SP soma mortos e suspeitos, triplica óbitos por covid-19, e foge à regra
Resumo da notícia
- Prefeitura divulga em redes sociais que cidade teve 1.207 mortos por covid-19
- Segundo secretário, dado reúne óbitos confirmados pela doença a casos suspeitos
- Se casos suspeitos forem somados aos confirmados, cidade teria o triplo de mortes
- Para especialista, apresentação dos dados desta forma é grave e pode confundir população
A cidade de São Paulo divulgou em suas redes sociais que o município teve 1.207 mortes por covid-19 até o dia 13 de abril. O número, porém, traz a soma dos óbitos confirmados e suspeitos, ou seja, inclui casos que ainda não tiveram confirmação atestada para a doença causada pelo novo coronavírus. Segundo balanço diário da própria secretaria municipal de saúde, o número de mortes confirmadas no dia era de 456.
Ao somar casos confirmados e suspeitos, a prefeitura divulgou, em uma postagem no Facebook às 20h52 de anteontem (15), um número três vezes maior do que o oficial.
A tabela (foto) divulgada divide 1.201 de 1.207 óbitos (informados no rodapé) pelas 32 subprefeituras da cidade. O gráfico aponta que as regiões da Penha (79), Mooca (67) e Casa Verde (63) são as três que têm mais mortes.
Fora de padrão
Essa forma de divulgação foge à regra aplicada pelo estado de São Paulo, pelo Ministério da Saúde e pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que divulgam apenas casos e óbitos confirmados. Especialista ouvido pelo UOL criticou a forma como o dado foi apresentado pelo órgão da prefeitura.
Alguns municípios e estados ainda divulgam os casos suspeitos, e o próprio Ministério da Saúde fazia isso no início da pandemia; porém, quando publicados, os casos e óbitos suspeitos aparecem separados dos demais, jamais somados.
Soma de suspeitos e confirmados
Em entrevista ao UOL, o secretário municipal de saúde de São Paulo, Edson Aparecido, disse que o documento soma óbitos confirmados por covid-19 com mortes suspeitas. Sendo assim, o dado indica que a cidade tem 2,14 mortes suspeitas para cada óbito confirmado.
A tabela somaria, segundo o secretário, 959 casos suspeitos até 11 de abril com os 384 óbitos confirmados até o dia 13. Somando ambos os números, contudo, o número de óbitos, segundo esse critério, seria ainda maior: 1.343.
Planejamento
Segundo Aparecido, fazer essa soma dos óbitos confirmados pelo novo coronavírus com os suspeitos no mesmo dado é necessária. Ele afirma que não é possível planejar a resposta da cidade à epidemia sem considerar os casos suspeitos.
"Não dá para desconsiderar mais na estratégia esta pessoa que morreu com todas as características clínicas que era de covid-19, que foi testada, mas eu não tenho resultado. Não dá para deixar fora [das estatísticas] para montar uma estratégia da secretaria. Não é um contingente pequeno, é mais de duas vezes o número de mortes confirmadas. Por isso que a gente passou a fazer uma conta só", afirmou.
A decisão da secretaria de somar casos suspeitos e óbitos para planejar as ações de saúde tem aval de médicos do município, diz Aparecido. "Todos os nossos médicos dizem para nós que é 99% de chance de ser covid-19."
"Nós temos o mapa de hospitalização e o mapa de óbito por residência. Eu pego a Capela do Socorro e Grajaú, que não têm hospital, mas têm este número de mortes [42]. Por que é importante para mim? Porque eu passo a ter uma estratégia sanitária e epidemiológica para toda essa região. A pessoa não morreu aqui, morreu em outra região da cidade, mas aqui que ela convivia com pessoas. Eu passo a ter uma estratégia para a região", argumenta.
Dados repassados ao Estado
O secretário afirmou que repassou os dados e mandou a lista com os nomes das vítimas para o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, responsável pelos laboratórios de São Paulo habilitados a fazer testes da doença.
"É um número expressivo de casos suspeitos", declarou. "Entram na minha estatística pessoas que morreram em casa, que não passaram por hospital."
De acordo com Aparecido, a tabela soma casos cujo resultado para o teste de covid-19 não ficou pronto. "São pessoas que morreram de síndrome aguda grave respiratória, fizeram o teste, mas eu não tenho o resultado do teste. A gente passou a computar no nosso mapeamento, passamos a fazer o mapeamento por residência", afirmou.
Segundo Dimas Covas, o Estado de São Paulo tem uma fila de mais de 15 mil exames.
Em outra tabela, dados da cidade divergem dos estaduais
O UOL também encontrou discrepâncias entre os dados de óbitos divulgados pela cidade de São Paulo no site da prefeitura. Segundo o quadro "dados epidemiológicos", publicado na página da secretaria de saúde municipal, a cidade tinha 456 mortes por covid-19 em 13 de abril. Na mesma data, a Secretaria Estadual da Saúde divulgava que o município tinha 384 óbitos pela doença.
De acordo com Paulo Menezes, coordenador de Controle de Doenças da Secretaria estadual de Saúde, a diferença entre os dados da secretaria estadual com as estatísticas da secretaria municipal existe porque a cidade é informada das mortes pelo seu serviço de verificação de óbito. A secretaria estadual, por sua vez, precisa esperar a burocracia ser finalizada nos cartórios, o que leva alguns dias e causa a diferença.
Outro motivo para a divergência nos dados é que a prefeitura inclui as mortes ocorridas em casa, algo que o Estado começou a fazer somente agora. A diferença nos dados já chamou a atenção do MP Estadual.
Para especialista, divulgação é grave
Para o professor de Medicina Social Domingos Alves, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, especialista na análise de dados epidemiológicos, a divulgação da soma de óbitos com casos suspeitos é grave por dois motivos: o erro na divulgação e o fato de óbitos poderem estar sendo ignorados em listas oficiais.
"A diferença entre um número e outro é gritante. Seria uma diferença gigantesca no dado nacional. A prefeitura deve uma explicação adequada, pois isto pode justificar o medo da população de que os números reais não estão sendo divulgados. É grave. Seja por um erro da nota, seja pelo boletim que não levou em consideração a nota. É grave de todo jeito", afirmou.
Para Alves, a prefeitura de São Paulo poderia até divulgar os casos suspeitos e os confirmados e os óbitos suspeitos e os confirmados por coronavírus, mas de forma separada.
Além disso, quando casos suspeitos são divulgados, deve-se informar as razões da suspeita, avalia o especialista. Alves lembra que o Ministério da Saúde determinou em março que as autoridades estaduais de saúde deveriam comunicar casos suspeitos.
"Se é suspeito, deveria ser publicado; e se não foi, é um ato grave", concluiu o professor de Medicina.
* Colaboraram Carolina Marins e Cleber Souza, do UOL, em São Paulo
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