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Bolsonaro não poderia colocar joias em seu acervo, diz regra do TCU

, Carla Araújo e Graciliano Rocha

Colunistas do UOL

07/03/2023 04h00

Diferentemente do que diz o ofício enviado por um assessor do Palácio do Planalto que está sendo utilizado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro para negar irregularidades no episódio das joias, a legislação em vigor e um acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) não abrem espaço para que o presente da Arábia Saudita fosse incorporado ao acervo pessoal do então presidente.

No ofício datado de 29 de outubro de 2021, o então chefe do gabinete adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal do Presidente da República, Marcelo da Silva Vieira, afirmava que, após análise, os itens seguiriam para incorporação pelo "acervo privado do presidente da República ou o acervo público da Presidência da República".

Pela lei, no entanto, os bens avaliados em R$ 16,5 milhões deveriam ser incorporados ao patrimônio da União, o que nunca foi requerido entre 26 de outubro de 2021, data da apreensão, e 31 de dezembro de 2022, final do mandato de Bolsonaro.

Em vez disso, segundo revelou o jornal O Estado de S.Paulo, houve tentativas de vários órgãos de governo para tentar liberar irregularmente as joias apreendidas no aeroporto de Guarulhos, incluindo o envio de um assessor da Presidência em um avião da FAB no apagar das luzes do governo anterior. No sábado, o UOL publicou reportagem que mostrava que, após as tentativas de liberação darem errado, a cúpula da Receita fez pressão sobre funcionários de Guarulhos para devolverem as joias à Arábia Saudita, o que também não tem previsão legal.

O ofício de Marcelo Vieira foi publicado pelo ex-secretário de comunicação Fábio Wajngarten, no Twitter, como meio de sustentar que não havia irregularidades no recebimento do conjunto de joias. Na verdade, a providência a ser tomada (pedido para a incorporação ao patrimônio da União) nunca ocorreu.

Presentes para o presidente e o seu acervo privado são regulamentados pela Lei nº 8.394/1991 e o decreto nº 4.344/2002. Pela lei, todo presente de governo estrangeiro deve, a rigor, ser incorporado ao patrimônio público, com poucas exceções, como determinados documentos e itens de consumo, como alimentos e bebidas.

Pelo texto do decreto, acervos privados são compostos unicamente por documentos, mas uma ambiguidade na redação permitiu que a interpretação do dispositivo fosse esticada para abranger outros itens recebidos em "troca de presentes com chefes de Estado".

A questão do que pode ou não ser parte do acervo privado do presidente foi resolvida pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que em 2016 realizou uma auditoria sobre o acervo do então ex-presidente Lula.

À época, o petista foi alvo de uma ação da Polícia Federal, autorizada pelo então juiz Sergio Moro, que apreendeu milhares de itens recebidos em seu mandato, entre 2003 e 2010, que estavam num depósito da empresa Granero, em São Bernardo do Campo. O caso não teve consequência jurídica porque Moro foi considerado suspeito nos processos envolvendo Lula.

Após a auditoria, o TCU firmou entendimento mais restritivo quanto ao que pode ser adicionado ao acervo privado do presidente e o que deve necessariamente ser incorporado ao patrimônio da União.

Pelo entendimento do TCU, só podem ser levados pelo presidente no final do mandato "itens de natureza personalíssima" (como medalhas e honrarias concedidas em solenidades no Brasil e no exterior) ou produtos de consumo direto, como roupas, alimentos ou perfumes. Itens presenteados por governos estrangeiros devem ser incorporados ao patrimônio da União.

Militar da Marinha, Marcelo da Silva Vieira, quando chefiava o gabinete adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal do Presidente da República, não enviou pedido à Receita Federal para a incorporação das joias apreendidas ao patrimônio da União, segundo fontes do fisco disseram ao UOL. Ele foi exonerado pelo novo governo em 1º de janeiro.

Nesta segunda (6), o UOL conseguiu falar com Vieira por telefone.

"Não tenho nada para falar com o UOL. Eu não tenho nada a esclarecer. A senhora pode respeitar a minha vida privada. A minha vida privada é só minha", disse, com rispidez.

"Quanto a qualquer dúvida que a senhora tenha quanto à documentação, procure o órgão pertinente. Quem [me] substituiu tem competência para responder. Quem assumiu a função, assumiu esse ônus também", falou, diante da insistência.

A reportagem pretendia perguntar por que ele não pediu à Receita Federal a incorporação das joias diretamente para o patrimônio da União e não ao acervo privado de Bolsonaro, como estabelece o acórdão do TCU.