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Irregularidades no Auxílio podem chegar a R$ 2 bi por mês, diz auditoria

Fernando Salles/W9 Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Fernando Salles/W9 Press/Estadão Conteúdo
Amanda Rossi e Carlos Madeiro

Do UOL, em São Paulo, e colunista do UOL

13/12/2022 04h00

Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) estimou que o governo federal está pagando o Auxílio Brasil para 3,5 milhões de famílias com renda acima do necessário para entrar no programa.

Isso representa um pagamento indevido de R$ 2 bilhões por mês.

O TCU chegou a esses números a partir da comparação entre o total de benefícios do Auxílio Brasil e dados sobre a renda das famílias na PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O que diz o relatório?

  • 17,6 milhões de famílias se enquadram nas regras do Auxílio Brasil em 2022;
  • Benefícios do programa em outubro de 2022 totalizaram 21,1 milhões;
  • A diferença, de 3,5 milhões de benefícios, representa uma taxa de inclusão indevida de 20%.

A irregularidade pode ser maior. A análise do TCU considera apenas os rendimentos de trabalhadores com carteira assinada e de pessoas que têm CNPJ. Por isso não estão na conta famílias que, nos trabalhos informais, têm renda acima da linha da pobreza.

A maior distorção está no Nordeste. Segundo a análise do TCU, o Nordeste teria 6,76 milhões de famílias elegíveis ao Auxílio Brasil em 2022. Mas teve 9,75 milhões de benefícios em outubro: 2,99 milhões a mais ou excesso indevido de 44%.

Em 2021, a situação foi oposta: menos contemplados do que famílias beneficiadas. Eram 3 milhões de famílias com direito ao Auxílio Brasil que estavam fora do programa.

Por que isso aconteceu?

O relatório aponta o redesenho do programa, promovido pelo governo Bolsonaro, como principal causa da inclusão de tantos beneficiários indevidos. Agora, há um valor mínimo para o Auxílio, independentemente do número de pessoas na família.

Ou seja, uma pessoa solteira recebe R$ 600, e um casal com quatro filhos em idade escolar recebe os mesmos R$ 600, o que equivale a R$ 100 por pessoa.

Além de distorcer o pagamento por pessoa, a mudança de regra gerou uma explosão no número de solteiros no Auxílio Brasil. Para o TCU e outros órgãos de fiscalização, isso é um indício de fraude: as famílias estariam se dividindo artificialmente para receberem mais de um benefício.

Esse cenário foi potencializado pela "suspensão das revisões e averiguações no Cadastro Único [que registra dados sobre as famílias em situação de vulnerabilidade] desde a pandemia até fevereiro de 2022, mas ainda não retomadas integralmente até a presente data", diz o relatório do TCU.

  • No mês de início do programa, em novembro de 2021, as famílias com 1 pessoa representavam 15% dos beneficiários. O patamar era o mesmo registrado na época do Bolsa Família e em pesquisas do IBGE;
  • A partir de então, o número explodiu: 19% em dezembro de 2021; 21% em junho de 2022; 26% em agosto de 2022.

A maior parte dos novos gastos orçamentários foi direcionada a pessoas que moram sozinhas e não ao público prioritário do Auxílio Brasil: crianças e adolescentes."
Relatório de auditoria do TCU sobre o Auxílio Brasil

Inicialmente, o Ministério da Cidadania ignorou o aumento artificial de solteiros entre os beneficiários do Auxílio. Reportagem do colunista do UOL Carlos Madeiro mostrou que o governo Bolsonaro esperou passar o segundo turno das eleições para, só então, começar a apurar as suspeitas de irregularidades.

Desigualdade dentro do Auxílio Brasil explodiu, aponta o TCU. Antes de o governo Bolsonaro instituir o valor mínimo, um solteiro recebia 18% mais do que um casal com três filhos, per capita. Agora, ganha 3,7 vezes mais (272%).

Para o TCU:

  • o Auxílio Brasil passou a ser um promotor de desigualdade em comparação com o Bolsa Família;
  • é menos eficiente no combate aos índices de pobreza do que o Bolsa Família;
  • gasta mais para fazer menos.

O que acontece agora?

O TCU determinou que o Ministério da Cidadania "investigue e saneie possíveis distorções na composição familiar dos integrantes do Cadastro Único".

Além disso, recomendou que sejam consideradas mudanças para promover "pagamentos per capita mais equitativos entre as famílias beneficiárias".

O relatório aponta uma alternativa, sem o valor mínimo criado por Bolsonaro e mantendo o orçamento atual do Auxílio:

  • o benefício pago para cada criança de até 3 anos de idade passaria de R$ 130 para R$ 779;
  • o benefício pago para cada membro da família com mais de 3 anos até 21 anos, além de gestantes, subiria de R$ 65 para R$ 389;
  • o benefício individual de superação da extrema pobreza seria mantido nos atuais R$ 105.

Assim, o pagamento para um solteiro cairia dos atuais R$ 600 para R$ 105. Enquanto o pagamento para um casal com um filho recém-nascido e dois filhos com mais de 3 anos subiria de R$ 600 para R$ 1.557.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu manter o mínimo de R$ 600 para todos os tamanhos de família, além de dar um adicional de R$ 150 por criança. Esse é o modelo que foi considerado na PEC da Transição, já aprovada no Senado e que deve ser votada na Câmara.

Por que o TCU fez o parecer?

A auditoria foi proposta pelo próprio TCU em maio, para avaliar "o novo desenho" do Auxílio Brasil. Naquele mês, o valor mínimo — então de R$ 400 — foi sancionado por Bolsonaro de forma definitiva.