Fim da 'saidinha' reduz chance de preso deixar o crime, dizem especialistas

O fim da "saidinha" em datas comemorativas prejudica o retorno do preso à vida em sociedade, reduz as chances de que ele abandone o crime e torna as prisões mais inseguras, de acordo com especialistas ouvidos pelo UOL.

O que aconteceu

Especialistas veem prejuízo à ressocialização do preso. O fim da "saidinha" prejudicaria a reinserção do preso na sociedade, favorecendo o retorno ao crime, de acordo com especialistas ouvidos pelo UOL. Eles também apontam que a mudança pode piorar as já precárias condições das prisões, com risco de rebeliões.

A solução, dizem os pesquisadores, é fiscalizar melhor, e não proibir a saída temporária. Argumentam que há falhas, mas numa proporção baixa e causadas por falta de dinheiro para fiscalizar.

O Senado votou pelo fim das chamadas "saidinhas" de presos em datas festivas. Agora, o texto volta para a Câmara.

Hoje, têm direito à saída temporária os presos do regime semiaberto. Eles podem pedir autorização para visitar a família, fazer cursos profissionalizantes, de ensino médio ou de ensino superior ou participar de atividades de retorno ao convívio social. Na decisão, são avaliados fatores como o comportamento do detento e o tempo de pena já cumprida.

O projeto aprovado pelo Senado torna a "saidinha" mais restrita. O preso só poderá sair para estudar. Além disso, há novas regras para progressão de regime e uso de tornozeleira eletrônica. Também ficam inelegíveis para a saída temporária quem praticou crime com violência ou grave ameaça, a exemplo do que já acontece com quem cometeu crime hediondo com morte.

O que dizem os críticos da "saidinha"

A oposição questiona a efetividade do controle prisional sobre os presos. De acordo com parlamentares alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, presos beneficiados pela "saidinha" mostram fortes índices de reincidência no crime.

Parlamentares costumam citar casos de criminosos que foram beneficiados pela saída temporária, não voltaram para a prisão e terminaram foragidos, cometendo novos crimes.

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O que dizem os especialistas

Mas dos detentos que saem, 95% retornam à prisão conforme deveriam, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Ministério da Justiça.

A taxa de não retorno é muito baixa, em torno de 5%. Isso quer dizer que 95% das pessoas retornam, o que é uma coisa que me impressiona muito, porque a gente sabe que as situações dos presídios são extremamente precárias. Serve-se comida de baixa qualidade, há superlotação, falta de condições de higiene. É bastante impressionante o compromisso dessas pessoas para cumprir a pena. Esses casos [de crimes cometidos durante as saídas] realmente são isolados.
Camila Tourinho, coordenadora do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo

"Casos episódicos não devem ser base para a discussão". Para Rafael Godoi, doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU), não há histórico nem pesquisas em outros países que comprovem que o fim do benefício corresponda a queda da taxa de criminalidade.

O Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo [atrás dos Estados Unidos e da China]. E não se tem registro de que isso interfira nos números de crimes cometidos. A mudança vai apenas superlotar o cárcere.
Rafael Godoi, pesquisador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU)

Mais insegurança no sistema prisional

O fim da saidinha pode levar mais insegurança às prisões, de acordo com Godoi, resultado inverso do pretendido. Ele lembra episódios de rebeliões na última década e diz que o risco de novos motins aumenta.

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Se cederem a essa medida populista, podemos ter um novo ciclo de crises: imprevisíveis massacres nas prisões. O efeito vai ser multiplicar a insegurança. É muito cedo para dizer, mas isso poderá colocar em risco até a polícia penal.
Rafael Godoi, pesquisador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU)

Proibição reduz possibilidade de preso sair do crime

Fim da "saidinha" reduz a ressocialização". Paulo Victor Lima Carlos, advogado criminalista especialista em Direito Penal e Corregedor Geral da Seccional da OAB/RJ, diz que o preso pode ficar ainda mais dependente do crime, sem o direito à saída temporária.

Essa pessoa provavelmente vai voltar a delinquir, porque ela só sabe e só vai saber fazer isso. Então as chances de a criminalidade aumentar são até maiores. Reduz-se essa ressocialização, porque aquela pessoa será inserida num meio social com o qual ela já não convive há 10, 15, 20 anos, dependendo do caso.
Paulo Victor Lima Carlos, advogado criminalista especialista em Direito Penal

Quanto menos possibilidades de contato com a família e com outros mundos, maior a dependência dessa pessoa da organização criminosa. Quando você não se tem esse horizonte, você fica ainda mais refém da facção, do crime.
Rafael Godoi, pesquisador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU)

Falhas nas autorizações e na fiscalização

Há falha no controle de saída. Os especialistas criticam as falhas que permitem a fuga de presos beneficiados pela "saidinha", mas atribuem os problemas à falta de recursos, e não à legislação. Para o advogado Paulo Victor, o grande problema está na fiscalização e na definição de quem pode e não pode sair.

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Para ser beneficiado, o preso precisa da permissão de um juiz, que consulta o Ministério Público e a Administração Penitenciária. Além disso, deve ter bom comportamento e ter cumprido uma parte da pena —1/6, no caso de condenados primários, e 1/4, no de reincidentes.

Nosso sistema carcerário é falido, inclusive por falta de recurso. Não vemos o controle na prática, na maioria dos casos. Vemos que alguns autores de crimes graves conseguem sair, não retornam e voltam para a comunidade, onde chefiam organizações criminosas. Porque, na verdade, não é o sistema legal que é o problema, é a falta de verba, de servidores, que acaba prejudicando o controle pelo Estado.
Paulo Victor Lima Carlos, advogado criminalista especialista em Direito Penal

Votação no Senado

Bolsonaristas veem na pauta um tema caro às eleições municipais. No Senado, foram 62 votos contra o benefício, com votação expressiva do PL, do ex-presidente, e aliados. Apenas dois senadores votaram pela manutenção da "saidinha" como é hoje; 16 senadores não registraram voto, e 1 se absteve.

Por outro lado, há expectativa por parte da base governista de que Lula vete o projeto, caso ele passe pela Câmara e vá para sanção no Executivo.

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