Planos de saúde ignoram acordo com Lira e mantêm cancelamentos de contratos

Ameaçados por uma CPI, os planos de saúde firmaram acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para interromper o cancelamento de contratos de crianças com autismo e paralisia cerebral, por exemplo. Contudo, mães relataram ao UOL que os cancelamentos continuaram em ao menos duas operadoras: Amil e Unimed Ferj.

O que aconteceu

Werica Gonçalves de Farias, 36 anos, foi informada na quinta passada (6) que a promessa feita aos deputados não evitou o rompimento do contrato do filho dela. Ela é mãe de Daniel Antonio Rosa Farias, 3 anos. O garoto tem AME tipo 1, que afeta os neurônios e exige respirador e outros aparelhos para mantê-lo vivo.

A mãe disse que prefere ir para cadeia a aceitar a retirada dos equipamentos que estão na casa da família e que mantêm o menino vivo. Werica falou que não entrega os aparelhos mesmo com a intervenção da polícia. "Estou disposta a ir para a prisão pelo meu filho".

Daniel corre o risco de ficar sem plano de saúde a partir de 19 de junho e, com isso, perder a cobertura dos aparelhos que o mantêm vivo. "Conforme comunicado enviado, o cancelamento está programado para 19 de junho de 2024", informou a empresa na semana passada.

"Até o momento não fomos comunicados oficialmente referente à suspensão sobre o cancelamento." Essa foi a resposta dada a Werica pelo plano de saúde sobre a promessa aos parlamentares.

Em conversa na quinta passada, data posterior ao acordo com deputados, atendente confirma cancelamento de plano
Em conversa na quinta passada, data posterior ao acordo com deputados, atendente confirma cancelamento de plano Imagem: Reprodução

O diálogo com a funcionária ocorreu dias após o acerto de Lira com operadoras. O acordo dos planos com o presidente da Câmara dos Deputados foi firmado em 28 de maio.

O que dizem as empresas

Procurada, a administradora do plano de saúde, a Supermed, se isentou da decisão de cancelamentos. "A empresa esclarece que, na qualidade de administradora de benefícios, não tem responsabilidade no que tange cancelamentos de contratos, sendo uma decisão tomada unilateralmente pelas operadoras de planos de saúde."

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No primeiro momento, a operadora Unimed Ferj não quis se manifestar, mas voltou atrás após a publicação da matéria. "A Unimed Ferj informa que não houve qualquer descumprimento ao compromisso realizado entre entidades representativas do setor junto ao Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira." A empresa alega que os cancelamentos citados na matéria foram decididos antes do acerto de 28 de maio e não estavam contemplados pelo acordo.

Arthur Lira foi procurado e não se manifestou. Os avisos de cancelamentos e prints de WhatsApp foram enviados à assessoria do parlamentar desde a última segunda-feira (10).

A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que suas associadas estão cumprindo o compromisso firmado com Lira. "Após o encontro, Lira anunciou em suas rede sociais: 'Acordamos que eles (os planos de saúde) suspenderão os cancelamentos recentes relacionadas a algumas doenças e transtornos"', disse a associação.

Usuário de respirador, Daniel depende do plano de saúde para se manter vivo
Usuário de respirador, Daniel depende do plano de saúde para se manter vivo Imagem: Arquivo pessoal

'Lucro acima da vida', diz presidente de associação

Presidente da associação de mães Nenhum Direito a Menos, Fabiane Simão afirmou que há uma ação para expulsar meninos e meninas. "Para os planos de saúde o lucro está acima da vida. Crianças com autismo, paralisia cerebral e outras deficiências não passam de números de carteirinha que podem ser, literalmente, deletados do sistema".

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Nesta quarta, Fabiane fala à CPI dos planos de saúde da Assembleia Legislativa do Rio. Ela reuniu casos de planos cancelados no estado depois da promessa feita à Câmara dos Deputados. São 70 pessoas com plano cortado ou que receberam aviso de corte ontem.

"Acordo de mentirinha", dizem as mães. Elas reclamam que os deputados fecharam um compromisso que não contemplou todos os clientes das empresas.

