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Lula em Brasília esnoba mercado, retoma laço com centrão e cutuca Bolsonaro

Colaboração para o UOL*, em Florianópolis

11/11/2022 04h00Atualizada em 11/11/2022 08h35

A primeira ida do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Brasília após a vitória no segundo turno contra Jair Bolsonaro (PL) sinalizou o início das conversas do futuro governo com o centrão no Congresso.

Já o mercado financeiro não reagiu bem às declarações do petista, que fez críticas à "estabilidade fiscal". Na visita à capital federal, o presidente eleito ainda provocou Bolsonaro pelo relatório dos militares que não apontou fraude nas urnas eletrônicas.

Encontros

A agenda de Lula com membros dos Poderes começou na quarta-feira (9) com Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e apoiador de Bolsonaro na eleição para o Planalto. No mesmo dia, o petista se reuniu com Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, e com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Já na quinta-feira (10), Lula esteve no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), onde a equipe de transição realiza os trabalhos. Na ocasião, o presidente eleito revelou que o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), não será ministro. Ele ainda chorou ao falar da fome e elogiou o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

"Vim aqui para visitar as instituições brasileiras e dizer o seguinte: a partir de agora, vocês vão ter paz, porque não vão ter um presidente desaforado querendo intervir na Suprema Corte, na Justiça Eleitoral", declarou Lula, em discurso hoje no CCBB.

Qual foi a reação do mercado? Os investidores não reagiram bem às declarações de Lula sobre a economia, em Brasília. Em discurso no CCBB, o petista refutou demandas do mercado, como a privatização da Petrobras, e ainda não definiu a política fiscal a partir de 2023.

Lula afirmou que as estatais serão "respeitadas" e que a Petrobras não será "fatiada". Ele ainda criticou os dividendos pagos aos acionistas da empresa.

"A ideia é esvaziar o caixa da Petrobras para que a gente não possa fazer nada", acusou o presidente eleito, acrescentando que os bancos públicos voltarão a ser bancos de investimentos.

As falas do presidente eleito não caíram bem no mercado financeiro. O dólar comercial fechou em forte alta de 4,14%, cotado a R$ 5,397, na sessão de quinta-feira. Já a Bolsa terminou o dia em queda de 3,35%.

A indefinição da política fiscal do governo eleito, que ainda não escolheu o futuro ministro da Fazenda, também pesou no resultado.

Ontem, a equipe de transição nomeou Guido Mantega para atuar no eixo econômico. Ele foi ministro da mesma pasta entre 2006 e 2014, e de Planejamento entre 2003 e 2004. Como tentativa de acalmar o mercado, o economista —criticado por sua gestão da economia— negou que irá comandar algum ministério no novo governo.

"O mercado fica nervoso à toa", comentou Lula ontem sobre a reação do mercado financeiro, com leve sorriso no rosto. "Não vi o mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso durante quatro anos [do governo] Bolsonaro."

Aceno ao centrão

O governo eleito tenta amenizar a futura oposição no Congresso. Já houve encontro com líderes do PSD e MDB, com indicação de nomes dos referidos partidos para compor a transição governamental, em uma tentativa de reconciliação com o centrão, que é bloco de parlamentares notabilizado pela proximidade com o governo da vez.

A federação do PT, composta também por PV e o PCdoB, soma 80 deputados. Mas a conta inicial feita pelos petistas inclui ainda as bancadas da federação PSOL-Rede, do PSB e do PDT, que elegeram, ao todo, 43 parlamentares, chegando à marca de 123 deputados.

O PL, partido do presidente Bolsonaro, promete ser a maior oposição, pois conseguiu eleger 99 parlamentares, 23 a mais do que a bancada atual.

A ideia do governo de transição é formar uma aliança de "partidos democratas" para que Lula não tenha dificuldades para aprovar matérias no Congresso. No caso das PECs, por exemplo, são necessários 308 dos 513 deputados na Câmara, e 49 dos 81 senadores.

