Jantar para Campos Neto e eleições azedam relação de Lula com Tarcísio
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trocou os afagos públicos no início do governo por uma sequência de críticas ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nas últimas semanas. A mudança de postura do petista é motivada por dois fatores principais, na avaliação de aliados dos dois ouvidos pelo UOL: a proximidade de Tarcísio com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e as eleições de 2024 e de 2026.
O que aconteceu
Críticas começaram logo após jantar de Tarcísio para Campos Neto. O incômodo de Lula ficou claro em uma entrevista à CBN, quando o petista se referiu diretamente a Tarcísio como adversário pela primeira vez. Ele disse que o governador tinha mais ascendência sobre Campos Neto do que ele. "A quem esse rapaz (Campos Neto) está submetido?", questionou. "Como ele vai a uma festa em São Paulo, quase assumindo a candidatura de um cargo?"
Agendas de Lula em São Paulo foram marcadas por alfinetadas no governador. No último dia 29, o petista culpou a ausência de Tarcísio e do prefeito Ricardo Nunes (MDB) pela decisão de não assinar o contrato de uma obra de expansão da linha 5 do metrô. Nesta quinta (4), ele lamentou que Tarcísio não tem ido às agendas do governo federal, mesmo sendo convidado, e subiu o tom ao dizer que não deseja "casar" com o governador, mas manter uma "relação de respeito".
Tarcísio tem politizado ações contra Lula, avaliam lideranças petistas. O jantar a Campos Neto foi visto como uma forma de se contrapor ao presidente, que tem no titular do Banco Central um dos principais adversários da sua gestão. "Tem uma percepção (de Lula) de uma cooptação (de Campos Neto) por um grupo de interesse específico da sociedade, nesse caso, o setor do rentismo, do qual o governador flerta, com perspectiva futura de ser presidente da República", afirma Kiko Celeguim, presidente do PT em São Paulo.
Campos Neto teria se oferecido no jantar para ser ministro da Fazenda em um eventual mandato de Tarcísio como presidente. A informação foi publicada pela coluna Painel S.A., da Folha de S. Paulo. Campos Neto nega. O evento aconteceu no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, logo após o presidente do BC receber uma condecoração na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
O entorno do governador entende que Lula escalou Tarcísio como adversário na disputa de 2026. O jantar teria sido a gota d'água e levado o presidente a antecipar a sucessão, na ótica de aliados.
Jantar foi erro estratégico. Um secretário estadual afirmou que o evento foi maior do que deveria e passou a impressão de que havia uma ação conjunta de Tarcísio e Campos Neto contra Lula. Na ótica desse integrante do primeiro escalão, isso encorajou o petista a deflagrar munição contra o governador.
Contexto eleitoral
Lula tem polarizado com Tarcísio por vê-lo como o projeto da extrema-direita para 2026. Esta é a avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Cláudio André de Souza. "Ele entende que tem que polarizar e enfraquecer o bolsonarismo e seu remédio genérico, que é o governador de São Paulo", analisa. Com Jair Bolsonaro (PL) inelegível, o governador é o principal nome para herdar o espólio eleitoral do ex-presidente e pode ser adversário do petista, que não descarta disputar a reeleição.
O professor afirma que Lula busca aumentar a influência em São Paulo, estado onde perdeu para Bolsonaro em 2022. "O governo faz uma movimentação nessa perspectiva, de conseguir influenciar no maior colégio eleitoral do país. Isso é fundamental, levando em consideração que Lula ganhou a eleição com uma pouca margem de votos. Isso é emergencial."
Lula e Tarcísio também estão em campos opostos na capital paulista. O petista apoia a pré-candidatura do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) à prefeitura. O governador apoia Ricardo Nunes, que concorre à reeleição. O presidente tem feito agendas com Boulos na cidade para impulsioná-lo na disputa. Já Tarcísio aposta em anúncios conjuntos com Nunes para mostrar que governam em conjunto.
Relação com Bolsonaro
Tarcísio em ato pró-Bolsonaro na Avenida Paulista em fevereiro chamou atenção do governo. Em discurso, o governador disse que o ex-presidente deixou um legado e declarou que o protesto celebrava o Estado Democrático de Direito. Ele ainda cobrou liberdade de expressão e segurança jurídica.
O ato foi convocado por Bolsonaro após ser alvo de uma operação da PF sobre a tentativa de golpe no 8 de janeiro. Foi uma forma do ex-presidente de mostrar força política ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Subordinação a Bolsonaro. "Após fazer um gesto republicano e visitar o Palácio do Planalto junto com governadores após 8 de janeiro, demonstrando defender a democracia, Tarcísio está com Bolsonaro num ato de desagravo a um criminosos contumaz. Isso mostra subordinação do governador a Bolsonaro", criticou Kiko Celeguim.
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Distanciamento. A avaliação entre aliados do petista é de que Tarcísio tem evitado comparecer aos eventos do governo federal para demarcar espaço como oposição a Lula. A estratégia seria uma forma de agradar Bolsonaro e pavimentar o caminho como representante da extrema-direita na disputa presidencial de 2026.
O governador já participou de agendas oficiais com o petista e sempre pregou uma relação republicana com ele. Em um dos eventos, em fevereiro deste ano, Lula lembrou o trabalho de Tarcísio no governo Dilma e disse ter "estranhado" a aliança com Bolsonaro. Uma pessoa na plateia chegou a gritar "Volta para o PT, Tarcísio". Ele riu.
No mesmo evento, Tarcísio falou em "parceria sólida" e "caminhar junto" com o governo federal. A agenda conjunta marcou o anúncio das obras do túnel Santos-Guarujá, uma das obras prioritárias da gestão estadual, que terá recursos federais.
O governador elogiou recentemente Dilma Rousseff. "Trabalhei com a presidente Dilma, sem termos alinhamento político, ela sempre foi muito respeitosa comigo e eu com ela. E deu muito certo. Eu não tenho uma queixa dela, muito pelo contrário, só tenho agradecimento", disse em um evento para investidores em junho. A declaração desagradou bolsonaristas.
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