Emendas de ex-deputado do DF para ONGs são usadas por candidato no RJ

Projetos esportivos tocados por duas ONGs no Rio de Janeiro com recursos de emendas parlamentares do ex-deputado federal Luís Miranda (Republicanos-DF) estão sendo usados politicamente por um candidato a vereador na capital fluminense.

Levantamento do UOL mostra que aliados do empresário e candidato Wagner Marinho Tavares foram contratados pelas ONGs ICA (Instituto Carioca de Atividades) e Instituto Realizando o Futuro em dois projetos de esportes e lazer.

Tavares disputa uma vaga na Câmara Municipal pelo PSB, partido que integra a coligação que apoia a reeleição do prefeito Eduardo Paes (PSD).

Além das contratações, o bairro onde está a principal base eleitoral de Tavares, a Ilha do Governador, passou a ser contemplado com aulas gratuitas de esportes dos projetos.

Ao todo, as emendas de Luís Miranda direcionadas às ONGs somam R$ 5 milhões. Elas foram apresentadas em 2022, mas os projetos só começaram a ser tocados neste ano.

As ONGs escolhidas integram uma rede suspeita de desvios de dinheiro público que recebeu quase meio bilhão de reais em emendas de ao menos 33 parlamentares, entre 2021 e 2023, conforme revela a série de reportagens do UOL "Farra das ONGs".

O candidato negou, por meio de seu advogado, ter indicado as contratações ou locais para a realização dos projetos das ONGs.

"Por seus anos de política e, especialmente, de trabalho no terceiro setor, certamente geraram respeito e afinidade de diversas pessoas que, hoje, querem fazer parte da caminhada política que o candidato se lançou", completou Paulo Kelm, advogado de Tavares.

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"Acreditei em conto de fadas", diz ex-deputado

Luís Miranda, que ficou nacionalmente conhecido em 2021 por fazer denúncias de indícios de corrupção no Ministério da Saúde durante a pandemia, foi um dos três parlamentares de fora do estado do RJ que injetaram recursos na rede de ONGs fluminenses.

As emendas de Miranda direcionadas às ONGs somam o maior valor entre os políticos de fora do RJ — R$ 4 milhões para o projeto Futuro Saudável e R$ 1 milhão para o CEL (Cidadania, Esporte e Lazer).

Ao UOL, Miranda afirmou que as ONGs foram indicação de outro ex-deputado, o delegado Felício Laterça (PP-RJ), atualmente candidato a prefeito de Macaé (RJ).

Miranda disse, no entanto, que desconfiava da capacidade de as ONGs fluminenses realizarem os projetos no Distrito Federal e que a indicação acabou sendo concluída por assessores de seu gabinete sem que ele tivesse ciência. Depois, ele afirma ter tentado mudar o rumo dos recursos, sem sucesso. .

Esses projetos seriam bons politicamente porque iriam atingir talvez milhares de pessoas na minha região. Acreditei no conto de fadas de que as ONGs realizariam no DF, mas isso não aconteceu.
Luís Miranda, ex-deputado federal (Republicanos-DF)

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O ex-deputado Felício Laterça negou ter feito articulações com as ONGs. Sobre o questionamento do UOL, disse que "a pergunta era completamente descabida, ainda mais considerando minha profissão e histórico de vida sem máculas".

Laterça destinou em 2022, seu último ano de mandato, um total de R$ 13,9 milhões em duas emendas para as mesmas ONGs contempladas por Miranda — o ICA e o Instituto Realizando o Futuro.

O Ministério do Esporte informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está analisando as documentações enviadas pelas ONGs referentes aos dois projetos com emendas de Miranda e que não recebeu nenhum pedido de cancelamento da execução.

Após a publicação da reportagem, Miranda enviou cópia de ofício enviado em agosto do ano passado à pasta em que pedia remanejamento dos recursos para uma outra entidade, com base no DF.

Candidato foi assessor de ex-deputado do RJ

Entre 2020 e 2022, Tavares teve cargo de secretário parlamentar no gabinete do ex-deputado Felício Laterça. O último salário dele foi de R$ 15,6 mil.

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O candidato disse que, "durante todo o período em que trabalhou com o deputado Felício Laterça, a quem nutre profundo respeito e admiração, jamais presenciou ou soube de tentativa de interferência deste em emendas parlamentares de qualquer outro parlamentar".

No Futuro Saudável, um dos dois coordenadores esportivos é a cantora gospel Ana Caroline Teodósio Souza de Oliveira, que recebe desde maio salário de R$ 4.200. O cargo é o segundo mais importante no projeto, atrás somente da coordenação geral.

