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Após ordem de Lula, CGU vai reavaliar 234 sigilos impostos por Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro se atrapalha ao recolocar máscara no rosto; pandemia da covid-19 foi um dos temas dos sigilos - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O ex-presidente Jair Bolsonaro se atrapalha ao recolocar máscara no rosto; pandemia da covid-19 foi um dos temas dos sigilos Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Do UOL, em Brasília

03/02/2023 10h51Atualizada em 03/02/2023 16h31

A CGU (Controladoria-Geral da União) vai analisar 234 casos de sigilo estabelecidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entre 2019 e 2022. Entre os casos, estão os temas de segurança pública e informações pessoais.

Após um decreto assinado pelo presidente Lula (PT) no dia da posse, a CGU criou uma comissão para avaliar a adequação de 2.500 pedidos negados via LAI (Lei de Acesso à Informação) por Bolsonaro. Entre os casos mais conhecidos, estão o cartão de vacinação do ex-presidente e a sindicância do Exército sobre o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, hoje deputado.

Segundo o ministro Vinicius de Carvalho, da CGU, os 234 casos de sigilo a serem analisados serão:

  • 111 de segurança nacional
  • 35 de segurança do presidente
  • 49 informações pessoais
  • 16 de atividades de inteligência
  • 23 de outros gêneros

Segundo Carvalho, os pedidos feitos e julgados improcedentes para sigilo serão respondidos inicialmente para quem realizou a questão para, na sequência, ser tornada pública. Ele não deu um prazo exato, mas avaliou que todos devem ser concluídos entre 60 e 75 dias.

Nos quatro anos, o governo Bolsonaro negou 64,5 mil pedidos via LAI alegando sigilo por questões de segurança.

Em tom crítico, Carvalho afirmou que houve um "retrocesso na transparência de acesso à informação" e "banalização" do uso de algumas justificativas.

Eles [governo Bolsonaro] acabaram, de certo modo, utilizando determinadas categorias, ampliando determinadas justificativas para sigilos ou para não conferir o acesso à informação, no nosso entendimento, de maneira desproporcional e desarrazoada.
Vinícius de Carvalho, ministro da CGU

Entre os que estão pendentes, segundo a secretária-executiva da CGU, Vânia Vieira, há casos variados:

Questionado se as informações de Pazuello poderiam a vir a público, ele disse que os julgamentos serão divulgados "nas próximas semanas".

Segundo Carvalho, um dos "principais retrocessos nos últimos anos" foi tomar a parte pelo todo, quando um documento era considerado sigiloso por inteiro por haver uma pequena parte restrita.

Se identificava uma informação ou outra que pudesse ser sigilosa --sigilo bancário ou coisa assim--determinava que um documento inteiro ficava sigiloso. Não é essa a interpretação da lei.
Vinícius de Carvalho, ministro do CGU

"Se há um documento em que se identifica a presença de informações ou dados pessoais cuja sensibilidade merece alguma restrição, esses dados podem e devem ser tarjados. Mas o documento não se torna inteiro sigiloso por conta disso", completou.

Para fazer a análise, a CGU dividiu os sigilos impostos por Bolsonaro em 12 temas, que devem nortear se os sigilos devem ou não ser mantidos — embora não tenham citado casos específicos, esses enunciados já dão um caminho de quais devem ser revelados:

  • Registros de entrada e saída de prédios públicos

A análise diz que são "passíveis de acesso público", com exceções específicas previstas na lei.

  • Registros de entrada e saída de residências oficiais

Devem ser protegidas, com exceção de agendas oficiais ou ao se referirem a agentes privados que vão representar interesses do setor privado.

  • Procedimentos disciplinares de militares

São "passíveis de acesso público", respeitando a privacidade dos servidores. É neste enunciado que entra o caso de Pazuello.

  • Segurança do presidente da República e família

"O sigilo deve se restringir às informações que, de fato, se enquadram nessa categoria."

  • Licitações, contratos e gastos governamentais

"São, em regra, públicas."

  • Abertura de informações 'desclassificadas'

Em caso que não há classificação, após to fim o prazo estabelecido, as informações devem se tornar públicas. "Esse enunciado foi feito porque foi identificada uma série de informações sigilosas cujo prazo já expirou, mas as informações continuam sob sigilo", explicou Carvalho.

  • Títulos acadêmicos e currículos de agentes públicos

"São passíveis de acesso público."

  • Provas e concursos públicos

"São passíveis de acesso público."

  • Telegramas, despachos telegráficos e as circulares telegráficas produzidos pelo MRI (Ministério das Relações Exteriores)

Devem ter acesso restringido apenas quando houver justificativa legal.

  • Informações financeiras a respeito de programas e benefícios sociais

"São de acesso público."

  • Desarrazoabilidade e desproporcionalidade

Não são argumentos para negar informação. Estas justificativas "foram usadas excessivamente", afirmou Carvalho.

  • Informações pessoais.

"O fundamento não pode ser utilizado de forma geral e abstrata para negar pedidos de acesso a documentos ou processos que tenham dados pessoais", visto que eles podem ser ocultados.

Veja os números totais de pedidos via LAI entre 2019 e 2022:

  • 511.994 pedidos
  • 64.571 negados total ou parcialmente
  • 2.510 recorreram e foram para análise pela CGU
  • 1.335 foram mantidas as negativas de acesso

O governo Bolsonaro usava o Artigo 24 da LAI, que as "informações que puderem colocar em risco a segurança" do presidente e sua família "serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato", como argumento.

Com o fim da gestão, as informações já podem ser liberadas, mas o novo governo preferiu que a análise passasse por um crivo externo.

No dia da posse, Lula assinou assinou um decreto em que mandava a CGU reavaliar os sigilos de Bolsonaro, conhecidos popularmente como "sigilos de 100 anos", em até 30 dias, para avaliar se eles tinham base jurídica para serem de fato sigilosos ou não.

Conforme o UOL mostrou após a posse, Lula optou por um decreto que colocava os pedidos à disposição da CGU em vez de um "revogaço" — tão prometido em campanha — por dois motivos:

  • Segurança e eficiência jurídica: um decreto amplo para derrubar os sigilos poderia atingir documentos efetivamente sigilosos, que comprometeriam a administração pública;
  • Evitar críticas políticas: garantir um processo visto como técnico, não como revanchismo.