Topo

Covid-19: Sem quarentena, Grande SP teria 357 mortes até maio, diz estudo

A pesquisa da UNB foi entregue à prefeitura e ao governo de São Paulo. João Doria (PSDB) adotou o isolamento social - Pier Marco Tacca/Getty Images
A pesquisa da UNB foi entregue à prefeitura e ao governo de São Paulo. João Doria (PSDB) adotou o isolamento social Imagem: Pier Marco Tacca/Getty Images

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio de Janeiro

27/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Uma pesquisa da UNB estimou que a Grande São Paulo teria 357 mortes pelo coronavírus em dois meses, se não houvesse isolamento social
  • O período da previsão da pesquisa é de dois meses, da "invasão da doença" na região até 60 dias depois
  • A intenção do estudo é analisar qual seria o impacto do coronavírus no sistema de saúde de São Paulo, num cenário sem quarentena
  • Doria afirmou que as medidas foram baseadas em estudos e reduziram a velocidade do crescimento de casos que, agora, estão em 862 para todo o estado

Um estudo da Universidade de Brasília (UNB) estimou que a região da Grande São Paulo teria 357 mortes e 38.583 infectados pelo coronavírus em dois meses, se não houvesse nenhuma medida de isolamento social. O governo do Estado de São Paulo implementou medidas para distanciamento social, contrariando o presidente Jair Bolsonaro, que quer flexibilizá-las.

Como base de comparação, o número de óbitos por covid-19 estimado pela pesquisa, no cenário sem nenhum isolamento social, seria o quádruplo dos homicídios dolosos na capital — a média de homicídios dolosos na região metropolitana de São Paulo em 2019 foi de 47 pessoas por mês (em dois meses, foram 94 assassinatos, ou seja, 3,8 vezes menos do que as 357 mortes pelo coronavírus, conforme o estudo da UNB).

Publicada em 15 de março, a pesquisa "Impacto esperado para o surto de covid-19 em uma grande metrópole no Brasil" usou dados dos casos de Wuhan (China) e da demografia da população de São Paulo (caraterísticas dos cidadãos), para calcular o efeito da doença na região metropolitana com 21,5 milhões de pessoas.

O período da previsão da pesquisa é de dois meses — da "invasão da doença" na região até 60 dias depois. A data da invasão, quando o vírus se prepara para instalar na cidade, não foi calculada, mas é estimada no início de março. Ou seja, a previsão é, aproximadamente, daí até o final de abril e início de maio.

Entre os seus autores estão três pesquisadores que trabalhavam no Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde até o meio de março. O relatório foi entregue à prefeitura e ao governo de São Paulo.

Qual seria o impacto no sistema de saúde?

A intenção do estudo é analisar qual seria o impacto do coronavírus no sistema de saúde de São Paulo, se não houvesse nenhuma medida de distanciamento social aplicada. Pelos dados revelados, em 30 dias, a Grande SP somaria 1.368 casos de infectados com 14 mortes, o que iria gerar 81 hospitalizações. Nesse primeiro cenário, o sistema de saúde aguentaria com facilidade, segundo o estudo.

A questão é que, sem as medidas restritivas de contato social, a grande São Paulo somaria 38.583 casos e 357 mortes em dois meses, segundo a estimativa do estudo.

E, pela previsão do estudo, haveria 2.181 pessoas hospitalizadas. "A epidemia da covid-19 em grande área urbana como São Paulo promoveria um significativo encargo no sistema de saúde. Medidas para limitar a disseminação da doença serão necessárias para atrasar o crescimento da epidemia e evitar esgotar o sistema disponível de leitos de hospitais e unidades de tratamento intensivas."

O governador de São Paulo, João Doria, adotou um distanciamento social com quarentena para pessoas que não cumpram serviços essenciais. Isso está mantido até 7 de abril, com a possibilidade de um lockdown se necessário, segundo o político do PSDB.

Em entrevista ontem, Doria afirmou que as medidas foram baseadas em estudos e reduziram a velocidade do crescimento de casos que, agora, estão em 862 para todo o Estado.

O contraponto é do presidente Jair Bolsonaro, que critica o governador e pede relaxamento das restrições para minimizar os prejuízos à economia.

Média das projeções pessimistas e otimistas

Uma das autoras do estudo da UNB, a epidemiologista Fabiana Ganem, que trabalhava no Ministério da Saúde, afirmou que os números apresentados para a Grande São Paulo são uma média das projeções mais otimistas e mais pessimistas. Para chegar a esses dados, foram usadas as taxas de letalidade e padrões de contato da população de Wuhan, que foi o primeiro epicentro da pandemia de coronavírus. A pesquisadora ressaltou que o estudo trabalhou com um cenário mais grave, sem medidas de contenção pelo Estado.

"É uma previsão sem nada de restrição, para ver a agressividade da epidemia. Mostra o cenário mais agressivo", contou Fabiana Ganem, da UNB.

"No próximo artigo, vamos avaliando as medidas de controle e ajustando os parâmetros, porque temos dados de outras populações, dos EUA e Itália, que têm matrizes de contato diferentes (formas de contato). Não vai ser um número exato, mas será mais perto de entender o que vai acontecer no Brasil", acrescentou a pesquisadora.

O próprio documento ressalta que esse estudo deve servir como base para medidas de restrição ao contato social e, por isso, fez uma divisão por idade da população atingida. Pelo cálculo do estudo, a Grande São Paulo teria 8.427 idosos infectados ao final de abril se nada fosse feito. Os idosos são mais suscetíveis a desenvolver quadros graves ao serem atingidos pelo coronavírus. "Esse tipo de abordagem é relevante para planejar políticas de intervenções que dependam de idade, como fechamento de escolas e restrições de encontros públicos", diz a pesquisa.

Para Fabiana Ganem, as medidas do governo paulista têm efeito na disseminação. "Tem um impacto. Medidas de controle são bem similares às de outros países, como fechar escolas. Isso diminui a matriz (padrão) de contatos entre crianças, mas aumenta com adultos. Modifica a matriz de contato. As medidas vêm sendo as mesmas: limitar contatos sociais com grupos de riscos. Esse modelo (do estudo) vai sugerir outros cenários."

Há grupos de pesquisadores de diversas universidades brasileiras que vêm atuando em conjunto, em uma rede com troca de informações sobre o novo coronavírus. A intenção é abastecer os gestores públicos com informações para tomarem decisões para combater a doença.