destinações e citando "cotas" e defendendo terem sido "contemplados".
Como o pagamento das emendas de relator não é obrigatório, há suspeitas de que o governo as utilize como moeda de troca quando precisa de apoio em votações no Congresso Nacional.
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