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"Desespero": Funcionários do Metrô relatam medo e falta de equipamentos

Passageira utiliza máscara dentro de vagão no Metrô de São Paulo - BETE MARQUES/O FOTOGRÁFICO/ESTADÃO CONTEÚDO
Passageira utiliza máscara dentro de vagão no Metrô de São Paulo Imagem: BETE MARQUES/O FOTOGRÁFICO/ESTADÃO CONTEÚDO

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

24/03/2020 04h00Atualizada em 24/03/2020 09h08

Resumo da notícia

  • Justiça do Trabalho determinou que o Metrô afaste trabalhadores do grupo de risco
  • Decisão também exigiu que a companhia forneça máscaras e álcool em gel
  • Funcionários relatam que medida é cumprida, mas faltam equipamentos
  • UOL testemunhou redução no fluxo de passageiros na segunda-feira

"O sistema, por si só, por estar debaixo da terra, já é insalubre. Imagine com o coronavírus." A frase é de uma funcionária que trabalha há mais de 15 anos no Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo), e reflete a apreensão e o medo que parte dos trabalhadores do meio de transporte tem sentido em relação à pandemia do novo coronavírus, que já deixou 34 mortos no Brasil — 30 deles no estado paulista.

No último final de semana, a Justiça do Trabalho determinou que o Metrô afaste do trabalho todas as pessoas — incluindo os funcionários terceirizados — que estão no grupo de risco da doença.

Dessa forma, todos os trabalhadores com mais de 60 anos e que apresentam patologias respiratórias, como asma, foram afastados. A Justiça também exigiu que a companhia forneça máscaras e álcool em gel para os funcionários durante o expediente.

Caso o Metrô descumpra a decisão, a desembargadora Sonia Maria de Oliveira Franzini, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Divisão (TRT2), determinou uma multa diária de R$ 50 mil.

A funcionária Sônia (seu nome verdadeiro foi preservado pela reportagem), que trabalhou por nove anos nas estações e agora está no tráfego dos trens, não esperou a decisão da Justiça para se afastar. Na última semana, ela não foi trabalhar por conta dos problemas respiratórios.

Movimentação na Linha Azul do Metrô em São Paulo na última sexta-feira (20); funcionários relatam apreensão por conta do coronavírus - WILLIAN MOREIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - WILLIAN MOREIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Movimentação na Linha Azul do Metrô em São Paulo na última sexta-feira (20); funcionários relatam apreensão por conta do coronavírus
Imagem: WILLIAN MOREIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

"Tenho bronquite asmática", diz ela, que teve de ser afastada duas vezes nos últimos meses por conta de crises relacionadas aos seus problemas respiratórios.

"Os funcionários estavam com medo, nós trabalhamos com uma grande circulação, pessoas de lugares diferentes, que trabalham em vários lugares. São milhões de pessoas passando lá o dia inteiro", diz ela. "Não tem ninguém achando que é brincadeira. Eu estou com medo, por isso resolvi ficar em casa", argumenta, sobre a decisão de se autoisolar mesmo sem respaldo da empresa.

Alguns funcionários já foram testados e deram positivo para coronavírus. São pessoas que fizeram viagens internacionais. O contágio comunitário no metrô eu não sei se ainda aconteceu, mas acredito que daqui umas duas semanas a doença vai se manifestar de forma mais intensa"
Funcionária do Metrô

Operador de trens e diretor do Sindicado dos Metroviários de São Paulo (entidade responsável por acionar a Justiça e conseguir o fornecimento de insumos para os trabalhadores), Narciso Soares afirma que há um clima de "desespero" com a situação envolvendo a pandemia.

Para ele, todo o serviço já deveria estar paralisado, à exceção de profissionais da saúde, trabalhadores e pessoas que precisam utilizar o Metrô para fazer compras no supermercado, por exemplo.

"A categoria tem um entendimento de que tem de prestar um serviço, de que vai ter que transportar os profissionais de saúde, o pessoal que trabalha nos mercados. Isso para o próprio combate da pandemia. Mas o plano de contingência [do Metrô] é muito insuficiente, coloca muita gente em risco. Não só os parentes dos funcionários, mas coloca em risco a vida da própria população", diz Soares ao UOL.

Faltam máscaras, álcool gel. Falta praticamente todos os itens de EPIs [ Equipamentos de Proteção Individual]. O governador esta sendo bastante negligente"
Narciso Soares, diretor do Sindicado dos Metroviários de São Paulo

Cidade fantasma

A reportagem viajou pelas três principais linhas do Metrô durante o horário de pico no final da tarde de ontem e constatou uma mudança brutal no cotidiano do transporte. Na estação da Sé, na Linha Vermelha, onde as pessoas costumam se aglomerar nos gradeados que levam aos vagões, havia espaços vazios e bancos livres. Alguns carros estavam cheios, mas longe das habituais superlotações.

Na Linha Verde, havia ainda menos passageiros. O trecho é considerado estratégico para a saúde pública, já que passa por vários hospitais da cidade, incluindo o Hospital das Clínicas, considerado o mais importante do SUS (Sistema Único de Saúde) na capital. Na Linha Azul, os vagões que ficavam atravancados agora são ocupados por uns poucos trabalhadores, alguns deles de máscaras.

O UOL também questionou funcionários sobre o cumprimento da decisão judicial que obrigou o Metrô a fornecer máscaras e álcool em gel. A maioria deles afirmou que os insumos foram distribuídos hoje e estavam atendendo à decisão. Mas a reportagem avistou alguns funcionários que não utilizavam máscaras.

"Após a decisão da Justiça, melhorou um pouco o processo. Mas não significa que estão cumprindo tudo. Hoje, por exemplo, em vários lugares só tinha mascara para um dia. Chegou ao ponto de nós termos de nos organizar, fazer grupos para verificar onde estão faltando os EPI's, avisar os funcionários e denunciar para a empresa", diz Soares.

Em uma das catracas de uma estação Paraíso quase vazia, um funcionário contou à reportagem sobre um caso de um homem que passou mal na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

"Ninguém quis atender ele, ficaram com medo. Mas agora passaram todos os protocolos para a gente, ainda não aconteceu nada no Metrô, mas precisamos estar preparados", diz. "É, maninho, a coisa está feia."

O que diz o Metrô

Em nota, o Metrô informou que "intensificou as medidas de higienização dos trens e estações, com ampliação da frequência de limpeza de assentos, pisos, corrimãos, maçanetas, entre outros componentes".

"Seguindo as orientações do Ministério da Saúde, Anvisa e Comitê de Contingenciamento, a Companhia também abasteceu as áreas operacionais de atendimento aos passageiros com Equipamentos de Proteção Individual e Coletivo e liberou de suas atividades todos os funcionários incluídos nos grupos de risco", diz o texto.