Conhecida nas redes sociais como Carol Teodósio, ela é esposa de Rodrigo Oliveira, o Rodrigo Ilha, que é um dos principais articuladores da campanha de Wagner Tavares na Ilha do Governador.

Ambos foram procurados por WhatsApp, mas não retornaram.

Rodrigo Oliveira (à esq.) com Wagner Tavares
Rodrigo Oliveira (à esq.) com Wagner Tavares Imagem: Reprodução/Instagram

O outro coordenador esportivo do Futuro Saudável é filho do presidente da ONG ICA, Nicodemos de Carvalho Mota. O jovem Igor Kevin da Costa Mota, 23, também ganha salário de R$ 4.200.

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Procurado por email, Nicodemos disse que não responderia aos questionamentos do UOL.

Presença em evento do projeto

Todos os contratados foram selecionados em processo feito pela própria ONG ICA.

Outro aliado de Tavares que está no projeto é o ex-jogador de futebol Marlon Iury Gomes de Siqueira, que tem a função de monitor.

Siqueira divulgou em seu perfil no Instagram uma foto em que aparece abraçado com Tavares em evento de lançamento do Futuro Saudável.

O UOL tentou contato com o ex-jogador por rede social, sem sucesso.

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Outro contratado como monitor é Wesley Curty da Rocha Figueira, que declarou voto em Tavares nas redes sociais.

Ele foi procurado por WhatsApp, mas não respondeu se foi indicado para o projeto pelo candidato.

Página no Instagram de Wesley Curty mostra apoio a Wagner Tavares
Página no Instagram de Wesley Curty mostra apoio a Wagner Tavares Imagem: Reprodução/Instagram



Pelo plano de trabalho aprovado pelo ICA junto ao Ministério do Esporte, o Futuro Saudável teria 13 núcleos, todos na cidade do Rio de Janeiro, mas nenhum na Ilha do Governador, base eleitoral de Tavares.

Na prática, todos os núcleos mudaram de endereço e dois passaram a ser localizados na Ilha, sendo um em uma igreja evangélica. As mudanças foram divulgadas no site de inscrições para o projeto.

Também foi incluído no Futuro Saudável um núcleo de aulas de ginástica gratuitas fora da capital, na cidade de São Gonçalo, o que também não estava previsto no plano de trabalho da ONG.

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Essas aulas vêm sendo divulgadas em redes sociais por aliados de Fabio Menezes Ignacio, o Fabinho SG, candidato a vereador pelo PP no município.

As fotos mostram a precariedade do local escolhido para o núcleo: o estacionamento de uma farmácia.

Aliado de Fabinho SG agradece pelas aulas do projeto Futuro Saudável
Aliado de Fabinho SG agradece pelas aulas do projeto Futuro Saudável Imagem: Reprodução/Facebook

Assim como Wagner Tavares, Fábio Ignácio foi assessor de gabinete de Felício Laterça.

Ele foi procurado por WhatsApp, mas não houve retorno.

Dos R$ 4 milhões do Futuro Saudável, metade foi reservada para a contratação de eventos.

Apesar de o projeto ter começado no fim de abril, até hoje a ONG não incluiu nenhum contrato para esse serviço no sistema do governo federal que reúne documentos da execução da emenda.

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Mais um aliado no comando

No projeto tocado com os recursos da outra emenda de Luís Miranda, o CEL, o cargo principal foi ocupado por outro divulgador da campanha de Tavares na Ilha do Governador.

Luis Paulo Munhen de Pontes foi coordenador do projeto esportivo entre dezembro e julho deste ano, com salário de R$ 4.500.

Luís Pontes (à dir.) com o candidato Wagner Tavares
Luís Pontes (à dir.) com o candidato Wagner Tavares Imagem: Reprodução/ Instagram

O CEL teria três núcleos nos bairros de Inhaúma, Penha e Pilares (todos na zona norte), segundo o plano de trabalho enviado pelo Instituto Realizando o Futuro ao Ministério do Esporte.

Na prática, tudo mudou: são dois na Ilha do Governador e um no bairro do Caju (zona norte), no espaço da ONG Arte Salva Vidas.

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Recentemente, a ONG inaugurou um novo espaço com o apoio de Wagner Tavares.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Arte Salva Vidas confirmou que cedeu espaço, sem recebimento de recursos, para aulas de jiu-jitsu do projeto CEL. A ONG não respondeu se houve intermediação de Tavares para a implementação do núcleo na entidade.

O Instituto Realizando o Futuro afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "sob a ótica das questões administrativas citadas estamos apurando as informações e iremos tomar as providências cabíveis dentro das melhores práticas da administração pública".

"Concluímos ratificando que seguimos os ritos exigidos pela parceria para a contratação de pessoal, com abertura de edital e captação de currículos".

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