Julgamento virtual do 8/1 desagrada advogados e pressiona presidente da OAB
O julgamento em plenário virtual dos réus pelos atos golpistas de 8 de janeiro tem desagradado advogados e uma ala de conselheiros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que pressionam o presidente da entidade, Beto Simonetti, a ter uma atitude mais "enfática" junto ao Supremo Tribunal Federal.
O que aconteceu
A principal queixa é que o julgamento dos casos no plenário virtual reduz prerrogativas da defesa dos réus e que as medidas adotadas pela OAB não surtiram efeito em reverter esse prejuízo.
No modelo virtual, as sustentações são gravadas e enviadas à Corte, em vez de serem feitas ao vivo. Advogados também não podem tirar eventuais dúvidas dos ministros e não há debate entre os magistrados.
Embora a polêmica se arraste há anos, o uso da plataforma para julgar ações penais foi visto como uma bomba que finalmente explodiu.
Agora, o grupo pressiona Simonetti a tomar uma iniciativa mais firme junto ao Supremo.
Para esta ala, o perfil mediador e diplomático do presidente da OAB foi infrutífero nas conversas com os ministros do STF, que não planejam rever o plenário virtual.
"Eu sei que o presidente Beto esteve com o relator [o ministro Alexandre de Moraes], mas o relator não se sensibilizou com a conversa. Acho que a OAB deveria se empenhar mais em um tema tão caro para nós advogados e para a própria cidadania. Devido processo legal não é um luxo", afirmou o criminalista Alberto Toron, que atualmente está licenciado do cargo de conselheiro federal da entidade e tem vocalizado as queixas.
Por mais importante que seja conversar, e concordo com ele [Simonetti] sobre isso, acho que esses meios diplomáticos já se esgotaram.
Alberto Toron, advogado criminalista e conselheiro licenciado da OAB
Aliados veem tentativa de desgaste
Interlocutores de Simonetti minimizam a pressão e enxergam uma tentativa de desgaste do presidente da entidade por uma parcela pequena de advogados e conselheiros. Para esses aliados, Simonetti tem feito o que pode dentro de suas prerrogativas.
É citado, por exemplo, o ofício enviado à então presidente do STF, Rosa Weber, em setembro, logo após o ministro Alexandre de Moraes, relator das ações penais, incluir os casos no plenário virtual.
No documento, Simonetti afirmou que a advocacia não é contrária ao uso da plataforma, desde que tenha a anuência dos advogados dos réus. Sem esse aval, a discussão deveria ser presencial para assegurar o direito de defesa.
"O julgamento presencial reveste-se de um valor inestimável em prestígio à garantia da ampla defesa, assegurando aos advogados a oportunidade de realizar sustentação oral em tempo real e, igualmente importante, possibilitando o esclarecimento de questões de fato oportunas e relevantes", escreveu.
Simonetti ainda foi pessoalmente ao Supremo conversar com Moraes para reforçar o pedido.
Para aliados de Simonetti, o descontentamento com o presidente da OAB ignora que o próprio já "mandou recados" à Corte em outras oportunidades, como na posse do ministro Roberto Barroso, no final de setembro.
Na cerimônia, Beto afirmou que tem uma "luta permanente" contra abusos contra a advocacia, citando como exemplos a negativa de audiências e a defesa da sustentação oral presencial.
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Quero receberÉ preciso que o STF faça valer o respeito aos direitos e garantias do cidadão e, para isso, a advocacia é essencial e indispensável, como determina a Constituição da República.
Beto Simonetti, presidente da OAB em discurso na posse de Barroso
Em nota, a diretoria do conselho federal da OAB afirmou que a entidade tem "atuação permanente" contra violações de prerrogativas e que Simonetti tem ido pessoalmente ao Supremo para despachar com os ministros sobre o tema. Diz ainda que a Ordem está empenhada em garantir as defesas orais presenciais dos advogados.
A Ordem acredita que a forma correta de fazer essa cobrança é por meio do diálogo e do respeito às instituições, e não do vandalismo. A OAB existe para defender a advocacia e a Constituição e não admite ser usada para a defesa dos clientes dos advogados.
Diretoria do Conselho Federal da OAB, em nota
STF não deve mudar modelo tão cedo
Em meio à pressão de advogados, o Supremo não dá sinais de que irá retirar os casos do 8 de Janeiro do plenário virtual.
Em ofício enviado à OAB e obtido pelo UOL, Moraes afirmou que o julgamento do plenário virtual "garante integralmente a ampla defesa e o contraditório, em absoluto respeito ao devido processo legal".
Por essa razão, o ministro disse que não há razões para reconsiderar a decisão de levar os casos ao plenário virtual. Até hoje, 17 réus foram condenados em julgamentos na plataforma.
Um ministro do Supremo disse em caráter reservado ao UOL que não vê problemas no formato e que o modelo "veio para ficar".
Já o presidente do STF, ministro Roberto Barroso, tem dito aos colegas que a condução do processo é de responsabilidade do relator, ministro Alexandre de Moraes. Por isso, se Moraes mantiver os processos no plenário virtual, é lá que as ações serão discutidas.
Eu acho que a OAB está no papel dela. As pessoas e as instituições às vezes têm papéis diferentes, mas eu pessoalmente acho que o julgamento em plenário virtual, ao contrário do que se supõe, não interfere no direito de defesa.
Luís Roberto Barroso, presidente do STF em entrevista coletiva no início do mês
Dentro do tribunal, o uso do plenário virtual é visto como uma forma de desafogar as sessões presenciais do Supremo. Somente o julgamento de três ações penais custou um dia inteiro de trabalho, incluindo uma sessão extraordinária convocada durante a manhã —algo incomum na Corte.
Como há mais de 200 ações penais, o julgamento presencial de cada uma delas poderia trancar a pauta do STF por meses. O caso do mensalão, por exemplo, envolveu 38 réus e levou 69 sessões para ser concluído, paralisando completamente as demais discussões.
Em nota, o STF afirmou que o plenário virtual aumentou a quantidade de decisões colegiadas da Corte e reduziu o número de decisões monocráticas, além de ser uma plataforma "absolutamente transparente e democrática". O tribunal cita, por exemplo, que advogados podem apresentar questionamentos durante a sessão virtual e isso ficará registrado nos autos do processo.
"E, mesmo com um sistema transparente e que permite maior acesso à Justiça, o Supremo tem ouvido sugestões e está aberto a contribuições da sociedade para se aprimorar. O próprio plenário virtual tem passado por aprimoramento constante e há estudos em andamento para implantar melhorias", disse o STF.
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