Fontes ouvidas pelo UOL Notícias dizem que o PT ainda pode procurar Podemos, PSDB e Cidadania. Essas legendas não se aliaram a Bolsonaro, mas votaram a favor do governo em determinadas tramitações no Congresso.

Um dos acenos de Lula à ampliação da aliança com demais partidos durante sua visita em Brasília foi o convite a parlamentares de 14 partidos para reunião nesta quinta-feira. O quórum foi alto, mas nem todos os partidos convidados compareceram —ninguém do Republicanos foi.

Aproximação com Lira e Pacheco. Durante entrevista na noite de quarta-feira após as reuniões, Lula deu outro sinal de que busca apoios dos parlamentares do bloco. Ele disse que não vai interferir nas eleições das Câmara e do Senado. O petista ainda considerou que não enxerga "essa coisa de centrão", indicando que vai dialogar com todos os parlamentares eleitos.

A aproximação entre Lula e Lira pode desagradar alguns aliados do petista. É o caso de Renan Calheiros (MDB-AL), que já trocou ofensas com Lira pela disputa regional em Alagoas. Apesar disso, o emedebista diz publicamente que continuará auxiliando Lula.

'Fim dos ataques' ao Judiciário

Somada às agendas com parlamentares, Lula também teve um encontro com ministros do STF.

Lula se reúne com ministros do STF - Nelson Jr./SCO/STF - Nelson Jr./SCO/STF
Lula se reúne com ministros do STF
Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

O orçamento secreto, que tem sua constitucionalidade avaliada pelo STF, não teria sido tema da conversa, informou o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), cotado para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Em nota, o STF afirmou que os ministros apontaram "preocupações" com o país e a necessidade de investimentos em áreas consideradas prioritárias, como educação e meio ambiente. Em resposta, Lula teria dito que irá atuar pela "reconstrução" e "união" do país.

Aliados de Lula dizem que o petista deverá manter um diálogo cordial e respeitoso com o Supremo, que já foi alvo de críticas do petista durante o auge da Lava Jato. Para este grupo, o presidente eleito vê o cenário como "águas passadas".

Lula provoca Bolsonaro

Na quinta-feira (10), o presidente eleito ainda comentou sobre os atos antidemocráticos promovidos por apoiadores de Bolsonaro em frente aos batalhões das Forças Armadas que se arrastam desde a vitória do petista no segundo turno presidencial.

Lula chora ao falar da fome em discurso no gabinete de transição em Brasília - 10.nov.2022 - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo - 10.nov.2022 - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Lula chora ao falar da fome em discurso no gabinete de transição em Brasília
Imagem: 10.nov.2022 - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Na mesma ocasião, Lula considerou que Jair Bolsonaro "humilhou" as Forças Armadas ao pedir o relatório, que não comprovou indícios de fraude e que legitimou o resultado do pleito. O petista também provocou o rival político sobre a falta de aparição pública dele após o resultado as eleições.

Não sei se o presidente está doente, mas tem obrigação de vir à televisão e pedir desculpas à sociedade brasileira e às Forças Armadas por ter usado as Forças Armadas —uma instituição séria, garantia para o povo brasileiro, humilhada— para entregar um relatório que não diz nada daquilo que ele, por tanto tempo, acusou

Elogio a Moraes. Um dos principais desafetos de Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes ganhou elogio de Lula pela condução das eleições deste ano. O presidente eleito afirmou que Moraes teve uma "coragem estupenda" durante o período das eleições.

"Comportamento exemplar. É orgulho de todo o Brasil. Não me importa se o Alexandre de Moraes é conservador, se é progressista, de direita ou de centro. O que importa é que foi de muita coragem e dignidade no compromisso de dirigir essas eleições", declarou.

*Colaboraram Camila Turtelli, Gabriela Vinhal, Hanrriksson de Andrade, Leonardo Martins, Letícia Casado e Lucas Borges Teixeira, do UOL Notícias, em Brasília e em São Paulo.