Fui massacrada, diz presidente de comitê que indicou mulher de líder do CV

Natividade Maia, presidente interina do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas, afirma que tem sido 'massacrada' após selecionar Luciane Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, apontado como líder do Comando Vermelho no estado, para ir a um evento oficial em Brasília.

O que aconteceu

As pressões contra Natividade Maia tem vindo por parte da imprensa, pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania. "Há uma pressão psicológica e uma violência verbal contra minha honra, o que atinge minha integridade moral e psicológica", afirma.

A advogada afirma que Luciane Farias chegou a se desculpar pelo "inconveniente" após a repercussão de sua viagem a Brasília. Luciane e Natividade foram fotografadas juntas na ocasião do evento que reuniu os comitês estaduais de combate e prevenção à tortura, organizado pela pasta de Silvio de Almeida.

A presidente interina do comitê amazonense afirma que governo federal e estadual "empurraram" as responsabilidades sobre a participação de pessoas no evento realizado pela pasta. "Percebo que todo mundo está empurrando um para o outro. Me sinto bastante desprestigiada porque ninguém ligou para mim para saber [como ocorreu o processo de seleção]."

Apesar disso, ela afirma que as visitas de Luciane a Brasília não terão impactos sobre as atividades do órgão. "Não sinto que vou ter um prejuízo com isso", diz. Natividade afirma que caso Luciane seja excluída do comitê, outro processo seletivo será realizado para preencher a vaga.

Isso me atinge fortemente porque sempre pautei minha conduta em pilares da ética e respeito à lei e aos direitos humanos e essas falas descontextualizadas, sem compromisso com a verdade, maculam e destroem a vida de uma pessoa.
Natividade Maia, presidente interina do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas

Juntas no avião para Brasília

Natividade afirma que conheceu Luciane pessoalmente quando ambas viajaram juntas para Brasília no dia 5 de novembro. "Eu a conhecia a partir do momento que se encerrou o processo seletivo [para entidades que integrariam o comitê]. Fiquei assustada quando ela me disse que foi condenada, mas logo ela disse que foi absolvida."

A presidente do comitê também diz que teve receio de ser fotografada com Luciane. "Fiquei com receio de tirar foto, mas aí eu a deixei postar porque pensei: 'Que mal tem tirar foto com uma pessoa'?"

Continua após a publicidade

A advogada disse ainda que familiares de pessoas presas "dividem a pena" com privados de liberdade. "Condenar uma pessoa sem uma análise jurídica é muito cruel. A criminalização de familiares de presos é muito normalizada. Reduzir o interesse de uma pessoa a um interesse criminoso é muito cruel."

No voo a Brasília, Natividade conta que orientou Luciane a participar das salas temáticas do Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos Estadual de prevenção e Combate à Tortura, registrar palestras que considerasse mais importantes para compartilharem depois. "Dentro do avião, perguntei dela, do marido. Ela disse que sentiu necessidade de criar o instituto para formalizar as coisas e ser mais ouvida", diz.

Durante a conversa, Luciane comentou que formalizou o casamento para conseguir visitar o marido na unidade prisional. Ela também teria falado sobre a filha que faz acompanhamento psicológico, segundo a advogada.

No evento, a presidente do comitê diz que Luciane escolheu falar sobre três problemas do sistema prisional do Amazonas: as revistas íntimas impostas às crianças, as distâncias percorridas por mulheres de presos em dias de visita e a proposta de criar uma cartilha com orientações para familiares de presos. "Ela não teve nenhuma fala sobre faccionados."

Indicação de Luciane para viajar

Em abril de 2023, um edital para seleção de entidades e representantes da sociedade civil no comitê foi criado. Nesse processo, a Associação Instituto Liberdade do Amazonas esteve entre as entidades selecionadas. "Não tivemos a impugnação de ninguém. Os documentos estavam todos perfeitos."

Continua após a publicidade

Natividade afirma que, entre os documentos, foi solicitada uma certidão criminal dos membros indicados. "Ficaram cinco instituições da sociedade civil com documentos totalmente regulares. Elas assumiram, só não foram empossadas. Em agosto, concluímos e publicamos as instituições escolhidas."

Em outubro, Natividade diz que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidade enviou um convite para a participação no encontro nacional dos comitês. "Tinha que ter dois membros, um do estado e outro da sociedade civil, o Ministério pagaria a passagem e a hospedagem para o membro da sociedade civil, já que são instituições sem recursos. Essas duas pessoas iriam representar o comitê lá."

Os membros foram eleitos, mas não foram empossados, segundo a presidente do órgão. "Pessoas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania disseram que não teria problema escolher um dos eleitos." Natividade diz que usou como critério para escola um instituto que nunca havia participado do encontro e que o titular pudesse participar."

Nosso regimento interno permite que tenhamos membros convidados para falar com expertise em casos pontuais. Por isso, avaliamos a situação e o contexto, mais ainda sendo uma orientação pelo Ministério, e todos os critérios do edital estão sendo cumpridos.

Mudanças sobre o comitê

Natividade disse que viu as notícias sobre Luciane com preocupação. "Não tenho como prever o impacto disso, membros me instaram, e minha posição foi simples, dizer que a instituição se submeteu a um processo seletivo, não há nada que desabone a conduta dela até o momento. Todos os requisitos do edital foram cumpridos. Dentro do comitê, a situação dela não muda em nada."

Continua após a publicidade

O que pode acontecer é Luciane não ser nomeada como uma das representantes do comitê. O risco da exclusão de pessoas da sociedade civil, segundo a advogada, é de o órgão passar a ter em sua maioria integrantes do estado.

O Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas foi criado por meio de um decreto, em 2016. O órgão é composto por 25 membros, 12 representantes da sociedade civil, 12 do estado e um da OAB. "Essa balança sempre pesou mais para o lado do estado", diz Natividade.

A advogada afirma que grande parte das denúncias que recebem são contra agentes públicos. "Os torturadores são quase em sua totalidade agentes públicos, e entre eles, quase todos no sistema prisional."

Natividade assumiu a presidência do comitê de forma interina em abril desse ano. "Reclamei que só tinham membros do estado, eu sou da OAB. Gostaria de fazer a eleição. Conseguimos estender minha presidência até a posse dos novos membros da sociedade civil."

Luciane diz que deixou comitê

No fim da tarde de sexta-feira (17), Luciane confirmou a saída do comitê estadual. Segundo ela, a decisão foi tomada para evitar que "atos" atinjam "aqueles que precisam do trabalho" do órgão.

Continua após a publicidade

Diante dos últimos acontecimentos que violam meu direito constitucional à presunção de inocência e transferem para minha pessoa a condenação de terceiros, resolvi retirar minha candidatura ao cargo de membro suplente pelo Instituto Liberdade.
Luciane Farias

Luciane diz que está abalada e precisa se recuperar. "Irei me restabelecer emocionalmente, cuidar das minhas filhas que foram também atingidas pela mesma violência que eu e priorizar a luta pela minha absolvição."

Deixe seu comentário

Só para assinantes