Tarcísio turbina agenda para vender Sabesp, mas apagão complica negociações

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), intensificou encontros com prefeitos e deputados estaduais nos últimos meses para acelerar a privatização da Sabesp e garantir a aprovação da proposta até dezembro na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Entretanto, o apagão causado pelas chuvas do último dia 3 que deixou mais de 2,1 milhões de pessoas sem luz e provocou uma série de prejuízos complicou o cenário das negociações.

O que aconteceu

Tarcísio teve 21 reuniões com deputados estaduais entre agosto e outubro, contra 8 nos sete primeiros meses do ano. O número de encontros com prefeitos também cresceu: foram 35 entre agosto e outubro, contra 16 nos sete primeiros meses do ano.

Apagão após tempestade complicou o debate sobre a privatização. Na opinião de deputados estaduais, as falhas no serviço prestado pela Enel tornaram mais evidente a necessidade de regras claras a serem seguidas por quem assumir a Sabesp após a privatização e também serviram de munição para a oposição, que é contrária à venda da empresa.

O governador tem buscado desvencilhar a crise da Enel da proposta da Sabesp. Ao defender a proposta, Tarcísio disse que o contrato feito para o processo não será "frouxo". Um dos argumentos do político é que, no modelo de privatização da Sabesp, o governo vai manter uma participação na empresa.

O paralelo entre as duas empresas não se restringiu à esquerda. Em publicação no X (antigo Twitter) no dia 4, o advogado Fábio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo Bolsonaro, disse que o país seguirá sendo "colônia" enquanto conceder serviços a grupos "incompetentes", em alusão à venda da Sabesp.

Aliado do governo admite dificuldades, mas nega maiores problemas. Segundo o deputado Thiago Auricchio (PL), "chiadeira" é pontual e aprovar privatização, transferência de verba da educação para saúde e outros textos é importante para aumentar "conforto orçamentário" do governo e apoio de Tarcísio a deputados.

O que eu vejo é um Parlamento muito motivado. Até entendo a posição de cautela, mas estou extremamente confiante de que estamos construindo excelente diálogo. É um projeto importante para o Estado, um daqueles que deixa legado. Tarcísio de Freitas, em entrevista coletiva realizada em 17 de outubro

Deputados cobram gestos de Tarcísio; oposição questiona tramitação

A agenda turbinada de Tarcísio não se refletiu em contrapartidas. Deputados estaduais ouvidos pelo UOL relatam que, apesar de explicar as vantagens da privatização da Sabesp nos encontros, o governador não se comprometeu a apoiar ações locais dos parlamentares, ceder cargos ou prover outros tipos de ajuda em troca da aprovação do texto.

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Um almoço para tratar sobre o tema não teve espaço para perguntas. O encontro com 56 deputados estaduais no Palácio dos Bandeirantes no dia 17 de outubro teve promessa de R$ 11 milhões em emendas para cada um e explicações sobre as vantagens da privatização por Tarcísio. Quando Natália Resende, secretária do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, terminou sua apresentação, a comida já estava servida, o que inviabilizou perguntas sobre o que havia sido explicado.

Governo confirma que discutiu privatização da Sabesp com prefeitos e deputados estaduais. De acordo com o Executivo, reuniões serviram para apresentar "as premissas da desestatização" e investimentos necessários para universalização do saneamento até 2029. A última delas aconteceu na segunda-feira (6), já em meio ao apagão, com apelos de Tarcísio para liquidar o assunto até o fim do ano. Caso os deputados estaduais deem seu aval, o governador poderá tocar a venda de ações da empresa.

Aliado de Tarcísio, presidente da Alesp tenta acelerar a tramitação. André do Prado (PL) convocou na quarta-feira (8) o Congresso de Comissões para debater o tema. O colegiado é estratégico porque reúne diversas comissões ao mesmo tempo, sem que o texto precise passar por cada uma delas separadamente.

A oposição questiona a tramitação de urgência do projeto e tenta arrastar a discussão para 2024, porque acredita que as eleições municipais vão "esfriar" o assunto. Deputados como Paulo Fiorilo (PT) querem que o texto passe por todas as comissões da Alesp. Eles consideram a situação inconstitucional, embora o governo negue isso publicamente.

Membros da oposição têm recorrido à Justiça para resolver o caso. Um mandado de segurança para barrar a privatização capitaneado pelo deputado Emídio de Souza (PT) foi protocolado na quarta-feira (8). Nesta semana, o bloco já conseguiu ganhar tempo, depois que a Justiça suspendeu audiência pública que discutiria a privatização. PT e PSOL também levaram o caso ao STF, onde está sob relatoria do ministro André Mendonça. Parlamentares contam com uma rusga entre o ministro e Tarcísio para frear o processo — o governador preteriu o candidato de Mendonça ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) e indicou um aliado de Gilberto Kassab (PSD), seu secretário de Governo, ao cargo.

Governo sinaliza fraqueza ao não aprovar texto por falta de quórum. No último dia 31, a base aliada não reuniu o número necessário de deputados para aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 3 de 2023, que estabelecia mudanças nas regras tributárias do estado.

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Texto não passou porque havia deputados de licença, diz aliado. Segundo Auricchio, a tendência é que a PEC seja aprovada em nova votação nos próximos dias.

Documento assinado em agosto viabilizou privatização

Projeto de privatização da Sabesp revê que o Estado mantenha poder de veto sobre alguns pontos
Projeto de privatização da Sabesp revê que o Estado mantenha poder de veto sobre alguns pontos Imagem: Ilton Rogerio/Getty Images

Governo quer diminuir participação na Sabesp de 50% para até 15%. O projeto de privatização prevê que o Estado mantenha poder de veto sobre alguns pontos e cria um fundo para universalização do saneamento, que será usado para subsidiar a tarifa e financiar ações de saneamento básico — entre outras finalidades.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), incorporou cidade à Unidade Regional de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário Nº1. Assinada em 16 de agosto, a medida permite que os serviços paulistanos sejam negociados juntos com os de outras cidades — o que viabiliza economicamente a privatização, dizem especialistas.

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