Secretário próximo a grupo armamentista deve assumir embaixada em Abu Dhabi

O presidente Jair Bolsonaro (PL) indicará nesta semana para o cargo de embaixador do Brasil em Abu Dhabi um servidor do Ministério da Defesa sem formação diplomática nem experiência na área. Próximo da família presidencial e de militares do alto escalão, em especial dos ligados à ala bolsonarista, o secretário de Produtos de Defesa Marcos Rosas Degaut Pontes já foi aprovado pelo governo dos Emirados Árabes Unidos, mas ainda será avaliado pelo Senado brasileiro.

A solicitação do governo brasileiro (ou agrément) foi aprovada por Abu Dhabi e enviada ao Itamaraty na última quinta-feira (24). Segundo fontes da diplomacia ouvidas pela reportagem, Degaut se destacou no meio político de ambos os países ao intermediar reuniões com executivos do conglomerado estatal armamentista dos Emirados Árabes Edge Group.

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Degaut, que é civil, recepcionou Hamad Al Marar, presidente de Mísseis e Armamentos da empresa, e Omar Al Zaabi, vice-presidente Sênior de Aquisição de Programas, no quartel-general do Exército, em Brasília, em 25 de outubro do ano passado. Dois generais, um de quatro e outro de três estrelas (as mais altas hierarquias da Força), também estavam na reunião.

De acordo com o Ministério da Defesa e o Exército, no encontro foram discutidas "possibilidades de investimento no Brasil".

"O Grupo Edge é um dos principais conglomerados de Defesa do mundo, formado por 24 empresas, e está criando oportunidades em serviços de aviação, precisão aeronáutica, capacidades autônomas, energia dirigida, sistemas de propulsão avançados, robótica e materiais inteligentes, com inteligência artificial incorporada nos seus produtos e serviços", afirmou o ministério comandado pelo general Braga Netto.

Essa atuação próxima ao setor armamentista dos Emirados Árabes fez com que Degaut estreitasse o contato com o embaixador do país no Brasil, Saleh Alsuwaidi.

Viagem a Dubai

Três semanas depois, Bolsonaro viajou para Dubai, nos Emirados Árabes, com ministros e assessores. Degaut circulou perto de Bolsonaro e da cúpula do governo.

Ele posou para fotos ao lado do chefe direto, Braga Netto, e do presidente na inauguração do pavilhão Brasil no Dubai AirShow, uma das agendas oficiais da viagem.

Nesse mesmo evento, um integrante da comitiva presidencial foi ao stand de Israel e tentou adquirir o sistema de espionagem DarkMatter para municiar o "gabinete do ódio" (grupo de assessores que trabalham no Palácio do Planalto com foco nas redes sociais que difunde desinformação e ataca adversários políticos do presidente).

Como revelou o UOL em reportagem publicada em janeiro, essa reunião não constou na agenda oficial da comitiva. O nome do integrante do "gabinete do ódio", que teria ligação com o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), tampouco foi informado.

A reportagem apurou que quem intermediou a reunião sigilosa foram os dois executivos do Edge Group que foram ao QG do Exército semanas antes: Hamad Al Marar e Omar Al Zaabi.

Apesar de serem distintos, a empresa DarkMatter e o conglomerado Edge Group têm em comum o megaempresário Faisal Al Bannai. O magnata fundou em 2014 a DarkMatter, mas saiu da companhia em 2019 justamente para assumir o cargo de CEO do Edge Group.

A Secretaria de Produtos de Defesa disse em nota que "não houve qualquer tratativa ou menção a respeito da contratação de produtos da empresa DarkMatter" durante a reunião no QG do Exército. A Força afirmou que os executivos do conglomerado foram recebidos pelo Estado-Maior, mas que "não houve menção ou tratativa a respeito da empresa DarkMatter".

O UOL procurou o Edge Group e a embaixada dos Emirados Árabes Unidos no Brasil, mas ambos não se manifestaram até a publicação desta reportagem. A reportagem também buscou o posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro, mas não obteve retorno.

Grupo de trabalho

No dia 25 de novembro de 2021, dias após a viagem, o Ministério das Relações Exteriores admitiu Marcos Degaut no "Quadro Suplementar da Ordem Rio Branco", a mais consagrada honraria do Itamaraty.

Na mesma época, o Ministério da Defesa criou um grupo de trabalho com o Edge Group, segundo indica documento ao qual o UOL teve acesso.

Além de tratar de questões de armamento, sob sigilo na pasta por questão de "segurança nacional", o grupo também tem debatido com a estatal dos Emirados Árabes sistemas de "defesa cibernética".