Desiludida, jovem que chamou Bolsonaro de farsa já o teve como inspiração
Cerca de seis anos se passaram entre dois momentos importantes na vida da estudante Hadassa Gomes, 19, moradora de Sorocaba, interior de São Paulo. Em 2016, à época com apenas 13 anos, ela começou a se interessar por política. O "primeiro contato", segundo a jovem, foi com o presidente Jair Bolsonaro (PL), à época uma das vozes mais radicalizadas na oposição ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cujo mandato foi cassado naquele ano.
Em 2022, com 19 anos e estudante de jornalismo, Hadassa viralizou nas redes sociais depois de ir à portaria do Palácio da Alvorada, em Brasília, para desafiar Bolsonaro, hoje chefe do Executivo federal. O episódio ocorreu na última segunda-feira (24).
Cara a cara, a estudante confrontou o presidente, acostumado a receber apenas elogios no "cercadinho do Alvorada", e o chamou de "farsa". Além da crítica frontal, citou verso bíblico que o governante tem como lema —"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João 8:32)— para contextualizar a crítica.
E a verdade é Jesus, a verdade é justiça, a verdade é honestidade. E sabendo disso, dá para considerar que o senhor é uma farsa, presidente
Hadassa Gomes, 19 anos
Irritado com a situação, Bolsonaro perguntou se a jovem havia comparecido ao local para "falar isso" e questionou o motivo de "usar a palavra bíblica". Ele também rebateu dizendo que a jovem expressava uma "mentira" e insinuou que pudesse ser "filiada ao PT" (o que ela nega).
"Eu já vinha guardando uma revolta muito grande e uma sensação de impotência por ver que a política estava um caos completo", afirmou ela ao UOL, ontem (26), indagada sobre as circunstâncias que motivaram a atitude.
"Eu acredito muito que a cultura de idolatria política que nós temos é absurda, e isso só vai mudar quando políticos forem confrontados e encarados como pessoas que nos servem, e não ao contrário. Foi esse pensamento que me levou até lá."
Interesse por política
A jovem disse que o interesse pela política surgiu em 2016, ano em que, segundo ela, "só se falava nisso". "Eu entrei no clima e comecei a entrar nesse mundo." Foi nessa época que começou a ouvir e admirar Bolsonaro. "Achava que toda a política era suja e que ele era o único honesto. Visão bem rasa."
A decepção com o presidente se intensificou, de acordo com o relato da jovem, durante a crise sanitária provocada pelo alastramento do coronavírus, que teve início entre fevereiro e março de 2020 —segundo ano do mandato de Bolsonaro.
"Eu fui desgostando dele durante o governo, mas a revolta veio com a gestão desastrosa da pandemia mesmo."
Pretensão eleitoral?
Hadassa negou ter atualmente pretensão de concorrer a algum tipo de cargo público (em razão do episódio do cercadinho, apoiadores do presidente levantaram suspeitas de que ela poderia sair candidata em 2022). Mas declarou que "quer ajudar, nem que seja um pouquinho".
"Eu não partia para a prática, ficava sempre na teoria. O que eu quero é mudar, logicamente. Eu não quero me candidatar e ser política, mas eu quero ajudar, nem que seja um pouquinho, a mudar as coisas através dela."
Eu quero falar de política, eu quero debater, eu quero conversar, eu quero ajudar, me comunicar... Mas me candidatar, não
Hadassa Gomes
Apoio ao MBL
No perfil do Twitter de Hadassa há várias postagens em apoio ao MBL (Movimento Brasil Livre) —que, assim como a estudante, já apoiou o presidente Jair Bolsonaro e, durante o governo, tornou-se oposição. Indagada se teria ou não algum tipo de vinculação, ela disse ter feito um "curso de formação política da Academia MBL", e afirmou enxergar um "diferencial bem grande neles".
"Eu admiro muito eles, acho que tem um diferencial bem grande neles. Se eu quiser militar por algo, vou com quem me identifico. E é o caso do movimento."
Hadassa comentou ainda ser adepta da ideia de uma "terceira via", ou seja, uma alternativa à polarização do espectro político —que será representada na corrida presencial em 2022 pelas candidaturas de Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Eu acredito na terceira via. Não voto no Bolsonaro nem no Lula. Tem o [Sergio] Moro [do Podemos, pré-candidato à Presidência]... Estou ouvindo as posições, vendo como as coisas se encaminham. Não seria difícil votar nele, eu admiro", disse, em referência ao ex-juiz da Lava Jato.
'Medo' no cercadinho
Hadassa disse que se sentiu receosa durante a ação no cercadinho do Palácio da Alvorada, frequentado majoritariamente por apoiadores de Bolsonaro —manifestações de oposição são raras no local. Mas o "medo", segundo ela, "tinha que ser menor do que a certeza de que alguém tem que ser a voz dissonante".
A jovem, por outro lado, ponderou que não se considera "exclusiva e incrível por fazer isso". "Eu realmente acho que é meio que um dever: Se eu estou incomodada, eu tenho que falar. Os apoiadores deles são muito fanáticos em grande parte, eu já esperava retaliação, mas se algo passasse dos limites eu sabia que tinha que denunciar."
Após chamar Bolsonaro de farsa e bater boca com o governante, Hadassa disse ter sido retirada do local antes que ocorresse algum conflito com os apoiadores, que, de acordo com o relato da estudante, "estavam bem estressados". A saída, no entanto, foi conturbada em razão da atitude dos seguranças, afirmou ela.
"Quando eu fiz a pergunta, bateram no meu celular. Eles me tiraram de lá com a força do corpo deles, tentaram tirar o celular da minha mão várias vezes. Eu não deixei. Ficavam repetindo que eu só sairia de lá depois de apagar os vídeos tanto da galeria, quanto da lixeira."
Para salvar as imagens, Hadassa teve a ideia de enviar os vídeos para o WhatsApp —eles ficam arquivados nos servidores do aplicativo— e simular consentimento quanto à exclusão do material.
"Apaguei na frente deles, eles vasculharam a lixeira do meu celular e só assim me deixaram sair."
O UOL questionou o Palácio do Planalto a respeito do relato sobre o comportamento dos seguranças. Se a resposta vier, este texto será atualizado.
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