Mortes naturais sobem 3 vezes mais entre negros do que brancos na pandemia
Resumo da notícia
- Dados relativos a óbitos reunidos por cartórios do país mostram desigualdade
- Mortes por causas naturais incluem doenças, e entre elas, a covid-19
- Comparado a 2019, negros tiveram alta três vezes maior no número de óbitos
- Brancos morrem em maior número no total, mas impacto da pandemia é menor
Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, o país registrou um aumento de 13% no número de mortes por causas naturais em relação a 2019, segundo dados do Portal da Transparência da Arpen Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), que reúne os registros de óbitos feitos pelos cartórios brasileiros. A alta na mortalidade atinge raças de maneira diferente, com um crescimento 3,4 vezes maior entre pretos e pardos do que entre brancos.
A mortalidade por causa natural exclui aquelas causadas por atos de violência e acidentes. Segundo os dados do portal, desde a primeira morte da pandemia no Brasil (em 16 de março) até 30 de junho, houve um aumento de 9,3% de mortalidade entre brancos em comparação ao ano passado. Entre os pretos, porém, essa alta foi de 31,1%, e entre os pardos, de 31,4%. Já entre a população indígena, as mortes cresceram 13,2%, enquanto os óbitos de amarelos pularam 15,3%.
Para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), população negra corresponde à soma de pretos e pardos. Segundo o instituto, a população brasileira é formada por 46,8% de pardos, 42,7% de brancos, 9,4% de pretos e 1,1% de amarelos e indígenas.
Mesmo os negros sendo maioria, em números absolutos as mortes registradas por causas naturais atingem mais os brancos. Ao todo, no período, foram 390.078 óbitos registrados nos cartórios, sendo 181.591 de pessoas declaradas brancas, 121.768 de pardos e 25.782 de pretos. Ao todo, foram 701 mortes de indígenas e 3.948 de amarelos. Importante ressaltar que há ainda 56.288 óbitos em que o campo raça/cor não foi informado pelo médico que assinou o documento.
Os dados de mortes em 2020 do portal ainda devem crescer já que muitos dos óbitos estão sendo informados com atraso pelos cartórios por conta da covid-19. A Lei Federal 6.015/73 prevê um prazo para registro de até 24 horas do óbito, mas por conta da pandemia alguns estados esticaram a possibilidade de até 60 dias para registro.
Mortes por doenças respiratórias evidenciam disparidade
Os dados já registrados no portal deixam claro que as mortes de negros por conta de doenças respiratórias —que incluem covid-19, insuficiência respiratória, pneumonia, septicemia e SRAG (Síndrome Respiratória Grave)— também cresceram de forma mais acentuada que entre brancos.
No período da pandemia, ao todo as mortes por doença respiratória saltaram 34,5% no Brasil. Entretanto, entre pardos esse percentual foi 72,8%, e entre os pretos a alta ficou em 70,2%. Já o crescimento de óbitos por estas mesmas doenças entre os brancos ficou em apenas 24,5%. Índios registraram aumento de 45,5% e amarelos de 40,4%.
"Esses números diferentes refletem aquilo que as pesquisas e estudos já vinham revelando: as desigualdades social e racial determinam maior risco de adoecimento e morte. O que a gente já vinha dizendo é que a epidemia escancara a perversa desigualdade social do país", afirma a sanitarista Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
A mortalidade maior de negros já era apontada em vários outros levantamentos, como o de risco de morte por covid-19 ser 62% maior para este extrato da população em São Paulo, segundo dados de maio.
Já a PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio revelou que a covid-19 matava, até maio, 55% dos negros e 38% dos brancos internados no país.
Violência interfere nas mortes por causa natural entre negros
Perez lembra que a expectativa de vida é menor dos negros, e em partes isso é explicado porque pretos e pardos são, historicamente, mais vítimas de violência que os brancos. Isso ajuda a entender porque há mais mortes brancos por causas naturais que de negros, mesmo sendo eles uma parte menor da população.
"As violências, de fato, são muito mais frequentes entre pretos e pardos, não temos dúvida nenhuma, inclusive atingindo diretamente a população jovem. E também quando analisamos por gênero, atinge muito mais a população masculina", explica.
Quando as mortes são por causas naturais, os negros sofrem mais com a desassistência. "A gente percebe que causas naturais incidem mais precocemente nessa população negra do que nos brancos. Se ainda fizermos o recorte de faixa etária, há uma mortalidade precoce na população negra. Isso também ocorre pela falta da garantia no acesso, além de todo o contexto de vida. O sistema precisa garantir a equidade —princípio do SUS [Sistema Único de Saúde]—, como uma medida de democracia e defesa da vida.
Outro ponto citado por ela para explicar o aumento 3,4 vezes maior entre negros que brancos de mortes por causas naturais este ano está a dificuldade que houve para acesso a serviços de saúde de causas que não respiratória.
"Essas mortes incluem casos de neoplasias [cânceres], doenças cardiovasculares entre tantas outras, que têm resultado pior na população negra provavelmente pela dificuldade de acesso ao sistema de saúde. A gente teve nesse período [de pandemia] uma restrição absurda de acesso, principalmente para pessoas com agravos crônicos que complicaram ao longo do tempo por falta de acompanhamento."
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