Famoso com Bolsonaro, sigilo de 100 anos volta com Lula; o que diz a lei?

O governo Lula negou o acesso à Declaração de Conflito de Interesses (DCI) do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, entregue por ele ao assumir o cargo no governo, no início do ano passado.

A Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), formada por integrantes do Executivo, citou que "os dados pessoais presentes no documento são de acesso restrito, (...) visto que se referem a aspectos da vida privada e intimidade do titular e, portanto, não publicizáveis pelo prazo máximo de 100 anos". O sigilo centenário é, na verdade, um "truque" em cima de um dos artigos da Lei de Acesso à Informação e pode ser revogado a qualquer momento.

Carlos Affonso, doutor em Direito Civil pela Uerj e colunista do UOL, explicou em 2022 que, no Brasil, o prazo máximo de sigilo para uma informação ou documento público é de 25 anos.

Apenas informações privadas que estão em documentos públicos podem ser resguardadas por até 100 anos — e essa proteção não cabe quando se trata de documento ou informação de interesse público.

LAI prevê sigilo de no máximo 25 anos para documentos

O artigo 24 e o artigo 31 da Lei de Acesso à informação estão envolvidos na restrição polêmica, que ficou famosa no governo de Jair Bolsonaro — e então criticada por Lula, que afirmou que acabaria com a prática de restringir documentos de interesse público.

O texto inicial da LAI foi apresentado perante a Câmara dos Deputados em 26 de fevereiro de 2003 pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), mas sancionada já após várias alterações oito anos depois, em 18 de novembro de 2011, pela presidente Dilma Rousseff (PT).

Segundo o artigo 24 do texto, as informações em poder dos órgãos e entidades públicas podem ser classificadas como ultrassecretas, secretas ou reservadas.

O prazo máximo de sigilo é de 25 anos, com 15 e 5 anos como outras opções — o tempo depende do teor e da importância do documento para a segurança da sociedade ou do Estado, mas não existe classificação de documento ou de informação com sigilo de 100 anos.

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Então de onde vêm os sigilos centenários?

De uma interpretação do artigo 31 da LAI, que diz que as informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem "terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção."

O prazo centenário é apenas para a defesa dos dados pessoais de cidadãos que possam figurar em documentos públicos, por exemplo.

O artigo 31 da LAI diz que "a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância."

Em maio de 2023, o governo Lula atualizou o decreto nº 7.724/2012, que estabelece o sigilo de 100 anos, esclarecendo que a restrição não tem que se aplicar ao documento por inteiro, caso ele seja objeto de pedido de acesso público. Ou seja, se a informação é de interesse público, a regra é a publicidade, ocultando os dados pessoais.

Assim, sempre que viável, o órgão ou entidade pública deverá realizar a ocultação, a anonimização ou a pseudonimização das informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, garantindo acesso ao restante do documento.
Explicou a CGU, à época.

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Na maior parte das vezes, segundo Carlos Affonso, a restrição centenária é uma decisão administrativa, tomada por um servidor que, ao receber uma solicitação de acesso à informação, opta por negá-la com base na natureza da informação.

Um novo governo pode reverter o sigilo de 100 anos?

A decisão administrativa por não conceder acesso à informação pode ser revista a qualquer momento. Além disso, um novo governo pode reverter entendimentos anteriores sobre não revelar informações porque elas seriam de natureza pessoal.

Bastaria que os servidores revisassem entendimentos anteriores e liberassem as informações previamente restritas — como já aconteceu. Novos pedidos de acesso à informação podem também ter o mesmo efeito, provocando uma nova análise sobre as informações cujo acesso foi anteriormente negado.

O governo erra ou age de má-fé quando impõe sigilo total a documentos só porque nele há dados pessoais de alguém. Segundo a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, o órgão deveria dar acesso às informações públicas e só ocultar os dados pessoais do envolvido.

*Com informações de artigos de 1/9/2022 e 16/1/2023

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