Lula não repôs estoques de arroz zerados sob Bolsonaro e terá de importar

Quase um ano depois de ter anunciado que retomaria a formação de estoques púbicos de alimentos, o governo Lula não fez nenhuma reposição nas reservas de arroz, que estão zeradas. Com as cheias no Rio Grande do Sul, o Executivo decidiu autorizar a importação de até um milhão de toneladas do produto.

O que aconteceu

Os estoques públicos de arroz foram zerados em dezembro de 2022. Essas reservas, que servem para controlar preços e garantir abastecimento durante emergências, são mantidas desde a década de 1960, mas foram esvaziadas na última década. Hoje, segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), não há estoques de arroz, feijão, trigo e café, entre outros alimentos.

Não há previsão de faltar arroz. Apesar dos danos às lavouras no RS, o maior produtor do país, mais de 80% da safra atual já foi colhida. O governo afirma que autorizou a importação do produto, na sexta-feira (10), apenas para evitar alta nos preços, o que é uma das funções do estoque público.

A política de estoques públicos vinha sendo abandonada nos últimos governos. As reservas de arroz, que ainda eram de um milhão de toneladas há dez anos, caíram para 25 mil no início do governo Bolsonaro. A gestão do ex-presidente vendeu o que ainda restava e ainda fechou 27 armazéns no país, o que reduziu em 500 mil toneladas a capacidade de estocagem da Conab.

Para economistas ouvidos pelo UOL, a perda dos estoques públicos foi uma falha do Estado. Eles avaliam que as reservas de arroz, se existissem, poderiam não apenas ter sido distribuídas à população atingida pelas cheias, mas também evitariam ou reduziriam a necessidade de o Brasil importar agora, pagando mais caro.

Na década de 1980, durante a hiperinflação, o Brasil usou estoques públicos justamente para isso que o Lula quer agora: regular preço. Os estoques foram criados para garantir segurança alimentar no caso de uma quebra de safra, por exemplo, e também para o controle de preço. E hoje o governo não tem essa opção
José Guilherme Vieira, professor de economia da UFPR

Os estoques públicos foram pensados exatamente para eventos como essa enchente, ou seja, situações que possam gerar um problema de oferta interna. O governo poderia estar usando esse estoque para distribuição de alimentos à população desabastecida e também para evitar a necessidade dessa importação emergencial
Izete Bagolin, professora titular de Economia do Desenvolvimento e Serviço Social da PUC-RS

Preço impediu formação de estoque, diz governo

O governo anunciou, em junho do ano passado, que quer retomar a formação dos estoques. Até o momento, porém, o único produto que teve reposição foi o milho — passou de 50 mil toneladas, em janeiro de 2023, para 323 mil toneladas, em março de 2024, segundo a série histórica da Conab, que é vinculada ao Ministério da Agricultura.

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A Conab afirma que não repôs os estoques de arroz devido ao preço. Em nota ao UOL, a companhia afirmou que em geral só compra alimentos quando o valor de mercado — pago ao produtor — fica menor do que o preço mínimo estabelecido por lei, o que ainda não ocorreu sob o governo Lula.

É possível, porém, formar estoques públicos sem depender da queda do preço. Em geral, a Conab não repõe estoques durante as altas de preço porque, ao comprar do agricultor, estaria reduzindo a oferta do produto no mercado e estimulando ainda mais inflação. Mas a lei permite "contratos de opção de venda", em que o governo compra antecipadamente de uma safra que ainda não foi colhida. Com isso, os agricultores tendem a produzir mais, o que ajuda a baixar o preço. A não existência de estoques governamentais de outros produtos, além do estoque de milho formado em 2023, deve-se ao fato de os preços de mercado, neste caso, os do arroz, terem se apresentado superiores aos preços mínimos estabelecidos, impedindo a ação governamental no âmbito da política [de formação de estoques públicos]
Trecho da nota da Conab

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