Entregas de Lula atrasam e travam mandato em discurso de 'terra arrasada'

O presidente Lula (PT) esperava que seu segundo ano de mandato teria mais entregas e simbolizaria uma virada no discurso, mas o ritmo é lento e atrapalha o petista.

O que aconteceu

Frustração em 2024 como "o ano da virada". Em 2023, o governo trabalhou a ideia de "união e reconstrução". A perspectiva era no ano seguinte ter uma série de viagens por todo o país para o presidente fazer entregas e mostrar resultados —ainda mais necessários em ano eleitoral—, mas a maioria dos eventos têm sido para reforçar anúncios.

O ritmo lento tem incomodado o presidente. Os resultados concretos têm sido mais focados em economia e infraestrutura, por isso Lula reclama da burocracia do serviço público, manda indireta a seus ministros e alfineta o Congresso.

Lula também não muda a narrativa. Aliados ponderam que o presidente às vezes demora a trocar de falas. Era para neste ano tratar mais da "colheita" de resultados após o "plantio" no primeiro ano, em vez do discurso de "terra arrasada", encontrada após o governo de Jair Bolsonaro (PL). Esse conceito de "herança maldita", que foi pertinente em 2023, era para ter perdido força, mas segue sendo constante no que fala o petista.

Ano da colheita?

Lula esperava entregar mais. O plano era que o presidente fosse aos 27 territórios do país já no primeiro semestre, mostrando resultados concretos, o que também daria uma ajudinha a candidatos locais, mas não é isso o que se tem visto.

Viagens a 13 estados. Lula foi a metade dos 26 estados até julho, para anunciar programas já existentes, em vez de entregar projetos concluídos. O presidente tem inaugurado pedras fundamentais de universidades e institutos federais, anunciado investimentos bilionários nas mais diferentes áreas e começado obras, mas tem entregado bem menos do que pretendia.

Mil obras finalizadas. De acordo com o portal da Casa Civil, até abril de 2024, dos quase 18,4 mil projetos previstos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), menos de mil foram concluídos. A maioria está em construção ou em processo licitatório. O Ministério da Educação não informa quantos dos cem institutos federais anunciados —citação frequente nos discursos do presidente — foram entregues, mas Lula não foi à inauguração de nenhum.

O Planalto diz que não há meta, há evolução. Já a Casa Civil lembra que a execução não é do governo, apenas o financiamento. Mas o descompasso entre o país prometido e o que está sendo entregue tem irritado o presidente e aumentado o teto de vidro da gestão.

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Acabou a paciência

As reclamações públicas de Lula têm sido mais frequentes. O presidente têm repetido aos ministros que eles não podem deixar a burocracia atrapalhar e não foram poucas as vezes em que ele cobrou diretamente um dos subordinados para que aja entrega eficiente do que foi anunciado.

Um exemplo escancarado foi o Amas (Plano Amazônia: Segurança e Soberania). O Ministério da Justiça, ainda sob Flávio Dino, anunciou um investimento de R$ 318,5 milhões do BNDES para segurança na Amazônia em junho de 2023, mas, um ano depois, a proposta ainda não tinha saído do papel. "Se levar mais um ano, vai terminar o mandato sem colocar em prática nosso plano", reclamou Lula.

Esse tom já havia sido usado na primeira reunião ministerial do ano, em março. Com puxão de orelha geral, em que só se salvou a equipe econômica, ele pediu mais viagens, mais agilidade e mais entregas aos ministros, deixando claro que ele pretendia chegar a um novo momento do governo. Em agosto, aliados dizem que ele não esconde a insatisfação de essa fase ainda não ter começado.

Base quer virar a página. Aliados citam um descompasso constrangido. Ressaltam o momento de dificuldade em que encontraram o governo, mas não escondem que atribuir as tragédias a Bolsonaro não adianta mais: parlamentares e eleitores cobram por ações do governo Lula.

Aliados criticam o bordão "O Brasil voltou". Nos eventos, é normal que apoiadores, parlamentares e ministros repitam que o Brasil ou a área em questão "voltou", fazendo referência a um eventual desmantelamento sofrido durante a gestão Bolsonaro. Aliados provocam que, "se voltou, onde está?", cobrando as entregas.

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Economia fora das reclamações. No Planalto, a dupla Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Orçamento) tem ficado fora das críticas. O governo diz avaliar que a melhora nos índices econômicos, como renda, inflação e desemprego, são o grande trunfo do novo mandato Lula —não à toa, o petista ressalta isso em todas as suas entrevistas. A abertura de mercados agrícolas é outro ponto bastante citado.

Habitação e infraestrutura também elogiadas. De fisicamente concreto, o governo aponta a retomada e entrega expressiva do programa Minha Casa, Minha Vida e o avanço da malha viária e ferroviária nacional.

O mandato é só de quatro anos, daqui a pouco a gente termina o mandato, não consegue executar, vem outro e não executa mais, dinheiro desaparece e acabou. E fica para mais 50 anos alguém que queira cuidar da Amazônia. Estou falando isso para pedir agilidade para as coisas acontecerem.
Lula, em evento sobre a Amazônia

Cadê as mudanças?

Lula já devia ter mudado de atitude. No discurso do último domingo (28), em cadeia nacional, Lula passou quase metade do tempo falando dos desmandos da gestão anterior. Mas a fala havia sido programada para exaltar os feitos do governo, que acabaram escanteados.

Lulistas mais próximos e ferrenhos defendem que o presidente trata disso por indignação. Eles veem que grande parte dos avanços não foram alcançados porque o país foi entregue em uma situação pior do que a esperada. Mas admitem, em reserva, que é preciso ir adiante.

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O Planalto cita seus avanços. Em resposta às críticas, fala no aumento de investimento em praticamente todas as áreas, se comparado à gestão anterior, no crescimento econômico acima da expectativa das agências de risco e na melhoria da qualidade de vida de população de baixa renda, grande trunfo e preocupação de Lula.

A gestão também pede mais tempo. Ainda sob a margem do que teve de herdar, o Planalto diz garantir e ter "plena confiança" de que as coisas seguem melhorando e que o país "estará melhor em 2026" do que estava em 2023.

Programas importantes para o povo, como a Farmácia Popular e o Minha Casa, Minha Vida, foram abandonados. Cortaram os recursos da educação, do SUS e do meio ambiente. Espalharam armas ao invés de empregos. Trouxeram a fome de volta. Deixaram a maior taxa de juros do planeta. A inflação disparou e atingiu 8,25%. O Brasil era um país em ruínas. Diziam defender a família. Mas deixaram milhões de famílias endividadas, empobrecidas e desprotegidas.
Lula, em pronunciamento em cadeia nacional, no último domingo (28)

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