Presidente da Funai expulso de evento é próximo de ruralistas e militares
Forçado a se retirar de um evento em Madri, na Espanha, após ser chamado de "miliciano", o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier, acumula críticas desde que assumiu o órgão, há três anos. Delegado da PF (Polícia Federal), Xavier foi alvo de uma onda de reclamações após as mortes do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, no mês passado, mas sua gestão já era contestada.
Xavier chegou à presidência da Funai em julho de 2019 no lugar do general Franklimberg de Freitas, de ascendência indígena, que deixou o cargo por pressão da bancada ruralista. Para organizações de defesa dos direitos indígenas, o delegado não apenas alinhou a Funai aos interesses do agronegócio, mas também descaracterizou o órgão, colocando militares e policiais nas chefias no lugar de servidores de carreira.
O indigenista Bruno Pereira, que era especializado em povos indígenas isolados e de recente contato, foi um dos alvos das mudanças na Funai. Em outubro de 2019, Xavier substituiu Pereira pelo missionário evangélico Ricardo Dias Lopes.
O ex-funcionário da Funai Ricardo Rao, que protestou contra Xavier no evento de hoje em Madri, responsabilizou o delegado da PF pela morte de Pereira. Isso porque, após a exoneração, o indigenista passou a contribuir de forma independente com a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), para a qual trabalhava quando foi assassinado.
"Ele é responsável pela morte de Bruno (Pereira) e Dom Phillips. Você é um miliciano, bandido", disse Rao, que deixou o Brasil em 2019 depois de ter sofrido repetidas ameaças de morte, ter visto colegas assassinados e ter até uma arma apontada para sua cabeça.
No mês passado, dias após o desaparecimento de Pereira e Phillips, a gestão de Xavier à frente da Funai foi criticada em um dossiê de mais de 200 páginas, produzido pela INA (Indigenistas Associados) e pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). Segundo o documento, a Funai foi transformada em uma "Fundação Anti Indígena".
O dossiê aponta, entre outros tópicos, a militarização do órgão: das 39 Coordenações Regionais da Funai, apenas duas são chefiadas por servidores de carreira. Por outro lado, de acordo com o documento, foram nomeados 17 militares, três policiais militares e dois policiais federais.
Servidores do órgão, que no mês passado pediram a saída de Xavier do cargo, acusam o delegado de agir contra a causa indígena e de estar distante dos povos originários. O UOL pediu à Funai um comentário sobre as críticas feitas a Xavier, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.
Elo com ruralistas
Delegado da PF desde 2008, Xavier se aproximou da bancada ruralista do Congresso em 2016. Naquele ano, ele atuou como "consultor" da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Funai, que foi presidida e relatada por parlamentares ligados ao agronegócio.
O relatório final da CPI, que acusou ex-servidores do órgão de fraude em processos de demarcação de terras indígenas, recomendou a adoção do marco temporal para futuras regularizações. A tese é criticada por especialistas, porque só permite aos indígenas reivindicar terras que ocupavam à época da promulgação das Constituição, em 1988.
Já no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2019, Xavier chegou a ser chamado pelo ruralista Luiz Antonio Nabhan Garcia para ser assessor da secretaria de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura. O delegado só não assumiu o cargo, segundo Garcia, não foi cedido a tempo pela PF. Com isso, a nomeação acabou anulada em abril.
Garcia, próximo de Bolsonaro desde antes da eleição, foi apontado como um dos responsáveis pela chegada de Xavier à Funai. O general Franklimberg de Freitas, assessor de Xavier na Funai, afirmou que Garcia "saliva ódio pelos povos indígenas" e era um mau assessor do governo para a questão.
Em novembro de 2019, Xavier e Garcia participaram de um evento na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul. Na ocasião, o presidente da Funai afirmou que vinha sendo atacado por ter retirado servidores de carreira de chefias estratégicas. Na ocasião, o delegado defendeu as mudanças justamente porque elas atenderiam aos interesses dos produtores rurais.
"Eu estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora, justamente para atender aos senhores. Então eu quero aqui trazer o recado a todos vocês, que confiem no presidente da Funai", disse ele na ocasião.
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