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Brasil pode ter mais do que o dobro das mortes já confirmadas por covid-19

Movimentação no Cemitério da Vila Pires, em Santo André (SP) - Roberto Sungi - 10.mai.2020/Futura Press/Estadão Conteúdo
Movimentação no Cemitério da Vila Pires, em Santo André (SP) Imagem: Roberto Sungi - 10.mai.2020/Futura Press/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

14/05/2020 13h00

O Brasil já pode ter passado a marca de 21 mil mortes pelo novo coronavírus, segundo projeção feita pelo Observatório Covid-19 BR a pedido do UOL. O cálculo leva em consideração a demora que há entre a ocorrência de um óbito e ele entrar nas estatísticas oficiais do governo.

O estudo do grupo —formado por pesquisadores do Brasil e do exterior— levou em consideração as informações sobre a data de óbito. O Ministério da Saúde, porém, forneceu essas informações até o dia 8 de maio. Não houve atualização após essa data, apesar dos pedidos da reportagem e do observatório.

Em 8 de maio, o Brasil contabilizava oficialmente 9.897 mortes. Porém, considerando o tempo para que se saiba que os falecimentos foram em decorrência da covid-19, o estudo estima que, naquela data, o país já poderia ter pelo menos 21.789 óbitos.

Ou seja, 2,2 vezes o número anunciado, mais que o dobro do divulgado pelo ministério (120%).

Ontem (13), de acordo com a última atualização do ministério, o Brasil registrava, oficialmente, 13.149 mortes.

De acordo com o levantamento, ao menos 39% das mortes pela covid-19 levam até dez dias para constarem nas notificações divulgadas pelo Ministério da Saúde.

"Isso revela que o que vemos hoje é um retrato mais relacionado ao passado do que realmente aos dias mais atuais da pandemia", diz o observatório.

Há óbitos, porém, com atraso de notificação maior que dez dias. As mortes ocorridas em 18 de março são um exemplo da demora para se saber o número real de falecimentos.

Quase dois meses depois, no boletim divulgado em 7 de maio, exames apontaram que mais um óbito em decorrência da covid-19 havia acontecido naquele dia de março.

No total, hoje se sabe que ao menos seis mortes ocorreram em 18 de março. Naquele dia, porém, o Ministério da Saúde tinha ciência de apenas três —as quais, pontua-se, não aconteceram necessariamente nas 24 horas anteriores, podendo ser de dias anteriores.

Projeção próxima

No mês passado, o observatório fez uma estimativa para o UOL de que, em 15 de abril, o país já teria cerca de 3,8 mil mortes. Na ocasião, oficialmente, eram 1.736 óbitos.

Com a atualização do boletim de data de óbito em 8 de maio, sabe-se hoje que, até a metade de abril, o Brasil realmente tinha 3.046 mortes, número próximo ao estimado pelo observatório.

Mas mortes do passado ainda estão entrando apenas agora nas notificações do Ministério da Saúde, o que ainda deve elevar esse número.

Demora não é subnotificação

Os pesquisadores do observatório ressaltam que a projeção não leva em conta as subnotificações, mas a demora em saber o resultado de testes do novo coronavírus.

Para essas mortes, os exames foram feitos, mas a notificação de que elas foram em decorrência da covid-19 possui um intervalo de tempo, o que faz com que o número apresentado diariamente não seja o real de óbitos em determinada data.

"Você não pode tomar o anúncio dos óbitos já registrados para os últimos dias como o definitivo. Ele ainda vai ser atualizado porque outros estão chegando na base", diz Paulo Inácio Prado, professor do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), integrante do observatório.

"Não é um problema de que o teste não detectou. É de que o teste está demorando."

Atualizações diárias

Para o doutorando do IFT (Instituto de Física Teórica) da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Rafael Lopes Paixão da Silva, que fez os cálculos da projeção do observatório, seria importante o governo federal indicar essa estimativa de mortes com base na demora do diagnóstico.

"Os exemplos mais recentes mostram que há uma demora para a morte ser contabilizada", disse. "Um dia que tinha 50 óbitos, dias depois passa a ter uma ordem de grandeza a mais".

O exemplo citado por ele é do dia 1º de maio, quando o ministério anunciou a notificação de 428 óbitos.

Destes, porém, 51 aconteceram exatamente naquela data, de acordo com o boletim de 1º de maio; as outras mortes ocorreram em dias anteriores.

Contudo, uma semana depois, as mortes ocorrida de fato em 1º de maio já eram 227. O número aumentou porque exames identificaram falecimentos no primeiro dia de maio que foram por covid-19.

Datas no passado

Na opinião de Prado, se o governo fizesse essa projeção de número real de óbitos para a data, "informaria muito melhor a opinião pública do que está acontecendo".

"Não é 'hoje temos tantos óbitos'. 'Hoje registramos mais tantos óbitos que aconteceram em datas no passado e, portanto, amanhã é possível que nós tenhamos mais óbitos nessas datas'", comenta o professor da USP.

"Saber a atualidade [da projeção de mortes] neste momento, com alguma precisão, é o que vai guiar nossa política pública, para entender quantas pessoas estão sendo vitimizadas pela pandemia", complementa Silva.