Médicos se dizem no escuro sobre CoronaVac e criticam plano sem aprovação
Ainda com questões sem respostas sobre as vacinas que estão sendo desenvolvidas contra a covid-19, médicos têm criticado a politização em torno do possível medicamento no Brasil, dizem que atualmente estamos "no escuro" com relação ao plano de vacinação apresentado pelo governador João Doria (PSDB), em São Paulo, e afirmam que a guerra pelo imunizante é "absurda".
O Instituto Butantan anunciou ontem que decidiu atrasar a divulgação dos resultados preliminares de eficácia da vacina CoronaVac. A ideia agora é submeter à Anvisa, em até dez dias, os dados da análise final da fase 3 do estudo. A CoronaVac é desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida em parceria com o Butantan.
Na noite de ontem, o biólogo Fernando Reinach, PHD em biologia celular e molecular pela Cornell University, publicou no jornal "O Estado de S. Paulo" um artigo citando hipóteses sobre o que, segundo ele, pode estar por trás do adiamento da divulgação dos resultados. Reinach cogita um problema nos testes, um resultado ruim na eficácia do imunizante ou até jogo político.
Em nota, o Instituto Butantan criticou duramente o artigo do biólogo (leia mais abaixo). Após a publicação do texto, a comunidade científica debateu hoje as dúvidas por trás da CoronaVac e a definição de data imposta por Doria para o início da vacinação com um imunizante ainda não aprovado.
Ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto diz que o Butantan poderia ter divulgado dados preliminares sobre os estudos, mas avalia que isso não interessava ao instituto.
"Remotamente, pode acontecer alguma coisa que a gente não está sabendo. Mas acho que não está acontecendo nada, senão, a gente estaria sabendo. Fase 1, fase 2 não aconteceu nada", disse. "É só jogo de cena."
Para ele, "estamos vendo um jogo político entre o presidente e o governador do estado". "E ganha quem conseguir manter o sangue frio. Pelo visto, [Jair] Bolsonaro não está dando bola para nada disso. Está nem aí. O governador do estado está jogando lenha na fogueira e deixando a coisa esquentar."
Gonzalo Vecina Neto afirma acreditar que a mudança de data para a divulgação de dados sobre a fase 3 do estudo da CoronaVac tem motivação política e pode servir para aumentar a pressão sobre o governo federal.
"Acho que é o uso político. Está aumentando a tensão com Bolsonaro", diz. "O Butantan sempre vai poder dizer que os dados não estavam prontos. E agora que o Butantan vai jogar os dados para cima da Anvisa, vai querer que a Anvisa aprove em segundos. E aí a pressão política vai ser muito maior", afirma.
Fernando Aith, professor titular da faculdade de Saúde Pública da USP, concorda que há uma politização sobre as vacinas no Brasil, sobretudo em São Paulo, sob a gestão Doria.
"Os políticos perceberam que a comunidade está exausta, doida por uma solução mágica, de outro lado há interesses políticos e econômicos evidentes pressionando para essa solução mágica chegar, ser vendida para a sociedade, e ter um dono", diz.
A CoronaVac, especificamente, se encontra nesse cenário: ela não está registrada em lugar nenhum. Então, é uma irresponsabilidade do Doria ficar anunciando que vai começar a vacinação, porque não há registro em nenhum lugar
Fernando Aith, professor da USP
Ainda segundo Aith, o risco que se corre com as vacinas em produção, no entanto, não é de gerar mortes, mas não ter a imunização que se previa.
"Não é um risco tão grave [a vacina não imunizar], a não ser que seja a única política pública que a gente vai apostar. Por isso, é dito para manter isolamento, uso de máscara, fechamento de comércios não essenciais até que esses dados sejam publicados de forma convincente e que se tenha uma imunização que gere imunidade comunitária", diz.
Estamos no escuro em termos de evidências científicas [sobre as vacinas] e existem alguns fatores que estão nos pressionando a aceitar algumas coisas que não aceitaríamos em período normal
Fernando Aith, professor da USP
O infectologista Plinio Trabasso, médico da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), concorda.
"Acho que o mais provável é que a eficácia seja inferior àquela que está sendo esperada. E que eles estão vendo alguma maneira de divulgar que não seja tão negativa", diz, lembrando, porém, que não há informações para embasar sua opinião.
"Seria leviano dar qualquer tipo de opinião, mas, na lógica, o mais provável é que não conseguiram atingir a eficácia que se esperaria."
Para ele, Doria errou ao fazer a divulgação de um plano estadual de vacinação sem ter um imunizante já aprovado.
