Vacina atravessa 135 km para chegar a vila sem luz e imunizar 1ª quilombola
Aos 70 anos, a agente comunitária de saúde Raimunda Nonata Coelho de Jesus tem muita história para contar, mas se tornou um personagem central na vacinação contra a covid-19. A família é grande: seis filhos, 22 netos e 18 bisnetos.
Às 18h25 do dia 19 de janeiro, se tornou a primeira quilombola a receber a vacina contra o novo coronavírus no Brasil, segundo a Prefeitura de Cachoeira do Piriá, no nordeste do Pará.
Recebeu a primeira dose da CoronaVac na comunidade Marajupema, na zona rural do município. A data da segunda dose ainda vai ser informada.
Desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e pelo Instituto Butantan, a vacina percorreu 135 km a partir da sede do município, até chegar ao anoitecer à sua região.
Recebeu a vacina à luz de velas. "Aqui não tem luz, não. Só ligam à noite e quando o gerador está bom", conta Raimunda.
A distância, imprevistos e o tempo ruim não ajudaram na logística.
"Tivemos de entrar por uma estrada de chão, o que dificultou a nossa chegada. Também pegamos uma chuva torrencial e alagamentos pelo meio do caminho, com um lamaçal", contou o coordenador em saúde e imunização de Cachoeira do Piriá, Adailson Monteiro Rodrigues.
"Só conseguimos chegar no início da noite. Improvisamos, porque a comunidade é separada de tudo e não tem energia elétrica", completa ele.
A reportagem do UOL teve dificuldade semelhante para falar com Raimunda. Foram cinco dias de tentativas. Até que uma filha foi buscá-la de moto. "Onde ela mora não pega celular e aqui, na cidade, ficamos sem internet todo esse tempo", diz Maria das Neves.
Raimunda fala pelo WhatsApp com uma voz baixa e calma. "Ô, minha filha, que bom que a gente conseguiu se falar."
Tomar vacina é segurança. É fundamental que as pessoas tomem. Escuto muita gente dizendo que não vai tomar, mas não é certo. A gente tem que se prevenir usando máscara, lavando as mãos e ficando distante, mas a vacina também é uma forma de se defender.
Raimunda Nonata Coelho de Jesus, agente comunitária de saúde
Conta que é agente de saúde desde 2004, após fazer um curso de auxiliar de enfermagem.
Na vila onde mora, ao lado de mais cem quilombolas e outros 270 moradores, já fez de tudo: aplicou injeção, fez curativos e ajudou muita gente a nascer. "Eu já fiz 774 partos. Conheço todo mundo aqui. Muita gente vem comigo mostrar filhos de mais de 40 anos", afirma.
Hoje seu trabalho se restringe às visitas em casas de pacientes em recuperação, mantido mesmo na pandemia. "Nunca parei. A gente ia com cuidado, falava de longe, da porta. Usava máscara, seguia esses protocolos todos. Me acostumei tanto com a máscara que já até dormi com ela."
Ela não teve ninguém diagnosticado com a covid-19, mas em março do ano passado perdeu o marido, aos 80 anos, devido a uma pneumonia. "Disseram que foi uma pneumonia não identificada", afirma.
Com muitos conhecidos como vítimas da doença, teve de se acostumar com a despedida sem velório ou enterro.
Raimunda diz ter uma saúde invejável e que não toma nem remédio para dor de cabeça. Conta que vem desde a infância, quando os pais trabalhavam na roça. "Fritura não gosto, não, mas açaí, peixe, manga, gosto de tudo. Aqui tem muita coisa boa."
Passados oito dias da aplicação da vacina, diz que se sente muito bem e já voltou às atividades normais. "Não senti nada. Só a picada da agulha. Já fui para lá e para cá de moto, até na chuva."
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