Sobrecarga da pandemia impactou 6 a cada 10 mulheres envolvidas na política
A professora e deputada estadual suplente pelo PT em Minas Gerais, Adriana Souza, sentiu o impacto da pandemia de covid-19 na atuação política nos últimos três anos. "Em momentos de sobrecarga, quando você precisa abrir mão de alguma coisa é sempre da participação política", diz.
Mais de 6 a cada 10 mulheres que buscaram participar da política institucional passaram a ser responsáveis pelo cuidado de alguém durante a pandemia, segundo a pesquisa "Combatendo a sub-representação de gênero e raça na política", realizada entre 2020 e 2022 pelo projeto A Tenda das Candidatas — e obtida com exclusividade pelo UOL.
Entre as mulheres negras, 7 a cada 10 foram responsáveis por atividades de cuidado. Isso, de acordo com elas, impactou na carreira.
Hannah Maruci, diretora da Tenda das Candidatas e doutoranda em ciência política pela USP, diz que "houve intensificação desse cuidado" percebida nos cursos de formação política realizados pela Tenda das Candidatas durante os períodos mais críticos da pandemia.
"Era muito comum mulheres não conseguirem comparecer às aulas porque tinham que cuidar dos filhos", afirma.
Mãe de um adolescente de 18 anos e duas meninas, de 12 e 5, Adriana conta que foi questionada sobre o tempo que dedicava à política, "como se estivéssemos tirando o tempo de dedicação à família". "Os homens na política não são questionados", compara.
Durante a pandemia, ela ficou com os três filhos em casa. "Tive de me organizar para montar as minhas aulas, acompanhar as aulas online dos meus filhos e fazer as minhas aulas de formação. Foi um período de muita sobrecarga."
Para não desistir, Adriana contou com o apoio da mãe, do ex-marido e da sogra. "Sem isso, não conseguiria."
Na disputa da agenda familiar com a política, tive de desmarcar a agenda política várias vezes porque tem coisas que só a mãe resolveria. Essas atividades competem muito e acabamos assumindo a maternidade como algo que dificulta a vida política."
Adriana Souza (PT-MG), professora e deputada estadual suplente
Essa tripla jornada — de maternidade, trabalho fora de casa e a atividade política —, impediu Adriana de disputar vagas na política institucional em 2020. "Me organizei para concorrer no ano passado. Se tivesse tido condições, com certeza, teria concorrido antes."
Entre as mulheres que declararam terem sido responsáveis pelo cuidado de outra pessoa durante a pandemia, 60,3% são mães. O percentual aumenta um pouco entre as negras — 62,7%.
Além da sobrecarga agravada pela pandemia, dificuldades históricas também são mencionadas na pesquisa. Em 2021 e 2022, 64% das entrevistadas citam a falta de recursos na campanha eleitoral e 36% afirmaram que sofreram violência política.
Mais da metade das mulheres afirma ter tido problemas com o partido. "Há uma ausência de informações sobre direitos. Apesar dos avanços, os partidos não são instâncias que apoiam as candidaturas de mulheres. É uma trajetória muito solitária com diversos impactos, entre eles, o psicológico", diz Adriana.
A coordenadora da Tenda afirma que a violência política se mostrou presente nos anos de 2020 e 2022 de formas diferentes. "A polarização e a liberalização do ódio marcaram o ano passado com a intensificação das ameaças, mas em 2020 havia uma violência que se agravou com o isolamento social."
Segundo Maruci, muitas mulheres foram apartadas das decisões partidárias sob a justificativa do isolamento social.
"As candidatas não eram chamadas para as reuniões, eram excluídas de encontros informais, o que dificultava ainda mais o acesso às lideranças partidárias", diz.
Lavradora, mulher negra, mãe solo e quilombola, Antônia Cariongo, 43, diz que a pandemia foi o momento mais difícil de sua vida. "Tive que enfrentar um cálculo renal e esperar por uma cirurgia. Minha militância se tornou só pelo telefone."
Recuperada, no ano passado, ela, que vive em um quilombo localizado no município de Santa Rita, no Maranhão, disputou uma vaga ao Senado — contra quatro candidatos homens. A primeira agressão, no período de campanha, foram as notícias falsas.
"Fizeram várias falas discriminatórias, acusando minha candidatura de laranja. Disseram que eu jamais levaria minha candidatura até o final."
Apesar de não ter sido eleita, ela comemora o resultado. "Tive mais de 34 mil votos e me senti muito vitoriosa, consegui sair com o psicológico mais forte."
A política para mulheres não é um espaço fácil, a gente sai com esses choques e traumas que pesam se você quer permanecer."
Antônia Cariongo (PSOL-MA), quilombola
Quem são as mulheres candidatas
A pesquisa reuniu informações de 779 mulheres que buscam atuar na política institucional. Mais da metade das entrevistadas é negra (53,9%), seguida de brancas (37%) e indígenas (1,3%).
Em 2021 e 2022, 74,7% faziam parte de um grupo, associação ou coletivo. Com esse perfil, o estudo constatou que há mais mulheres negras engajadas em grupos —são 81,4% enquanto brancas equivalem a 64,1% e indígena, 70%.
"Isso indica que as mulheres fazem política por necessidade, as mulheres negras se articulam nas comunidades por necessidade porque elas se responsabilizam, por exemplo, pela segurança alimentar nas comunidades. Já existe uma articulação sem a pretensão de se colocar na política eletiva", afirma a coordenadora da Tenda das Candidatas.
Apesar de a maior parte participar de atividades nos bairros e comunidades, 27,2% delas disseram não se enxergar como uma liderança política —o que, segundo a pesquisa, "evidencia um descompasso entre a importância que ocupam desses espaços e a autopercepção".
"Sabemos da sub-representação das mulheres na política, mas sem saber onde estão os gargalos é muito difícil incidir sobre a legislação e justificar a necessidade de ações afirmativas é importante que esses dados existam", diz Maruci.
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