PF vê 'papel central' de deputado em esquema de emendas e compra de votos

Investigação da Polícia Federal aponta que o deputado federal Júnior Mano (PSB-CE) teve "papel central" num esquema de manipulação de eleições municipais em 51 cidades no Ceará por meio de compra de votos além de participação em desvios de recursos oriundos de emendas parlamentares, mostram documentos obtidos pelo UOL. Ele nega as acusações.

O que aconteceu

Amigo de Júnior Mano é apontado como líder de organização criminosa. A PF conclui a investigação de um inquérito em relação às operações "Mercato Clausu" e "Vis Occulta" no dia 18 de dezembro. Inicialmente, a corporação apontou que um amigo do parlamentar —o prefeito eleito de Choró (CE), a 180 km de Fortaleza, Carlos Aberto Queiroz Pereira (PSB), o Bebeto do Choró ou Bebeto Queiroz— seria o líder uma organização criminosa de compra de votos e lavagem de dinheiro a partir de contratos de prefeituras do estado com empresas de fachada.

Bebeto do Choró é foragido da Justiça. Ele foi preso em uma operação do Ministério Público do Ceará em novembro, foi solto dez dias depois, teve nova ordem de prisão decretada em dezembro e, agora, é considerado foragido. Ele foi diplomado por meio de uma procuração nas mãos de seu filho. Sua posse como prefeito de Choró está marcada para o dia 1º de janeiro. Caso não compareça, o vice exercerá o cargo temporariamente, mas a chapa é alvo de pedido de cassação.

Segundo a PF, a investigação mostrou que Júnior Mano também participou do esquema de Bebeto. "A autoridade policial apresentou relatório indicando também a participação do deputado federal Junior Mano (...), o qual exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais, tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso", escreveu Flávio Vinícius Bastos, juiz da 3ª Zona Eleitoral de Fortaleza.

Júnior Mano (à esq.) recebe Bebeto do Choró em seu gabinete
Júnior Mano (à esq.) recebe Bebeto do Choró em seu gabinete Imagem: Reprodução/Instagram/Bebetoqueiroz_/19.nov.2024

Parte dos recursos seria desviada de emendas, aponta a PF. "Ademais, apontou indícios de que o deputado estaria diretamente envolvido no desvio de recursos oriundos de emendas parlamentares, utilizados para alimentar o esquema e consolidar sua base de apoio político", continuou o juiz em decisão de 19 de dezembro.

O deputado nega irregularidades. Júnior Mano disse à reportagem que "é vítima do uso indevido de seu nome e confia plenamente nos poderes constituídos para o reconhecimento de sua total inocência" (leia mais abaixo).

Emendas de Júnior Mano não precisam apresentar plano prévio. Levantamento do UOL mostra que quase a metade (45%) das emendas individuais do deputado, entre 2021 e 2024, foi na modalidade de transferências especiais, chamada de "emenda Pix", quando não há necessidade de apresentação de um plano de trabalho prévio. Foram R$ 47 milhões dessa maneira, num total de R$ 104 milhões em emendas, de acordo com o Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (Siop).

Emendas viraram disputa entre STF e Congresso. As emendas parlamentares e operações anticorrupção da PF estão no foco da disputa entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso pela falta de transparência e rastreabilidade das verbas, muitas vezes ocultando seus "padrinhos".

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Caso de Júnior Mano subiu para o STF. Como parlamentares têm foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, o magistrado do caso disse que ele não poderia julgar o processo e remeteu toda a investigação para Brasília. No STF, o inquérito e um recurso de Bebeto foram distribuídos ao gabinete do ministro Gilmar Mendes. Na segunda-feira (23), ele ordenou que a Procuradoria-Geral da República se manifestasse no caso. A papelada do inquérito foi enviada na sexta-feira (27).

Prefeita diz que deputado atuava em lavagem

Prefeita diz que Júnior Mano lavava dinheiro das emendas parlamentares. Em 26 de setembro, a prefeita de Canindé (CE), cidade a 110 km de Fortaleza, Maria do Rosário Ximenes (Republicanos), prestou depoimento no Ministério Público Eleitoral. Ela afirmou que Bebeto teria mais de R$ 58 milhões para "gastar nas eleições" da região. Ela disse que parte da origem desse dinheiro era das emendas, que eram lavadas por Bebeto em troca de uma porcentagem. Os dois atuavam conjuntamente com essa lavagem de dinheiro em 51 municípios da região, segundo o Ministério Público Eleitoral. O depoimento faz parte da investigação da PF e de outros processos abertos pela promotoria.

