CPIs no Congresso caíram para um terço da média durante o governo Bolsonaro
Apesar da repercussão de algumas Comissões Parlamentares de Inquérito nos últimos anos, como a da Covid e a das Fake News, o Congresso registra uma baixa histórica de abertura de CPIs no governo Jair Bolsonaro.
De 2003 a 2018, período entre os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, o Legislativo instalou uma média de 23 apurações a cada ciclo de quatro anos. De 2019 em diante, na gestão Bolsonaro, só mais sete foram criadas, menos de um terço da média mantida até ali.
A dificuldade de abrir uma CPI é sentida hoje pela oposição no Senado, que tenta investigar as suspeitas de corrupção no MEC (Ministério da Educação) mas não consegue reunir 27 assinaturas, em parte por pressão do governo. Especialistas consultados pela reportagem avaliam que a ação do Executivo não é o único motivo para a queda, já que a dinâmica de trabalho do Congresso mudou ao longo do tempo.
Com base em dados oficiais, o UOL levantou que o Congresso abriu, desde 2003, um total de 99 investigações, sendo 40 na Câmara, 37 no Senado e 22 em conjunto das duas Casas, as chamadas CPMIs (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito). Foram 27 no primeiro governo Lula (2003 a 2006), 19 no segundo (2007 a 2010), 16 no primeiro governo Dilma Rousseff (2011 a 2014) e outras 30 no período de 2015 a 2018, que teve Dilma e Temer na Presidência.
No governo Bolsonaro, todavia, foram abertas 7 CPIs até o momento, 6 delas no primeiro ano de governo. Na Câmara, houve uma comissão sobre o estouro da barragem de Brumadinho (MG), uma a respeito do derramamento de óleo no Nordeste e uma terceira que tratou de contratos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
As mais hostis ao bolsonarismo envolveram o Senado. Além da CPI da Covid, que foi exclusiva de senadores, as Casas abriram em conjunto duas CPMI: a das Fake News, que buscava investigar ataques cibernéticos contra a democracia, e outra sobre o acidente aéreo da Chapecoense, em 2016. Exceto por esta última, as CPIs foram cenários de briga com a oposição, acusada pelos governistas de usar o espaço com objetivos políticos.
Nova dinâmica
Uma dificuldade adicional para a instalação de CPIs em 2022 é o fato de este ser um ano eleitoral. Especialistas ouvidos pelo UOL, como mostrou reportagem recente, avaliam que os políticos e os partidos têm relutância em confrontar o governo, pelo risco de perder benesses. Parte do Congresso, segundo os analistas, também seria desestimulada pelo risco de que as investigações se voltem contra eles próprios, prejudicando suas campanhas.
Em anos de eleição presidencial, é raro que haja CPIs de grande impacto nas candidaturas. Uma das últimas exceções foi em 2014, quando o Congresso abriu duas CPIs, uma mista e outra exclusiva do Senado, para apurar as primeiras suspeitas de crime na Petrobras levantadas pela Operação Lava Jato.
Já em outros anos, especialmente o primeiro após uma eleição presidencial, o número de CPIs em funcionamento costuma crescer. Parte delas atinge o governo, mas outras discutem problemas amplos do país. No governo Lula, por exemplo, houve CPIs sobre temas como pirataria, tráfico de órgãos, violência urbana, sistema carcerário e planos de saúde.
Para a cientista política Graziella Testa, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas), uma possível explicação para a queda de uso das CPIs está na diversidade de ferramentas de debate do Congresso. Hoje, segundo ela, parte das questões que antes se resolviam em CPIs é tratada em outros espaços, como comissões especiais ou comissões externas de acompanhamento.
"A gente tem uma atuação mais efetiva das frentes parlamentares, que têm atuação temática. Elas são um fenômeno um pouco mais recente e elas têm uma participação importante para canalizar algumas destas demandas que, antes, poderiam acabar em uma CPI", diz a professora.
No caso atual do MEC, por exemplo, parte dos senadores diz defender a investigação, mas afirma acreditar que os primeiros passos podem ser dados na própria Comissão de Educação do Senado, sem a necessidade de abrir uma CPI.
Um deles é o presidente do colegiado, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Ele se comprometeu a assinar o pedido de abertura da CPI do MEC, mas antes quer ouvir os principais envolvidos na Comissão de Educação. Até agora, o grupo já tomou depoimentos de prefeitos e do presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Na opinião do cientista político Carlos Melo, do Insper, o governo Bolsonaro construiu base no Congresso a partir de muitas concessões, especialmente na Câmara. O Executivo ficou dependente dos interesses do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e de partidos que compõem o centrão, mas teria ganho, em troca, uma certa blindagem na Casa.
"O governo pode não ter um controle sobre a Câmara suficiente que vai garantir, por exemplo, 308 votos para aprovar uma PEC. Mas o governo, por ter cedido muito mais ao Legislativo, consegue com tranquilidade barrar um pedido de CPI, que precisa de 171 assinaturas", afirma.
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