Opinião: Bolsonaro precisa mudar discurso sobre idosos e agir na pandemia
O presidente Jair Bolsonaro tem insistido no mito de que apenas os idosos estão em risco pela covid-19. Ao mesmo tempo, tem rejeitado suas necessidades. Sua desinformação e comentários insensíveis sobre os 28 milhões de pessoas com mais de 60 anos do país tornam ainda mais difícil para os profissionais de saúde salvarem vidas.
Dados da Europa e dos Estados Unidos mostram que pessoas de todas as idades são suscetíveis à covid-19. Mas aqueles com mais de 60 anos correm maior risco de complicações graves ou fatais. Cerca de 95% das mortes pela doença na Europa foram de pessoas com mais de 60 anos.
No entanto, o presidente Bolsonaro rejeitou abertamente o dever do governo de proteger as pessoas idosas. "Devemos sim, num primeiro lugar, cada família cuidar dos mais idosos, não pode deixar na conta do Estado", disse ele em uma entrevista de televisão no início deste mês.
Ele está errado. Por um lado, mais de 4 milhões de idosos vivem sozinhos no Brasil. O governo deve protegê-los, assim como aqueles que vivem com suas famílias ou em instituições. A pandemia aumenta os riscos à saúde desta população, mas eleva também os riscos de violência, negligência e outros abusos. Serviços públicos podem ampliar sua sobrevivência.
Dados do Disque 100 da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos indicam que a crise da covid-19 trouxe um aumento significativo de denúncias diárias de violações de direitos contra pessoas idosas, incluindo maus-tratos e exposição a riscos à saúde. Pessoas que trabalham com vítimas de violência doméstica confirmam um aumento na violência contra mulheres idosas por seus parceiros, filhos ou cuidadores. E isso é preocupante, tendo em vista que na última década, a proporção de mulheres de 60 anos ou mais cresceu para 23,8% do total de mulheres e meninas acima de 15 anos.
Erika Bueno, advogada de um centro de apoio a mulheres na zona sul de São Paulo, auxiliou recentemente uma mulher idosa cujo filho a agredira e outra cujo ex-companheiro abusivo a ameaçara. Especialmente durante uma quarentena, o governo deve procurar garantir que as pessoas saibam como denunciar abusos, disse Erika. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por exemplo, criou um sistema de atendimento para auxiliar vítimas de violência doméstica de forma remota, requerendo aos juízes medidas protetivas, sem exigir o comparecimento pessoal das vítimas.
O presidente poderia usar o seu megafone para divulgar esse tipo de programa. Ele poderia ampliar os serviços de apoio e distribuição de alimentos, medicamentos e outros produtos, para idosos e outras pessoas que devem permanecer em isolamento social no Brasil como um todo, reduzindo sua dependência obrigatória a suas famílias e outros, e diminuindo os riscos de violência e outros abusos. Mas, em vez de exprimir preocupação, transmitir informações sólidas e direcionar ajuda para salvar vidas, Bolsonaro continua a descartar o valor dos idosos e de outras pessoas com alto risco.
Para piorar a situação, o presidente tem escolhido lutar, não contra o vírus, mas contra as autoridades de saúde de todos os níveis, incluindo governadores, que estão tentando implementar políticas para conter a disseminação da pandemia, a partir de evidências científicas. Bolsonaro inclusive exonerou do comando do Ministério da Saúde Luis Henrique Mandetta, que pedia que brasileiros praticassem, quando possível, o distanciamento social.
Em vez de apoiar esses protocolos, o presidente sugere que apenas as pessoas idosas fiquem em casa, enquanto outros membros da família vão e vêm do trabalho. Especialistas em saúde dizem que isso não impedirá a propagação da doença nem poupará os que ficam em casa. De fato, em outros países, a maioria do contágio se deu no núcleo familiar. Algumas pessoas infectadas não apresentam sintomas e levam a doença para casa sem saber.
Pesquisadores do Imperial College London previram que exigir que apenas idosos se isolem pode dobrar o número de mortes pela covid-19 no Brasil. Em 27 de março, a Frente Nacional de Prefeitos, representando as maiores cidades do Brasil, já alertava que o término dos protocolos de distanciamento social poderia levar a hospitais sobrecarregados e ao colapso do sistema de saúde do país.
Governantes têm a obrigação de proteger a todos. Os idosos não são exceção. As lideranças do país em todos os níveis, até o topo, precisam se unir para combater a pandemia. Precisam apoiar protocolos que protejam todos da exposição e evitem a discriminação no acesso ao tratamento. Eles precisam cuidar daqueles que ficam doentes, e precisam defender as pessoas da crescente violência e negligência relacionada à pandemia.
*Maria Laura Canineu é diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch e Bethany Brown, especialista em direitos da pessoa idosa da Human Rights Watch
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