Em ano eleitoral, montagens avançam; veja dicas para não cair em fake news
À medida que as eleições se aproximam, a circulação de montagens em vídeo com temas políticos ganha espaço nas redes sociais e aplicativos de mensagem. As adulterações buscam enganar o público, tentando provocar uma percepção favorável ou desfavorável sobre quem aparece nos conteúdos. As produções acompanham o momento do país, envolvendo assuntos e pessoas em evidência no noticiário.
Em janeiro, por exemplo, o UOL Confere checou um vídeo manipulado para fazer parecer que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha dito que tinha "relação com o demônio". A montagem chegou a ser compartilhada — e depois apagada — pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (PL), entre outros apoiadores do governo. Lula e Bolsonaro devem se enfrentar nas urnas em outubro, e o petista vem liderando as pesquisas de intenção de voto.
Outra montagem que circulou nas últimas semanas mostrava uma versão editada de uma entrevista do diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, de forma a parecer que ele disse que a vacinação contra a covid-19 era um "risco sanitário grave". O conteúdo circulou em meio à liberação, pela Anvisa, da imunização infantil contra o coronavírus. O vídeo também foi checado pelo UOL Confere.
Para Tatiana Dourado, pesquisadora de comunicação política na FGV DAPP (Faculdade Getúlio Vargas - Diretoria de Análise de Políticas Públicas) e no INCT.DD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital), a circulação de conteúdos mentirosos costuma crescer nos períodos eleitorais.
"É sempre provável o aumento da circulação de fake news em eleições porque são nesses momentos em que os indivíduos estão mais dispostos a vender e a defender seu candidato, custe o que custar; e porque tem se aperfeiçoado, ao longo dos últimos anos, infraestrutura tecnológica e ferramentas digitais que dão um caráter propagandístico à difusão de mensagem em um nível multiplataforma, o que favorece campanhas eleitorais não oficiais em lugares quase inalcançáveis", disse ao UOL.
Segundo a pesquisadora, que é doutora em comunicação pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), é comum que o uso de vídeos para propagar desinformação atraia um maior engajamento.
"Isto pode se dar por um traço cultural, pelo costume e facilidade de consumo de conteúdo audiovisual, e pela sensação de verossimilhança que a imagem confere ao fato ali retratado ou inventado", explicou.
Dourado destaca também a facilidade para a manipulação de vídeos, tanto nas edições mais simples quanto nas automações.
"Para quem está acostumado a manusear diferentes tecnologias e ferramentas digitais, a verdade é que é muito fácil de criar deepfakes (síntese de imagens ou sons humanos baseada em técnicas de inteligência artificial), e a sátira de políticos e celebridades costuma a ser até encorajada por essas aplicações".
Presidenciáveis viram alvo
Nos últimos meses, iniciativas de checagem de fatos como UOL Confere, Projeto Comprova (do qual o UOL faz parte), Agência Lupa e Aos Fatos, entre outras, revelaram diversos casos de montagens envolvendo pré-candidatos a presidente.
Montagens buscam convencer o espectador, por exemplo, de que o ex-presidente Lula foi atacado em situações em que isso não ocorreu, como em uma visita à França; em um shopping em Salvador; em uma partida de futebol; em uma entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo, colunista do UOL; ou em um show de Ivete Sangalo.
Apoiadores de Lula, no entanto, também compartilharam um vídeo que tira de contexto um trecho da entrevista de Sergio Moro, pré-candidato do Podemos, ao Flow Podcast, para dizer que o ex-juiz tinha ouvido "a verdade sobre a Lava Jato".
O presidente Jair Bolsonaro já apareceu em vídeos manipulados, mas geralmente em conteúdos que buscam retratá-lo de forma favorável, como uma falsa propaganda da montadora Volvo, uma suposta reportagem elogiosa feita pela TV portuguesa e uma inexistente ovação em Nova York.
Bolsonaro também foi alvo de um vídeo editado com o intuito de fazer parecer que ele tinha sido vaiado durante um discurso em Belo Horizonte, o que não aconteceu.
Risco de avanço de fake news em 2022
Para a pesquisadora Tatiana Dourado, as fake news "são produzidas por grupos de interesse, sejam políticos, empresários e apoiadores em geral", e circulam porque existem públicos que apoiam, "em algum nível, o que está ali relatado".
Ao falar do potencial aumento de desinformação em época de eleições, Dourado disse considerar "negativo não ter havido esforço investigatório suficiente sobre o disparo em massa de empresários bolsonaristas, que foi o caso mais contundente revelado em 2018".
O caso citado pela pesquisadora foi noticiado pela Folha antes do segundo turno das eleições de 2018. O jornal revelou que empresários apoiadores de Bolsonaro gastaram R$ 12 milhões em pacotes para disparos de mensagens de WhatsApp contra o PT, que tinha Fernando Haddad como candidato. A prática era ilegal, pois caracterizava doação de campanha por empresas.
"Situações como essa encorajam que peças propagandísticas continuem a serem regra na disputa, principalmente no Brasil, que é um dos países mais ativos no uso de mídias sociais no mundo, o que fortaleceu sobremaneira o ecossistema de mídia e os influenciadores do conservadorismo radical, e que vive uma eleição de sobrevivência democrática em 2022", disse.
Segundo a pesquisadora, por causa desta situação, nas eleições deste ano, "peças de fake news tendem a ser produzidas não apenas em apoio a Jair Bolsonaro, mas a outras campanhas, numa tentativa de equilibrar o jogo."
Em outubro do ano passado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou pedidos de cassação de Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), por causa dos disparos de mensagens. A maioria dos ministros considerou que houve uso irregular do WhatsApp em 2018, mas não se comprovou gravidade suficiente para cassar a chapa. Apesar disso, o tribunal aprovou uma tese para determinar que essa conduta seja punida a partir das eleições deste ano.
Dicas para não cair em fake news
Para Tatiana Dourado, mesmo um vídeo deepfake não necessariamente é desinformação, podendo ser usado para o humor, por exemplo.
Para saber diferenciar o que é fake news ou não, segundo ela, "é preciso entender se o vídeo gerou engano porque o indivíduo não percebeu, por inúmeros motivos, que é uma peça satírica, ou se o vídeo se estrutura em torno de uma mentira, isto é, se foi criado para uma história deliberadamente inventada ser percebida como verídica".
"Vídeos satíricos podem ser tóxicos também, é claro, e serem nocivos por essa razão. De todo modo, montagens simples de vídeo ou de áudio, que se espalham rapidamente pelo WhatsApp, são hoje mais perigosas do que deepfakes", explicou a pesquisadora.
Segundo Dourado, para evitar cair em montagens, é preciso cumprir as seguintes etapas:
Saber se o vídeo tem autoria;
Se a fonte é confiável;
Se o conteúdo saiu na imprensa tradicional;
Se algum projeto de verificação de fatos publicou desmentido.
"Em geral, em uma rápida busca no Google se encontra essas informações, como um processo de checagem individual. É importante ainda não repassar mesmo quando se sabe e se 'concorda' com a resenha contida num vídeo de teor falso", disse.
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