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Golpe seria interessante, diz PM; por que um terço dos agentes pensa assim?

Deputado estadual Coronel Lee (DC-PR) e o presidente Jair Bolsonaro, em 2021 - Divulgação/Facebook
Deputado estadual Coronel Lee (DC-PR) e o presidente Jair Bolsonaro, em 2021 Imagem: Divulgação/Facebook

Do UOL, em Brasília

28/08/2022 04h00

O deputado estadual Washington Lee Abe, conhecido como Coronel Lee (DC-PR), faz parte de um grupo que engloba mais de um terço dos agentes de segurança pública do país. Ex-comandante do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), ele diz considerar "interessante" a possibilidade de os militares tomarem o poder no país por meio de um golpe.

Uma pesquisa do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), publicada no sábado (27), aponta que 33,8% dos agentes concordam, pelo menos em parte, que, "em alguns casos, seria justificável que os militares apoiassem ou tomassem o poder através de um golpe de Estado". O levantamento ouviu 5.058 agentes de oito corporações entre 1º e 20 de agosto.

O policial militar —que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) e disputa uma vaga na Câmara dos Deputados— considera que a medida seria justificável devido ao prestígio que, na opinião dele, os militares têm na sociedade.

Essa situação [um golpe das Forças Armadas] até seria interessante, porque as instituições militares gozam de um alto grau de confiabilidade e de credibilidade perante a população. Tendo em vista que os pilares das forças militares são a hierarquia, a disciplina e o patriotismo
Coronel Lee (DC-PR), policial militar e deputado estadual

Quantos policiais acham um golpe militar "justificável"? Segundo o levantamento, um terço dos agentes considera justificável que, em alguns casos, haja um golpe de Estado apoiado ou conduzido por militares. O percentual soma os que concordaram totalmente (6,7%), concordaram (8%) ou concordaram parcialmente (19,1%).

Dito de outra maneira, 3 em cada 10 policiais admitiriam um golpe militar, de acordo com a pesquisa. Embora alguns agentes apoiem abertamente a tese, caso do Coronel Lee, outros veem a possibilidade com ressalvas.

Para o delegado de Polícia Civil Alexandre Zakir, presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Policia do Estado de São Paulo), uma tomada de poder pelas Forças Armadas só seria admissível em situações como uma invasão militar estrangeira ou um movimento separatista armado, mas não como contestação às urnas.

"Por desconfiança sobre o sistema eleitoral, em hipótese alguma. Quando há desconfiança, o que é preciso é haver uma auditoria, capaz de quebrar essa desconfiança. A violência só pode entrar em campo se for para combater outra violência, e restabelecer a paz", afirma.

A Coronel Adriana Cristina Nunes, da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo), afirma discordar "totalmente" da possibilidade de um golpe militar. Para ela, a mudança de poder deve ocorrer apenas pelas urnas. "Quem pensa assim [a favor de um golpe] quer jogar para um terceiro a responsabilidade de resolver essa situação política caótica que vivemos, que é culpa dos próprios eleitores", diz.

Na opinião da agente, "quem deve resolver é o povo, por meio do voto consciente, parando com essa história de apoiar candidatos em troca de favores ou valores, parando com a crença em salvadores da pátria".

Que dados a pesquisa traz? O estudo do FBSP levantou a opinião dos policiais sobre temas como democracia, confiança no sistema eleitoral e acesso da população a armas de fogo. Para isso, foram elaborados 10 enunciados, tais como: "quem for declarado vencedor das eleições pela Justiça Eleitoral deverá ser empossado em 1° de janeiro".

Para cada enunciado, os entrevistados tiveram sete opções de resposta, que iam de "concorda totalmente" a "discorda totalmente". Assim, o policial poderia apoiar ou divergir de cada uma das teses de forma absoluta, média ou parcial. Ou poderia responder que não sabe.

Algumas questões registraram quase unanimidade entre os participantes. É o caso da premissa "o povo escolher seus líderes em eleições livres e transparentes é essencial para a democracia", que teve concordância, pelo menos em parte, de 95,6% dos agentes.

Outros enunciados, porém, tiveram menos consenso. Uma das frases, que dizia que "quando há uma situação de crise, não importa que o governo passe por cima das leis, do Congresso ou das instituições com o objetivo de resolver os problemas", foi rejeitada pela maioria dos entrevistados, mas um quarto deles (25,8%) concordou no mínimo parcialmente.

O que significa o nível de aderência dos policiais a um possível golpe? Para o pesquisador Renato Sérgio de Lima, que organizou a pesquisa do FBSP, os números mostram "um copo meio cheio, meio vazio".

Na visão dele, um dado animador é que a grande maioria dos entrevistados (95,1%) declarou concordar, ao menos de forma parcial, que "quem for declarado vencedor das eleições pela Justiça Eleitoral deverá ser empossado em 1° de janeiro". A taxa, segundo ele, sinaliza um "respeito às regras do jogo" pela maior parte dos profissionais da segurança.

Por outro lado, segundo ele, o percentual de agentes que admitem a possibilidade de um golpe não é desprezível. "Se você observar aqueles que acham, mesmo parcialmente, que é possível vislumbrar situações onde um golpe é aceitável, preocupa. Porque não é tão pouca gente assim. Mas a maioria acredita nas instituições", avalia.

O que os policiais pensam do sistema eleitoral? Embora a grande maioria dos policiais concorde que o vencedor nas urnas declarado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deva tomar posse em janeiro, uma parcela menor confia nas urnas. Três em cada dez agentes entrevistados discordam da afirmação de que "o sistema eleitoral do Brasil garante que os resultados reflitam a vontade do povo".

O sargento da PM Anderson Alves Simões (Avante), que é vereador em Mauá (SP) e concorre a uma cadeira de deputado federal, concorda "integralmente" que o vencedor declarado pela Justiça Eleitoral deve tomar posse, mas diz que isso não representa um voto de confiança às urnas.

"O sistema eleitoral pode ter fraude, eu não confio 100% não. No entanto, eu entendo que, como não tem, a princípio, como provar, devemos assumir que a urna reflete a vontade do povo sim", avalia. Para Lima, do FBSP, o governo Bolsonaro tem uma parcela de responsabilidade sobre a descrença no sistema eleitoral observada entre os agentes.

O Bolsonaro fez um exercício de se apropriar de um discurso. Ele se coloca no lugar do democrata, que está exigindo transparência, para tensionar as instituições e provocar uma ruptura
Renato Sérgio de Lima, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Como foi feita a pesquisa? Partindo de um cadastro com agentes que já haviam participado de levantamentos anteriores, o FBSP enviou um questionário a cerca de 300 mil profissionais da segurança pública pelo Brasil. Destes, pouco mais de 5 mil responderam. "Foi um bom número de respostas, considerando o receio que muitos têm de se expor ao emitir esse tipo de opinião", avalia Lima.

Segundo o pesquisador, a sondagem não pretendeu reproduzir fielmente o universo pesquisado, como seria uma pesquisa eleitoral. "A gente não pode generalizar que essa seja a opinião de todos os policiais em atividade no país. O que nós buscamos foi uma amostra, que aponta essa tendência", explica.