Outros cancelamentos

Além de Werica, mais três mães entraram em contato com o UOL. Todas tiveram os planos de saúde cancelados depois da data do acordo com a Câmara dos Deputados. Elas relatam preocupação com a possibilidade de as crianças regredirem ou morrerem por causa do fim das terapias.

Amanda Souza, 6 anos, sentiu falta dos 'tios', como ela chama os terapeutas, na semana passada. A garota faz tratamento com psicólogo e com fonoaudiólogo porque tem autismo e deficiência intelectual. O plano foi cancelado em 1º de junho. A mãe da menina, Andressa Souza, 29 anos, teve que inventar uma história para a filha. "Os tios não podiam naquele dia".

A garota não falava quando começou o tratamento. No dia que Andressa foi chamada de mamãe pela primeira vez, ela chorou. "Senti recompensa da luta de mãe. Nossa, o coração ficou quentinho. Chorei claro".

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Portadora do espectro do autismo, Amanda cantou para Andressa pela primeira vez no Dia das Mães
Portadora do espectro do autismo, Amanda cantou para Andressa pela primeira vez no Dia das Mães Imagem: Arquivo pessoal

Regressão sem tratamento

O relatório escolar do segundo para o terceiro bimestre do ano passado apontou regressão na capacidade social de José Miguel Damasceno, 4 anos. Era consequência de o menino autista ficar um mês sem terapia. A mãe, Ivone Alves, 46 anos, está desesperada porque recebeu notificação de que o plano de saúde só valerá até 19 de junho.

O cancelamento fez desmoronar a esperança de um dia ouvir José Miguel contar como foi a aula. "A gente já paga mais caro e mesmo assim eles te descartam porque meu filho é uma porta de saída. Se for eu, me aceitam porque dou lucro para eles."

Suelen não conseguiu manter o atendimento a Matheus mesmo com uma liminar em mãos
Suelen não conseguiu manter o atendimento a Matheus mesmo com uma liminar em mãos Imagem: Arquivo pessoal

Liminar ignorada

A professora Suelen Peres, 39 anos foi amparada pela Justiça e conseguiu uma liminar obrigando o atendimento do filho Matheus Peres, 5 anos. Mas o plano de saúde se negou a restabelecer o contrato e manteve a suspensão do serviço para o último domingo (9).

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Suelen reclamou do tratamento prestado pela empresa. A atendente do plano de saúde sequer chamou a professora pelo nome correto durante conversa para tratar do cancelamento. "Roberta, de fato não foi emitido boleto para o mês 06/2024," escreveu a funcionária.

A Justiça foi acionada uma segunda vez e até ontem não havia se manifestado.

Mãe se sentiu desrespeitada quando atendente sequer acertou seu nome
Mãe se sentiu desrespeitada quando atendente sequer acertou seu nome Imagem: Reprodução

Procurados pelo UOL, planos retomam contratos

Planos dizem que restabeleceram os serviços de três clientes depois de procurados pelo UOL. As mães acreditam que só houve mudança de posicionamento porque os casos chegaram ao conhecimento da imprensa.

Werica, no entanto, foi comunicada pela reportagem sobre a manutenção da terapia de seu filho e ainda não recebeu a informação oficial.

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Já Suelen foi informada que a liminar seria cumprida um dia após a administradora Supermed ter sido procurada pelo UOL.

Andressa soube que a filha poderia voltar a terapia quando o aplicativo da Amil voltou a funcionar. Ele nem abria até a operadora ser contatada pela reportagem. Desconfiada, a mãe de Amanda disse que menina ficou uma semana sem cuidados especializados e que só vai acreditar na retomada do contrato quando os atendimentos voltarem a ocorrer.

A Amil informou que Amanda está com plano ativo. A empresa ressaltou que não houve cancelamentos por conta de doença específica ou perfil de cliente.

A presidente da associação Nenhum Direito a Menos afirmou que a reativação de quem aparece em reportagens se espalhou nos grupos e as mães estão pedindo contatos para falar com repórteres. "As mães atípicas estão desesperadas para falar com a imprensa para ter seu plano religado".

Esta é a realidade de quem não foi procurado pela imprensa. Enquanto isso, centenas de mães estão com planos sendo cancelados,
Fabiane Simão, da associação de mães Nenhum Direito a Menos

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