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Sendo 'otimista', vacina contra covid-19 levaria 2 anos, diz imunologista

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

30/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Mesmo com pesquisas mais avançadas, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia acha difícil descoberta em menos tempo
  • Ricardo Gazzinelli afirma que seria "muito inesperado" não haver imunização contra covid-19
  • Para pesquisador, quanto maior a adesão ao isolamento social, mais cedo ela acaba
  • Ele alerta ainda ser prematuro relaxar a medida antes de Brasil atingir pico de casos da doença

O presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia), Ricardo Gazzinelli, afirma que numa projeção "otimista" levaríamos ao menos dois anos até estar disponível uma vacina eficaz contra a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Hoje há diferentes grupos de pesquisadores trabalhando para encontrar uma vacina. "Os imunologistas do mundo inteiro procuram como induzir um anticorpo contra essa proteína do vírus que se chama spike. É o anticorpo que reconhece essa proteína que neutraliza o vírus", diz o imunologista.

A corrida contra o tempo é a maior dificuldade, já que desenvolvimento de uma vacina depende de muitos estudos. "Num horizonte otimista, esse prazo pode encurtar e chegar a dois anos. Antes disso é difícil", afirma Gazzinelli.

A epidemia global do vírus lançou pesquisadores em todo mundo em busca de uma vacina e alguns centros de pesquisa já avançaram para a fase de testes em seres humanos. As pesquisas brasileiras ainda não estão nessa fase.

O presidente da SBI explica que a pesquisa para uma nova vacina normalmente é realizada em diferentes etapas:

  • Primeiro é desenvolvida a formulação da vacina
  • Depois, se passa a uma fase de testes em animais
  • Em seguida, a vacina é testada em seres humanos: verifica-se se há efeitos colaterais e, em seguida, se avalia se de fato bloqueia a transmissão do vírus
  • Por fim, passa-se à produção em larga escala

Gazzinelli, que é também pesquisador na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que no contexto atual é possível que algumas etapas da pesquisa sejam encurtadas, mas a produção global da vacina ainda seria um desafio.

"Vamos supor, se a vacina for feita nos Estados Unidos, vai atender primeiro a população deles. E depois? A qual país ele vai vender a vacina primeiro?", diz o pesquisador. "Mesmo que seja desenvolvida em um ano e meio, como se chega à produção em grande quantidade? A estimativa de dois anos é otimista, mas, quem sabe, possível", afirma Gazzinelli.

Imunidade da população

Um papel importante da vacina é o de permitir com maior segurança o relaxamento das medidas de isolamento social, defendidas pela OMS (Organização MUndial da Saúde).

As ações de distanciamento social — como a suspensão das aulas, fechamento de parte do comércio e proibição de aglomerações — têm o objetivo principal de evitar uma explosão repentina no número de casos, o que leva a uma sobrecarga no sistema de saúde, impedindo atendimento adequado a quem precisa, elevando o número de mortos.

Os cientistas acreditam que, quando cerca de 70% da população estiver imunizada contra o coronavírus, será possível relaxar com mais segurança as medidas de isolamento.

Mas, para atingir esse percentual, a única alternativa possível, segundo Gazzinelli, seria encontrar uma vacina. "Não é viável pensar que isso vai acontecer à custa de infecções, isso tem que acontecer em decorrência de vacinação", diz o imunologista.

Imunização gerada pelo vírus

Além de uma vacina eficaz, a outra hipótese científica para que as pessoas fiquem imunizadas é contrair o vírus e esperar pela reação natural do nosso sistema imunológico, que desenvolve anticorpos capazes de nos proteger de uma segunda infecção.

Esse processo é conhecido para outros vírus. Em relação ao novo coronavírus, apesar de o conhecimento científico ainda estar sendo construído, Gazzinelli afirma que o esperado é que as pessoas infectadas também desenvolvam imunidade.

Seria inédito se ele não induzisse uma resposta imune, seria uma coisa muito inesperada
Ricardo Gazzinelli, presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia)

A expectativa, segundo Gazzinelli, é que pessoas vão, sim, ficar imunes. "Já tem estudos experimentais sugerindo que essas pessoas têm o anticorpo neutralizante, que é aquele que se liga no vírus e impede que ele infecte uma célula nova", diz.

Outros vírus da gripe, como o influenza, sofrem mutações com facilidade e por isso tem um poder maior de infectar novamente as pessoas. Com o influenza, por exemplo, é isso que faz com que seja necessário tomar uma nova vacina contra gripe todos os anos.

O pesquisador diz acreditar, com base em estudos já conhecidos, que esse não parece ser o caso do novo coronavírus. "Me parece que a alteração dele de genoma não é tão grande quanto a gente vê no influenza ou no HIV", diz Gazzinelli.

"Baseado na inferência de outras viroses, acredito que as pessoas devem sim ficar imunes à infecção do coronavírus", afirma.

Saída do isolamento

Enquanto não há vacina à disposição, o imunologista recomenda que as medidas de distanciamento sejam flexibilizadas apenas quando houver uma redução no número de novos casos.

Segundo Gazzinelli, ainda é cedo para discutir relaxar o isolamento nas cidades que são os principais focos da doença no país.

"O recomendável é que essa flexibilidade ocorra quando se começar a haver uma queda na transmissão", diz o especialista. "Quanto mais pessoas aderirem ao isolamento, mais rápido nós passamos essa fase."

A redução da curva de novos casos, no entanto, não significa que o país atingiu o percentual de 70% da população imunizada, quando é esperado que naturalmente a propagação da doença desacelere.

"A ideia é a seguinte: um indivíduo transmite, vamos supor, para cinco pessoas. Quando você tem 70% imunizado, isso vai diminuir porque a maioria das pessoas que esse indivíduo vai entrar em contato já estão imunes. De cada 10 que ele entrar em contato, 7 estão imunes. O potencial de transmissão dele cai de 5 para 2, e com isso você vai baixando a taxa de transmissão daquela comunidade", explica o pesquisador.

Segundo Gazzinelli, outros países que também estão sob efeito do isolamento, atingiram índices de apenas 5% a 20% da população com anticorpos para o coronavírus, de acordo com pesquisas epidemiológicas.

Ao mesmo tempo em que reduz a velocidade de transmissão do vírus, o isolamento também retarda a imunização natural da população.

Por isso, o presidente da SBI defende que o relaxamento das medidas de isolamento tem que ser feito de forma gradual e com a manutenção de cuidados como o uso de máscaras em público, como forma de evitar a propagação do vírus.

"A hora que tirar o isolamento, como uma fração pequena da população está imune, se não tomar mais cuidado, você tem então um novo pico de transmissão", diz o imunologista.