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'Só fui fazer um trabalho', diz motorista de ônibus apreendido após 8/1

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Do UOL, em Brasília

12/03/2023 04h00

Odair José Vitali, 49, recebeu uma mensagem no WhatsApp de sua empresa de transporte com um pedido de orçamento saindo de Paranaguá, no Paraná, em direção ao quartel-general do Exército em Brasília para o final de semana do dia 8 de janeiro.

Na conversa, uma secretária combina o orçamento em nome de um superior e avisa: "Meu chefe está alugando apenas um [ônibus]. Ele tá bem envolvido com Bolsonaro rsrs".

Se soubesse que estava levando dezenas de manifestantes que defendiam um golpe, com direito à invasão e à destruição de prédios dos três Poderes, Odair afirma que não teria topado a viagem.

Depois do ataque, ele e outros motoristas tiveram seus ônibus apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal, a pedido do STF (Supremo Tribunal Federal), e tentam lidar com o prejuízo.

Uma viagem que a gente saiu a trabalho... Se passasse um mosquito falando que iria acontecer tal coisa, jamais iria levar. Minha empresa não tem lado partidário."
Odair José Vitali, 49, motorista e dono de uma empresa de transporte

O UOL conversou com seis motoristas de ônibus que relatam como perderam seu "ganha-pão" por causa do ato golpista. Eles lamentam o episódio e afirmam ter colaborado com a Justiça, já que afirmam nem ter ideia do que iria acontecer.

Muitos deles possuem empresas familiares e pequenas. Dizem estar com contas atrasadas e sem poder usar seu principal instrumento de trabalho.

No caso de Odair, a empresa é composta por ele, a mulher e dois filhos. "Era meu principal ônibus, que dava sustento para mim e meu filho. Dependíamos do ônibus e estamos praticamente gastando o resto da economia que a gente tinha. Faturava, por mês, uma média de R$ 50 mil a R$ 70 mil brutos [sem contar os gastos com contas, impostos e manutenção dos veículos], e agora zerou", disse.

O motorista e empresário Éverton João Alves da Silva, 37, de Praia Grande, no litoral de São Paulo, não descarta que haja motoristas que foram por vontade própria levar os manifestantes, mas afirma que não era o caso de 90% dos trabalhadores ali.

"Foram contratados de uma forma legal e foram fazer um trabalho. Eu tenho certeza que, por se tratar de empresa pequena, eu não vou ceder meu ônibus para um partido. Digo que 90% reprovaram esse ato e que foram para ganhar dinheiro. É nossa necessidade", conta.

Até uns dias antes, teve o cortejo do Pelé e minha empresa foi contratada para fazer a comitiva. A gente é apartidário."
Éverton João Alves da Silva, 37, empresário e motorista de ônibus

Odair relembra que, há alguns anos, levou para Curitiba um grupo de apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que então estava preso na Superintendência da Polícia Federal. "Se for para falar em Bolsonaro e Lula, na época em que Lula esteve preso, eu fui buscar pessoal do MST lá perto de Laranjeiras do Sul [a mais de 300 km da capital paranaense]. Ficaram em Curitiba acampados em frente à sede da Polícia Federal por 15 dias. Eu fui buscar e fui levar."

O processo sobre os atos golpistas corre em sigilo. Até o momento, a AGU (Advocacia-Geral da União) já denunciou dezenas de financiadores de caravanas e dos acampamentos em frente ao Exército, onde as pessoas tramaram a invasão.

Milena Caixeta, que defende donos das empresas de ônibus, relata a apreensão e o dano psicológico causados aos clientes pela falta de dinheiro.

Ninguém esperava passar por essa situação. O que até então seria mais uma viagem acabou virando um grande problema."
Milena Caixeta, advogada de donos de empresas de ônibus

"Eu acredito que não haja mais necessidade de ficarem apreendidos os veículos. Pelo menos meus clientes apresentaram documentação completa dos veículos, não existem pendências, foi apresentada lista de passageiros, comprovantes de contrato, conversas com as pessoas que contrataram os veículos. Como todas as provas já estão dentro do processo, não há necessidade de os veículos permanecerem presos", afirmou Caixeta.

Procurado pela reportagem, o Supremo Tribunal Federal afirmou que os veículos continuarão apreendidos enquanto for necessário para as investigações.