Bebeto e o deputado Júnior Mano chamam um ao outro de "amigo" e "irmão". Em 19 de novembro, dias antes de ter sua prisão decretada na operação "Ad Manus", o prefeito eleito Bebeto esteve em Brasília, quando se encontrou com autoridades, como o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), e o deputado. Com o parlamentar, Bebeto recebeu uma série de elogios de Júnior Mano, como é possível ver no registro feito em rede sociais abaixo:

"O prefeito eleito, esse grande amigo Bebeto Queiroz, tem contribuído", iniciou o Júnior Mano, no vídeo. "Estamos aqui discutindo o planejamento para os próximos 4 quatros", continuou. "Tenho certeza que, dessa parceria, dos bons frutos que nós já colhemos anteriormente e vamos colher ainda muito mais no futuro", diz o deputado. Bebeto respondeu que considera o parlamentar "amigo e irmão".

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R$ 600 mil em dinheiro vivo e 'grupos violentos'

Suspeito admitiu crimes nas eleições. No inquérito da PF, os agentes tomaram o depoimento de Emanoel Elanyo Lemos Barroso. Ele "vem chancelar a participação dos investigados, evidenciando a operação de lavagem de dinheiro destinada a financiar campanhas eleitorais", disse o juiz eleitoral Flávio Vinícius Basto, ao autorizar uma das ações de busca e apreensão contra Bebeto e outros investigados.

Ele foi preso com quase R$ 600 mil em dinheiro vivo em 25 de setembro. Isso foi um dia antes do depoimento de Maria do Rosário. Na cadeia, Elanyo "admitiu existir um esquema de financiamento para campanhas eleitorais, declarando em depoimento que a quantia foi sacada a mando de Maurício Gomes, proprietário da empresa MK Empreendimentos", narrou o juiz, em sua decisão.

Testemunho embasou nova operação. Em outubro, depois da prisão de Elanyo, a PF deflagrou a Operação Mercato Clauso "com o objetivo de garantir a lisura do processo eleitoral e impedir a influência de grupos violentos nas eleições municipais de 2024".

Citados não foram localizados. A reportagem não localizou Maurício Gomes nem Elanyo.

Ministério Público pede cassação de prefeito eleito

MP quer impedir que Bebeto assuma Prefeitura de Choró. Em denúncia à Zona Eleitoral de Quixadá, o promotor André Tabosa pede que Bebeto seja impedido de ser diplomado e tomar posse. Ele exibe comunicações telefônicas apreendidas pela PF nas operações, que confirmariam a denúncia de Maria do Rosário de que o prefeito eleito comprou votos na região.

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Áudio traz negociações para compra de voto, diz MP. Uma das conversas é de 28 de setembro, quando um homem chamado Robério Magalhães manda um áudio para o então candidato a prefeito dizendo: "Mande R$ 200 no meu Pix, mande eu lhe pago... voto em que você quiser... vou mandar meu Pix para ti". Na sequência, usando a conta bancária de seu motorista, Bebeto transfere R$ 200 para Robério, e envia a ele o comprovante por aplicativo de mensagens.

Eleitor pede R$ 200 a Bebeto e indica voto
Eleitor pede R$ 200 a Bebeto e indica voto Imagem: Reprodução/UOL
Bebeto manda R$ 200 a eleitor
Bebeto manda R$ 200 a eleitor Imagem: Reprodução/UOL

Parlamentar pediu "sigilo absoluto" do caso

Júnior Mano nega as acusações. O UOL pediu uma entrevista por telefone com o deputado. Ele disse que estava em viagem e enviou uma nota de sua assessoria em que diz que "é vítima do uso indevido de seu nome e confia plenamente nos poderes constituídos para o reconhecimento de sua total inocência". A nota afirmar que a investigação corre em segredo de Justiça. Seus advogados foram na mesma linha e, no dia 19 de dezembro, pediram "sigilo absoluto" ao juiz Flávio Basto. O parlamentar não respondeu sobre a proximidade com Bebeto.

Júnior Mano foi expulso do PL e se filiou ao PSB. O deputado deixou o partido de Jair Bolsonaro por apoiar o candidato do PT a prefeito de Fortaleza nas últimas eleições, em vez do candidato do PL. Mas Júnior Mano publicou um agradecimento a Valdemar Costa Neto na abertura do processo de expulsão, dizendo que o presidente do PL foi forçado a fazer isso. Nesta sexta-feira (27), ele anunciou que se filiou ao PSB.

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Bebeto do Choró continua foragido. A advogada dele, Luanna de Freitas, disse ao UOL que entrou com habeas corpus no STF para que o prefeito eleito tome posse em 1º de janeiro. Ela não comentou o conteúdo das suspeitas apontadas pela polícia.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Versão anterior do texto informava que Carlos Aberto Queiroz Pereira (PSB) foi eleito prefeito de Chorozinho (CE). Ele foi eleito em Choró (CE). A informação foi corrigida

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