Por que há menos CPIs em ano de eleição presidencial?
A tentativa de senadores da oposição de emplacar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a gestão do MEC (Ministério da Educação), após suspeitas de corrupção na pasta, vem enfrentando problemas. Parte deles, segundo especialistas, vem do período de eleição presidencial, infértil para as investigações no Congresso.
Um levantamento feito pelo UOL aponta que houve 99 CPIs entre 2003 e o ano passado (veja arte abaixo). Foram 40 na Câmara, 37 no Senado e 22 CPMIs, as mistas. A média no período é de 5,21 comissões instaladas por ano. Nos anos de eleição presidencial, porém, foram abertas 11 ao todo, nos quatro anos analisados (2006, 2010, 2014 e 2018) —uma média de 2,75 por ano.
Dentre as poucas CPIs abertas nestes anos, um número ainda menor foi de apurações de grande impacto eleitoral contra candidatos. A maioria tratou de debates nacionais, como violência urbana, dívida pública, tráfico de armas e desaparecimento de crianças.
Uma das exceções ocorreu em 2014. Com a operação Lava Jato ainda no início, antes das prisões de grandes empreiteiros e diretores da Petrobras, houve duas CPIs no Congresso, uma mista e outra exclusiva do Senado. O governo Dilma Rousseff, já fragilizado na relação com os parlamentares, se desgastou com as investigações que, no entanto, tiveram resultados limitados.
Cientistas políticos ouvidos pelo UOL têm várias explicações para a baixa de CPIs nestes períodos. Segundo os especialistas, os políticos e os partidos têm relutância em confrontar o governo, pelo risco de perder benesses próprias de ano eleitoral. Parte dos congressistas é desestimulada pelo risco de que as investigações se voltem contra eles próprios.
"A gente está no tempo em que os parlamentares estão mais preocupados em levar recursos para suas bases, por meio das emendas", avalia o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper. "O parlamentar busca levar alguma emenda para seu reduto, ou quer mostrar que tem bom trânsito com lideranças no governo federal, e isso claramente não combina com enfrentar o governo".
O cientista político Rafael Cortez, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), explica que a abertura de uma CPI em anos eleitorais fica mais difícil quando a base do governo está fortalecida no Congresso.
"Tomando a CPI como um dos mecanismos de controle entre os Poderes, o que a gente sabe é que essa capacidade e amplitude do controle é inversamente proporcional à coesão de uma coalizão de governo. Ou seja: ela é muito maior quando há uma fraqueza do Executivo em gerir sua coalizão", discorre.
Arma eleitoral
Sobre o risco de as investigações se virarem contra os próprios autores ao longo da CPI, Consentino dá como exemplo a atual briga sobre as suspeitas de crimes no MEC. Os oposicionistas ainda lutam para reunir as 27 assinaturas necessárias, mas os governistas já contra-atacaram, anunciando a intenção de tentar criar uma CPI para investigar obras iniciadas nos governos do PT.
"Existe o jargão de que a gente sabe como uma CPI começa, mas não sabe como termina. Então a CPI tem sempre o risco de ser uma arma que você dispara e atira no próprio pé. Imagine que o parlamentar está lá, investigando o governo federal, e de repente essas investigações vão para um caminho que atinge o próprio partido e os aliados", observa Consentino.
Outros parlamentares também têm tentado viabilizar CPIs. O líder do PSB na Câmara, Bira do Pindaré (MA), anunciou que tentará criar uma CPI do Viagra, para apurar supostas irregularidades nas compras das Forças Armadas. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) pediu a abertura de uma comissão para apurar a relação entre homicídios e narcotráfico. No anúncio, criticou a oposição, que governa o Ceará.
Lutando contra a CPI do MEC, governistas argumentam que a oposição quer usar a investigação como "palanque eleitoreiro", como definiu o líder do governo no Senado, Carlos Viana (PL-MG). O principal alvo das críticas é Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que viu escapar a chance de abrir a comissão depois que três colegas retiraram as assinaturas.
Os oposicionistas, contudo, reagiram às críticas. Durante a reunião mais recente da Comissão de Educação do Senado, que já está ouvindo envolvidos na crise do MEC, a senadora Zenaide Maia (PROS-RN) se manifestou. "Eu não gostei de ouvir os colegas dizerem, como foi dito aqui pelo Senador Carlos Portinho [PL-RJ], que quem assinou a CPI o fez porque estaria num palanque eleitoral. Eu não sou candidata a nada", protestou.
Senado é local mais 'propício'
O argumento da senadora Zenaide explica porque o Senado é, apesar das dificuldades, um local menos refratário do que a Câmara à abertura de uma CPI. Todos os deputados terão que concorrer nas urnas em outubro, mas nem todos os senadores. Dois terços já têm o cargo garantido até 2026, já que o mandato é de oito anos.
"Os senadores têm duas coisas que o deputado não tem: o mandato pertence ao parlamentar, e não ao partido, o que dá a ele mais autonomia. Além disso, o Senado renova a cada oito anos e dois terços não disputarão eleição", aponta Cortez.
Segundo o cientista político, "não é todo senador que está constrangido pela lógica eleitoral. Isso dá um grau maior de liberdade ao parlamentar para apoiar ou não a CPI, e aí vai depender da decisão individual dele".
Os números confirmam essa tendência. Enquanto a Câmara abriu mais CPIs que o Senado de 2003 a 2021 (foram 40 contra 37), a vantagem se inverte nos anos de eleição presidencial: houve duas na Câmara, cinco no Senado e quatro CPMIs.
"Alguns senadores estão garantidos por mais quatro anos. Então eles não estão olhando para o horizonte dessa eleição, e sim para a de 2026. Com isso, ficam mais estimulados do que quem tem o mandato em jogo. Mas isso não significa que eles também não tenham amarras, por causa dos partidos", aponta Consentino.
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