Após denúncias do UOL, universidade diz não saber se pagou fantasmas
Relatório da Uerj diz que não há como saber se a instituição pagou bolsas de até R$ 34 mil a pessoas que não trabalharam em projetos de pesquisa financiados com mais de R$ 350 milhões do governo Cláudio Castro (PL).
Conclusão reforça suspeitas
- Investigação interna foi deflagrada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro após reportagens do UOL terem mostrado uso político e contratação de bolsistas fantasmas em quatro projetos com folhas de pagamento secretas.
- Suspeita de desperdício de dinheiro público. Ao admitir que não havia controle sobre o trabalho dessas pessoas, a comissão que investigou os projetos reforça indícios de dano ao erário.
- O UOL apurou que essa falta de controle constatada dá fôlego a apurações em andamento do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
- Recuperação do dinheiro da universidade. Os responsáveis podem ser obrigados a devolver os recursos gastos sem a comprovação dos serviços e até responder por improbidade administrativa.
O que diz o relatório da Uerj
A falta de critérios objetivos para aferição, controle e quantificação do trabalho realizado por cada colaborador [dos projetos de pesquisa] não permite inferir se houve pagamentos a pessoas que não tenham efetivamente trabalhado.
Trecho do relatório interno da Uerj
- Elaborado por três servidores indicados pela reitoria, o relatório de 16 páginas afirma --sem dar detalhes-- que todos os coordenadores dos projetos garantiram a prestação de serviços pelos contratados.
- O mesmo foi dito pelos próprios --apenas dois apresentaram documentos, também não divulgados. Ou seja, de forma geral, as provas apresentadas foram somente os testemunhos dos envolvidos.
- Foram constatadas falhas na produção de planos de trabalho, relatórios, folhas de pagamento e prestação de contas dos projetos.
- Não havia padronização nos valores pagos, que chegaram a R$ 34 mil mensais.
- Houve falha no controle da prática de nepotismo. Mas a prática foi descartada nos casos analisados.
Fantasmas confessos não foram ouvidos
A comissão também relata não ter ouvido nenhum dos cabos eleitorais fantasmas de dois deputados bolsonaristas contratados pela Uerj, revelados em reportagem do UOL.
Segundo o relatório, foram tentados depoimentos de três desses cabos eleitorais contratados pela Uerj, mas eles não foram localizados. Com isso, foi colhido apenas o relato da professora Eloiza da Silva Rocha Gomes, coordenadora-geral do projeto em questão.
O relatório não traz qualquer referência ao controle dos serviços prestados nesse projeto, voltado ao aperfeiçoamento profissional de jovens.
A docente afirmou que a seleção dos contratados ocorreu por meio de análise curricular, seguida de entrevista.
Há pessoas ali [nas folhas de pagamento] que fizeram trabalhos temporários. Foram avaliadas e houve devolução de recurso, inclusive. Foram selecionadas, sim. Foram avaliadas, sim. E quem não se adequou corretamente às tarefas que lhe eram atribuídas saiu da folha.
Eloiza da Silva Rocha Gomes, professora da Uerj
Parentes de procurador da Uerj
A contratação de pessoas ligadas a Bruno Garcia Redondo, procurador da Uerj, foi o tema mais discutido na sessão do Conselho Universitário, na qual o relatório foi apresentado ontem.
O UOL revelou que o procurador e 17 pessoas ligadas a ele —sua esposa, parentes dela, ex-sócios e até um ex-personal trainer— receberam R$ 5 milhões em bolsas nos projetos com folhas secretas.
A comissão descartou nepotismo pelo fato de Redondo e a advogada Fernanda de Paula Oliveira só terem casado no civil em dezembro de 2022 —a reportagem mostrou, contudo, que eles celebraram casamento religioso um ano antes e já se relacionavam ao menos desde o início de 2021.
No entanto, houve conselheiros que criticaram a forma como o caso foi tratado e cobraram a abertura de investigação interna.
Temos todos os indícios que ele [Redondo] tem influência sobre a contratação de seus amigos e sua família. E isso fere dois princípios básicos: moralidade e impessoalidade. Espero ver isso tratado com o rigor de um processo disciplinar. (...) A sociedade não aceita mais esse tipo de conduta.
Lúcia Helena Salgado, professora da Uerj
Ao comentar o caso, o professor Carlos Eduardo Guerra de Moraes disse que é necessário que a universidade dê publicidade às contratações e faça processos seletivos públicos.
Esse fato comporta várias leituras (...) Pode ser que sob uma análise estritamente legal, alguém diga: 'Foi tudo legal'. Agora, alguém pode dizer: 'Isso é estranho'.
Carlos Eduardo Guerra de Moraes, um dos autores do relatório
As recomendações da comissão
- O relatório não aponta responsabilidade do ex-reitor Ricardo Lodi, responsável por firmar as parcerias com o governo Castro, nem da atual administração da Uerj, que só suspendeu os projetos em dezembro, após as reportagens do UOL.
- O documento pede que o resultado das investigações seja encaminhado para a Procuradoria-Geral da Uerj para análise da existência ou não de danos ao erário e medidas judiciais cabíveis para ressarcimento dos cofres públicos.
- A comissão solicita que a Auditoria-Geral da Uerj abra apuração sobre os gastos de quatro projetos, mencionados nas reportagens, assim como a corregedoria avalie se abre investigação sobre a participação de servidores.
- O relatório também deve ser enviado ao MP e ao TCE, que apuram as suspeitas em torno desses programas.
Nós tomamos todas as providências que poderiam ser tomadas seguindo os trâmites legais. Não haverá possibilidade de impunidade para qualquer um que tenha cometido algum ato ilícito nesse processo. Mas ninguém será punido sem que tenha toda a oportunidade de se defender.
Mario Sergio Alves Carneiro, reitor da Uerj
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