Não é normal. É até meio errado você dizer que vai fazer um plano de vacinação sendo que não tem vacina disponível
Plinio Trabasso, infectologista da Unicamp
"Tem uma certa tentativa de influenciar a opinião popular. Não sei se é uma questão para tranquilizar as pessoas ou não." Trabasso defende que a vacinação obedeça a um plano nacional.
"O entristecedor no nosso país é a gente ver a utilização de uma maneira não séria, de uma maneira política, de todas essas nuances, incertezas em relação às vacinas", diz. "Sempre que você tem aspectos políticos, de politicagem, de abuso da política nas tomadas de decisão, isso é sempre nefasto. Critérios técnicos têm que prevalecer."
Ainda segundo ele, "essa guerra é absurda". "Ficar dependendo desse jogo político para tomada de decisão de um plano nacional de imunização. É revoltante", comentou.
Joana D'arc Gonçalves, infectologista que atua em Brasília, acrescenta que "estabelecer o melhor plano de imunização, qual vacina selecionar é uma árdua missão. Contudo, no Brasil, a associação com o Butantan trouxe alívio e mais confiabilidade".
Para ela, no Brasil, "temos alguns atropelos hierárquicos e a politização exagerada e desnecessária do tema. Nesse momento, deve-se concentrar forças na análise da melhor vacina e a mais acessível ao país. Executar o plano nacional de imunização é uma tarefa extremamente desafiadora diante dos obstáculos ideológicos e financeiros. Serenidade e sobriedade é o precisamos agora".
Butantan critica artigo e diz que "ninguém está no escuro"
Por meio de nota, o Instituto Butantan afirma que "beiram a irresponsabilidade o acinte e a falta de qualquer embasamento" o artigo de Fernando Reinach. "Por meio de ilações e hipóteses absolutamente infundadas, o missivista ataca o Instituto Butantan, uma instituição que acumula 120 anos de história e serviços em favor da vida", diz.
"Os resultados até aqui já comprovaram que a vacina é segura, não tendo sido registrado nenhum adverso grave dentre os que receberam as doses. Isso por si só é um grande avanço", afirma o Instituto.
Ainda segundo o Butantan, "o adiamento em cerca de uma semana da entrega dos resultados de segurança e eficiência foi uma decisão estratégica que atende a uma recomendação do comitê internacional independente que acompanha a pesquisa desenvolvida em parceria entre o Butantan e a biofarmacêutica Sinovac Biotech".
Assim, de acordo com o instituto, poderá ser entregue um estudo conclusivo à Anvisa e à National Medical Products Administration, da China. "Isso facilitará e agilizará o processo de registro, e não ao contrário", diz.
Em outra nota envia à reportagem depois da publicação deste texto, o Butantan afirma que "ninguém está no escuro" em relação aos estudos da CoronaVac.
"Os dados disponíveis a respeito dos testes clínicos da Coronavac de fase 3 já foram divulgados publicamente — restando o envio à Anvisa dos resultados conclusivos finais. A Anvisa, inclusive, tem acompanhado todo o processo, tendo aprovado a realização dos estudos clínicos de fase 3 no Brasil e a importação das vacinas pelo Butantan junto à Sinovac", diz a nota.
O Butantan também afirma que "a revista científica Lancet publicou os resultados das fases 1 e 2 dos testes clínicos, feitos na China, que atestaram segurança e alta resposta imune da vacina entre os participantes."
SP diz que agiu frente a inércia do governo
Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde informou, por meio de nota, que, "em nenhum momento, foi dito que São Paulo utilizaria uma vacina sem aprovação" e diz que a agiu para fazer "frente à inércia do governo federal".
Leia a íntegra da nota
"O Plano Estadual de Imunização de São Paulo contra a covid-19 foi elaborado diante do compromisso do governo do estado de salvar vidas e priorizar a segurança da população. Em nenhum momento foi dito que SP utilizaria uma vacina sem aprovação. Pelo contrário: o Estado segue defendendo o uso de vacinas seguras e eficazes contra a covid-19, bem como a incorporação das mesmas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI).
Na condição de gestora das ações de saúde pública em SP, a Secretaria de Estado da Saúde elaborou o referido plano diante da necessidade de planejamento para uma campanha deste porte, na maior unidade federativa do Brasil, e frente à inércia do governo federal. Não se trata de uma "guerra", mas de respeito e cumprimento do dever constitucional de cuidar da saúde pública.
A Secretaria de Estado da Saúde tem autonomia para definir as estratégias de vacinação no seu território, conforme o cenário epidemiológico, sem necessidade de aprovação do plano (ou seja, do cronograma de aplicação de doses), e atuará na imunização tão logo haja imunizante devidamente aprovado pela autoridade sanitária."
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