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Improbidade: STF tem 2 votos para permitir que lei alcance casos em aberto

do UOL, em Brasília

04/08/2022 16h42Atualizada em 04/08/2022 19h09

Os ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), votaram nesta quinta-feira (4) para permitir que a nova Lei de Improbidade sancionada no ano passado alcance processos em andamento envolvendo atos culposos (sem intenção) contra a administração pública.

O julgamento vai decidir se o novo texto pode retroagir ou não a processos em curso abertos com base na lei de improbidade anterior, que foi revogada em 2021.

Para Moraes, que é relator da ação sobre o tema na Corte, a nova lei só deve alcançar processos em andamento que envolvam atos culposos. Nestes casos, caberia uma avaliação caso a caso.

Em processos que transitaram em julgado (sem possibilidade de recurso), o ministro disse que o novo texto não deve retroagir.

O ministro André Mendonça deu um voto semelhante, mas com algumas divergências.

Mendonça também considera que a nova lei de improbidade pode alcançar casos de atos culposos em andamento, mas vai além e diz que até mesmo em processos já concluídos e sem chance de recurso seria possível apresentar uma ação rescisória para anular a sentença.

Os dois votos abrem brechas para a classe política pedir a revisão de seus processos movidos no passado, beneficiando parlamentares, ex-governadores e agentes públicos enrolados com ações de improbidade e que buscam disputar as eleições.

A discussão é de repercussão geral e deve definir uma jurisprudência que deverá ser adotada pelos demais juízes do país. Ao menos 1147 processos sobre o tema estão suspensos esperando uma definição do Supremo. A sessão foi iniciada ontem (3) e deverá ser retomada na próxima quarta-feira (10) com os votos dos demais ministros.

O que mudou na legislação. Promulgada em 1992 na esteira de casos de corrupção no governo do então presidente Fernando Collor, a Lei de Improbidade fixa possíveis sanções a agentes e servidores que atentem contra a administração pública. A punição é administrativa, e não criminal, e pode levar à perda de mandato, pagamento de multa e a suspensão de direitos políticos.

As mudanças feitas pelo Congresso no ano passado e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro tocaram em dois pontos que são discutidos agora no Supremo:

  • O primeiro é a necessidade de comprovação do "dolo", ou seja, a intenção do agente público em cometer o ato ilícito;
  • O segundo diz respeito aos prazos de prescrição -- que ficaram mais curtos.

Agora, os ministros discutem se essas duas mudanças valem só para casos de improbidade abertos após a sanção da nova lei ou se deve retroagir e alcançar processos em andamento ou já concluído.

A quem interessa a discussão. O julgamento da retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa é acompanhado de perto pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-A.L), que em junho cobrou que a discussão entrasse em pauta no Supremo com prioridade.

Condenado por improbidade em segunda instância, Lira teve os efeitos de sua sentença suspensos pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. O caso hoje tramita em segredo no Superior Tribunal de Justiça.

Além dele, os ex-governadores José Roberto Arruda (PL-DF) e Anthony Garotinho (União-RJ) e o ex-prefeito do Rio César Maia (PSDB), candidato a vice-governador na chapa de Marcelo Freixo (PSB), também respondem a casos semelhantes. Os três buscam rever seus processos para conseguirem se tornar elegíveis para as eleições.

    Como foi o julgamento. Em voto, Moraes afirmou que a necessidade de comprovação do dolo, excluindo a modalidade culposa da lei, foi uma opção do legislador. "Concordemos ou não, é uma opção válida, plenamente válida", disse.

    O gestor corrupto é uma coisa, o gestor inepto e incompetente, é outra coisa. Ambos devem ser responsabilizados, por óbvio, mas cada um tem uma forma de ser responsabilizado"
    Alexandre de Moraes, ministro do Supremo

    Pelo voto de Moraes, caberá à Justiça avaliar caso a caso, abrindo a possibilidade de políticos acionarem recursos para a revisão de seus processos.

    O ministro frisou que, embora o caso possa ser revisto, as provas obtidas e atos proferidos no processo até a sanção da nova Lei de Improbidade continuam válidas e podem ser compartilhadas em investigações penais.

    Em voto proferido na sequência, Mendonça votou e disse que, em sua visão, a lei de improbidade deve estimular o bom gestor, e punir o gestor corrupto. No entanto, há ainda confusão entre corrupção e ineficiência, o que leva agentes a "perderem a vontade de inovar".

    "Na iniciativa privada um grande executivo que faz dez negócios exitosos e lucrativos, e um deles dá prejuízo, ainda assim é considerado um bom gestor. Na administração pública, ele passa a ser ímprobo", disse Mendonça.

    "Nós não temos certeza se na administração pública de que todas as decisões que tomamos são as mais corretas e mais acertadas, seja pelo momento, pelo nível de informações, pela realidade que se impõe", continuou.

    Prescrição. Sobre o prazo de prescrição, Moraes foi contra a retroatividade por considerar que não é possível aplicar os novos prazos a processos já em andamento, uma vez que a medida "surpreenderia" a atuação do Estado na investigação de atos de improbidade.

    Neste ponto, Mendonça divergiu e disse que os novos prazos de prescrição podem retroagir e serem aplicados aos processos em curso.

    Até o momento, Moraes e Mendonça foram os únicos a votar. O julgamento foi iniciado nesta quarta-feira (3), retomado hoje e deve seguir na próxima semana.

    Tendência de placar apertado

    Dentro do Supremo, há a expectativa de um placar apertado no caso, com Moraes e André Mendonça sendo as duas principais incógnitas. O julgamento vai dividir as alas garantista, mais inclinadas aos direitos dos acusados que defendem a retroatividade, e punitivista, que tende a se alinhar com o Ministério Público, que é contrário à mudança.

    Expoentes do primeiro grupo, por exemplo, são os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Entre os "punitivistas" estão Roberto Barroso e Edson Fachin, com a possibilidade de Cármen Lúcia e Rosa Weber se alinharem aos colegas.

    Considerado um caso de repercussão geral, a decisão do Supremo deverá criar uma definição que passará a ser seguida por todo o restante do Judiciário. Os impactos podem ser mensurados abaixo:

    • Hoje, há pelo menos 1.147 processos discutindo a possibilidade de retroatividade da lei de improbidade no Judiciário, segundo dados do STF. Esses casos foram suspensos até a Corte pacificar o tema.
    • Não há uma estimativa exata de quantas investigações que devem ser atingidas se ocorrer a retroatividade, mas só em São Paulo, a Promotoria paulista estima que há 4.768 procedimentos em andamentos que podem ser impactados pelo STF.

    Caso concreto. Para além da discussão ampla envolvendo a retroatividade da nova lei, os ministros discutem ainda o caso concreto da advogada Rosmary Cordova, que atuou no INSS de 1994 a 1998 e foi acusada de improbidade por "conduta negligente".

    O Ministério Público moveu a ação contra a advogada em 2006 por ter viajado sem informar previamente ou garantir um substituto durante a ausência.

    Para o advogado Francisco Zardo, que defende Rosmary, diz que ela é uma advogada íntegra e que, em primeira instância, o processo chegou a ser considerado improcedente. "Confiamos que, depois de mais de 25 anos desde os fatos, o caso finalmente será encerrado, possibilitando que, 16 anos após a instauração do processo, a Dra. Rosmery recupere a paz de espírito", disse.