No Congresso, médicos alertam para pressa de vacinar em massa contra covid
Em debate no Congresso Nacional, médicos alertaram hoje para o que consideram riscos de haver uma pressa em estudos de vacinas contra a covid-19 e de ter uma vacinação em massa sem todos os dados sólidos disponíveis.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), têm promovido um embate quanto à possibilidade de obrigar ou não a população a se vacinar contra a covid-19. O primeiro é contra. O segundo, a favor.
No pano de fundo, há uma disputa política diante da primeira vacina contra o coronavírus no Brasil poder ser de origem chinesa e produzida com apoio do governo paulista, alavancando eventual candidatura presidencial de Doria versus Bolsonaro em 2022.
O infectologista Francisco Cardoso, da secretaria estadual de saúde de São Paulo, afirmou que "está se vendendo uma coisa que, na verdade, pode não ser exatamente o que as pessoas estão pensando", pois, estudos na fase três tiveram etapas anteriores "atropeladas", ao seu ver.
Ele avaliou que, no momento, as vacinas mais comentadas não oferecem todos os dados sobre se são capazes de produzir a resposta sustentável desejada. Cardoso afirmou ainda não se saber se a vacina produzida neste ano pode se tornar ineficaz no caso da mutação do vírus, citando que o coronavírus que circula no Brasil não é exatamente o mesmo que circulou em Wuhan, no começo da pandemia na China.
"Estamos neste momento usando os brasileiros para testar a fase três, que é a fase da eficácia, ou seja, se a vacina realmente oferece o que propõe, sendo que os estudos das fases um e dois não estão completos. Vai que dá algum problema nesses estudos que a gente só descobre quando abri-lo ou quando forem publicar? Nós já imunizamos milhares de brasileiros. Isso não obedece ao método científico. Não obedece às regras de segurança. Estamos jogando no escuro", disse.
Parte dos médicos presentes no debate promovido no Congresso também questionou os níveis de proteção das vacinas em desenvolvimento e o que a população pode esperar deles. Por exemplo, se as vacinas vão impedir apenas que alguém se contamine, que fique doente ou que se morra de covid-19.
A imunologista e oncologista Nise Yamaguchi, que se destacou meses atrás por defender o uso da cloroquina como tratamento contra a covid-19, medicamento até hoje sem eficiência comprovada, afirmou que não se deve vacinar grupos da população que não foram testados de forma mais ampla.
"Quando vamos para o público, vamos pegar pessoas que estão grávidas e não sabem, pessoas que estão com câncer e não sabem, imunodeficientes, com problemas autoimunes, diabetes, pressão alta, rim, fígado e que não sabem que têm esses problemas, e vão ser vacinadas nessa amálgama, nesse afã de vacinarmos todo mundo. E, ainda, crianças que não foram testadas e os idosos que estão doentes e, portanto, escondidos em suas casas", disse.
Ela classificou como "absurdo" haver uma autorização ou obrigatoriedade de algo que "nem sequer está provado que funciona". Em sua avaliação, mesmo que haja uma aprovação por órgãos reguladores, não é somente isso que deve liberar a vacinação em massa.
Os especialistas participaram hoje de reunião virtual da Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar o enfrentamento à pandemia. O coordenador do colegiado, deputado Luiz Antonio Teixeira Jr (PP-RJ), também afirmou não ser o momento para se discutir a obrigatoriedade da vacina, pois nem todas as condições de efeitos e resultados estão claras.
"Certamente, vamos produzir um documento ao Supremo Tribunal Federal, ao Ministério da Saúde, dizendo da manifestação de que, enquanto não houver a vacina validada pelas agências internacionais e pela nossa Agência de Vigilância Sanitária [Anvisa], não será possível fazer qualquer tipo de conclusão quanto à obrigatoriedade", afirmou.
O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, afirmou haver "lacunas de conhecimento" sobre a covid-19 que precisam ser preenchidas, pelo fato de ser uma doença nova. No entanto, defendeu ser preciso acelerar as fases da pesquisa, do desenvolvimento tecnológico e dos estudos clínicos, sem abrir mão da segurança.
A Fiocruz trabalha junto à pesquisa de uma vacina com a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford, que conta com apoio do governo federal.
"Mesmo sabendo que o processo vai ter que ser mais rápido, isso não significa abrir mão dos critérios técnico-científicos nem do número estatisticamente necessário para que possamos chegar às conclusões", disse Krieger. "Qualquer vacina que seja aprovada pela Anvisa será uma vacina segura."
A coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde, Francieli Fontana, destacou que vacinas só são incorporadas quando comprovados níveis de segurança, imunogenicidade e eficácia adequados. Embora não haja uma vacina pronta, o PNI trabalha em cima de alguns eixos prioritários para preparar uma estratégia de vacinação, informou.
Francieli acrescentou que, atualmente, não há como já apresentar uma proposta, porque isso depende de mais estudos a serem liberados e analisados. Ela disse ainda que, como há várias vacinas em desenvolvimento, é preciso avaliar diferenças na forma de armazenamento e até do público-alvo de cada uma delas.
"A partir do momento em que essa vacina for licenciada, a gente vai ter uma visão melhor para poder elaborar uma estratégia de vacinação adequada", afirmou.
Na semana passada, a direção da Anvisa disse que a análise de vacinas contra o novo coronavírus será técnica, independentemente do laboratório e do país de origem do tratamento.
O presidente da Anvisa, Antônio Barra, afirmou que não cabe à agência adiantar posições ou análises sobre as vacinas nem apresentar previsões de calendário ou de quando uma substância estará disponível à população.
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